Por mais palavras que escreva, por mais capacidade que tenha em passar experiências para palavras, nunca vou conseguir transmitir o que senti no dia 10 de Julho no Skyroad Granfondo Serra da Estrela. Puro sofrimento e sacrifício num cenário abençoado pelos deuses.

Só num último impulso é que me inscrevi. Não tinha treinado nada e deveria pesar menos 8kg (levava um garrafão de 5l de água e mais duas garrafas de 1,5l a mais na “bagagem” 🙂 ). Mas também não posso dizer que fui ao engano, sabia bem o empeno que iria apanhar. Mas como gosto de um pelo desafio e dias diferentes, lá fui. Calma, não fui para a distância maior, fui para o Mediofondo. Mas como diz o outro: “mesmo assim!!” 😉 

A Serra da Estrela tem realmente um misticismo diferente, já tinha estado no Douro Granfondo em Maio, um desafio e pêras, em grandes cenários, mas aqui é diferente, não é melhor, é diferente. O ser o ponto mais alto (de Portugal continental), a paisagem serrana (muitas vezes agreste), o misticismo da torre e um belo conjunto de subidas imponentes, tantas vezes vistas nas transmissões da nossa Volta a Portugal. Todos estes pontos, fazem da Serra da Estrela a Meca do ciclismo em Portugal.

8h30, em Seia. Lá estava eu pronto, mais dois amigos, para a partida do Granfondo (quer dizer prontos às 8h30, não é bem assim, quando lá chegamos a partida já tinha sido dada, fomos mesmo os últimos a partir). Estava um calor dos diabos, o que seria mais um obstáculo a ultrapassar. Lá arranquei, a partida foi junto à Câmara Municipal, e descemos cerca de 2km no sentido contrário da Serra, passados os 2km, sempre a subir. Nos primeiros kms, vou sempre folgado, dá para rir, dá para falar sobre o jantar de ontem, como era dia da final do Europeu, deu também para falar sobre futebol com os cicloturistas espanhóis. Tudo tranquilo (aqui).

A primeira grande subida tinha cerca de 2okm. Iria passar da altitude 500m (Seia) para 1600m (Santo Estevão), um boa dose. Apesar de seguir a um ritmo lento (também dava para mais) lá ia ultrapassando uma malta mais atrapalhada que eu, muitos já a pé e com a bicicleta na mão (presumo que tenham chegado à torre de carro 😉 ). Com o andar dos kms e com a maior altitude, a paisagem ganhava outra dimensão, quase de todos os todos davam um belo miradouro, várias vezes disse que “parecia que dali dava para ver o mar”, era só criar ambiente 🙂 e esquecer a dor nas pernas, que aumentava gradualmente. Passada a primeira subida, os primeiros 20kms, lá cheguei ao primeiro abastecimento, tal como um oásis no deserto. Com o calor que estava, e com a dificuldade da coisa, sabia perfeitamente que sem alimentar-me bem e sobretudo sem hidratar-me bem, era a chamada “morte do artista”. 

Como atrás de uma grande subida, vem sempre um grande descida, aqui cumpriu a máxima. Cerca de 30 minutos sempre a descer, com paisagens belíssimas, quase sempre com vista para Manteigas e para o Vale Glaciar. O zig zag final para Manteigas é belíssimo, começamos no 15º andar e vamos descendo andares até Manteigas por uma espécie de bosque onde o verde domina. Ultrapassada a descida (fácil 🙂 ), cheguei a Manteigas (que alterna com Seia, a partida do Granfondo). Mais um abastecimento, este praticamente só liquido, para a última subida. A “prova” tem um perfil e uma analise bastante simples, 2 subidas e uma descida, 70km no total.

A subida final tem inicio no Vale Glaciar, uma das estradas mais bonitas de Portugal e que deixa ninguém indiferente, por mais rodado que seja. É no Vale que nasce o rio Zêzere, que segue o seu caminho (até Constância) pelo meio do Vale. Uma paisagem absolutamente fabulosa, mas dura e massacrante. Primeiro é enganadora, porque aparentemente não parece muito inclinada (para que segue de carro, até parece plano), mas vamos sempre com inclinações de 7/8% ao longo de 8km, sem sombra e onde o ar parece que não circula. Para mim, foi uma espécie de travessia do deserto, com os fontes de água fresquíssima a fazerem o papel de oásis. Pois bem, este deserto rebentou comigo. Nunca tive um cãibra na vida, ou melhor nunca tinha tido, passei o Vale Glaciar e já a chegar ao cruzamento para a torre, pimba, tive que saltar da bicicleta, com o sentimento que tinha os músculos a rasgarem-se todos (horrível). Faltavam 10km e a parte mais dura. Anunciei logo um sofrimento medonho. 

Como sou (um bocadinho) teimoso e não lido bem com desistências (pelo menos até atingir o limite). Desistir nunca fez parte do planos, nem que tivesse que ir a pé. Nem sei quando tempo demorei a fazer estes últimos kms (pareceram-me dias 🙂 ), de km a km tinha de parar para alongar, e cada km mais era um aumentar de dor terrível. Parecia que ia mesmo tudo rasgar. Nem tirei nenhuma foto (só me tiraram a mim) e a paisagem era tão bonita. Mas sabia que corda já ia esticada ao máximo, e que ao mínimo descuido partia. Mas devagarinho, devagarinho, os metros (não kms 🙂 ) lá iam passando. Ia todo “cozido” da pernas, tal como um local bastante engraçado me disse numa das minhas muitas paragens, dando-me ainda um precioso concelho que segui à risca: “amigo como você tá, tem de ir devagarinho, senão não chega lá!!” 🙂 , não caí na tentação de ir depressa, fui devagarinho e cheguei lá.

No cruzamento para a torre, ia completamente com a corda na garganta e os últimos metros, já a ver a meta, foram ao estilo “macho latino”, a ranger o dente para não desmontar, desvirtuando a minha virilidade masculina, uma espécie de “posso morrer, mas morro de pé” 😉 . Ultrapassada a meta, mais do felicidade, uma alivio brutal. Mas se fosse fácil, não era a mesma coisa. Nestes desafios a superação é tão dura como memorável. A graça disto (apesar dos momentos em que me só me apeteceu mandar a bicicleta ribanceira abaixo 😉 ), é que este deve ser dos poucos sofrimentos que, quando passa, realmente tem graça e é bom de recordar e, pasmem-se…dá vontade de repetir!! E esta é sem dúvida para repetir. (mas sem a parte das cãibras 😉 )

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