o que faz de abrantes um lugar diferente
Abrantes não é melhor, nem pior, do que outra qualquer cidade ou território. Sim, porque aqui estou a falar de todo o território. Não só dos 5km2 do Centro Histórico. Abrantes é diferente. E são essas diferenças, para além dos importantes laços umbilicais, que me fazem sentir todos os dias fascinado com o lugar onde nasci.
Já disse (e escrevi) isto umas 1000 vezes. Com a profissão que tenho poderia viver em qualquer lugar do Mundo. Provavelmente, uma maior proximidade com o aeroporto e também uma maior proximidade com os escritórios de algumas entidades e serviços, também facilitaria um pouco o meu trabalho. Mas escolhi viver em Abrantes, muito provavelmente, para sempre. Acabei de comprar uma casa, sinto-me muito bem aqui. Atenção, isto não me faz gostar mais da minha terra, que tantos outros, muitos meus amigos, que estão longe. Sim, eu sei que nem toda a gente tem esta facilidade, e muitos são obrigados partir, mesmo contra a sua vontade, em busca de melhores condições e melhores resultados para a sua carreira. Mas o assunto emigração e migração é histórico, e sempre irá acontecer. Existem pessoas a emigrar a partir de Abrantes, existem pessoas a emigrar a partir de Lisboa (que é uma cidade onde tudo acontece) e também existem (muitas) pessoas a sair de grandes meios, para a pacatez de territórios como Abrantes, e para muitos outros ainda mais “pacatos” que Abrantes. Tudo isto, para reforçar o facto de que, Abrantes é importante para mim, não só por ter sido o local onde nasci, por o meus pais viverem quase ao lado de minha casa ou por quase todos os meus amigos também viverem aqui. Ao escrever isto, e por ser tão ligado às minhas pessoas, parecem-me razões mais do que suficientes, mas acreditem em mim, não é só por isso. Para mim, este lugar é fascinante. Não só me faz querer trabalhar aqui e ser este o ponto de partida e chegada das minhas viagens, como me faz querer deixar a minha marca por aqui e que dessa forma, ajude este lugar a ser um lugar melhor, com a valorização que merece e justifica ter.
Mas nem sempre foi assim, nem sempre achei que Abrantes, a cidade onde nasci, iria ser o lugar onde iria ter a minha casa, onde iria ser o meu trabalho e onde, provavelmente, iria criar os meus filhos. Vivi, na minha juventude, algum tempo em Abrantes e sonhar ser de outro lugar, a desejar ser de outro lugar. Houve tempos em gostaria de ter a praia à minha porta, outros em que queria ir ao cinema e ver um concerto todos os dias, existiram ainda tempos em que queria viver numa montanha com neve todo o ano ou, simplesmente, no estrangeiro (não interessava onde, tinha era que ser no estrangeiro), e nem vou falar nos meus tempos de fanatismo, em que queria viver ao pé do Estádio da Luz, para assistir a todos os jogos do Benfica. Enfim, tempos diferentes e fases diferentes. Como podem ver, sempre fui um sonhador. Curiosamente, a minha mudança em relação à minha visão sobre a minha terra mudou radicalmente, precisamente com altura que comecei a viajar. E nem foram as saudades das pessoas que cá deixava, que me fizeram mudar e começar a ver as coisas de outra forma. Se calhar nem existe uma razão em concreto. Ou talvez tenham sido os meus olhos, que ao ver tantas coisa diferentes do que estava habituado a ver, conhecer outras pessoas e culturas, que me fizeram olhar de fora, quase que sem coração (sim, o coração muitas vezes faz-nos desdenhar do que é nosso e olhar com inveja para o quintal do vizinho), para a minha terra. Este período importante, de mudança, em quase tudo na minha vida, coincidiu com o início do projecto do Meu Escritório. Onde sentia uma vontade gigante de conhecer tudo, sentir tudo e tocar em tudo. Não sei se recordam, mas grande parte das viagens iniciais do Meu Escritório, foram feitas de bicicleta, e com isso, passei a viajar de bicicleta quase todos os dias na minha terra. Foram horas a fio, a percorrer quase todos os lugares, até mesmo aqueles que pensei que não existissem, e a surpreender-me a cada dia com a minha descoberta. Que me levaram muitas vezes a questionar-me como seria possível eu não conhecer o lugar onde nasci e onde sempre tinha vivido até então. Sim, foram muitas uniões felizes, que fizeram chegar a este ponto de admiração pela minha terra, que me faz, muitas vezes, caricaturar-me como o viajante mais caseiro do mundo.
Talvez para ser mais simples para mim, no que toca a organização de pensamento, e para vós, na organização da vossa leitura, vou mencionar alguns pontos, razões ou costumes, assim ao estilo de sub-temas, que fazem os meus olhos brilharem de orgulho da minha terra. E lá está, que me fazem querer criar coisas, inclusive raízes, por aqui.
Norte é Beira Interior, centro é lezíria do Ribatejo e sul é charneca do Ribatejo (com algumas parecenças com o Alentejo)
Se me perguntassem: o que mais te encanta na tua terra? A minha resposta seria: a Liliana! (sempre a marcar pontos românticos) Ok, não era bem isso. Assim do resto, turisticamente vá? Sem dúvida que iria responder a multiculturalidade. É delicioso pegar num carro (nem digo numa bicicleta ou a pé), começar por exemplo na Aldeia do Mato ou em Fontes, aldeias do Norte do concelho, e aí começar uma viagem em direção a Sul. São culturas, gastronomia, paisagens e pessoas, completamente distintas. A Norte uma paisagem e cultura de Beira Interior, de Pinhal Interior, com a presença do rio Zêzere e da albufeira do Castelo de Bode a ajudar à festa. Tem desníveis mais acentuados, é mais frio, uma paisagem mais fechada, as pessoas comem maranhos e peixe do rio, falam e têm uma forma de estar diferente das gentes do Sul. Muito por culpa do lindíssimo lago que tem à sua frente. Tem um potencial gigante. Adoro andar por ali. Depois, caminhando ou neste caso, conduzindo para o Sul, chegamos à cidade e localidades próximas do rio. Claramente Lezíria do Ribatejo. É precisamente nesta zona, que o leito do rio se torna menos rochoso, e menos fechado, tornando os campos mais férteis, bem visível nos campos agrícolas de Tramagal e Rio de Moinhos. No limite centro/Este do concelho, Abrantes também faz fronteira, não só com outros concelhos, mas também com outra região (e outra cultura), o Alto Alentejo. E ainda estamos a meio da viagem, a Sul entramos em território de planície, completamente distinto do Norte, e a cultura do sobreiro, dá-lhe ares de Alentejo. Quer dizer, não são só ares. Na aldeia mais a Sul do concelho, a Água Travessa, que por acaso é a aldeia da minha Liliana (espera lá, eu ser do Rossio e do centro, e ela ser do sul, também pode ser influenciador para este meu abrir de olhos, pelo menos para este sub-tema), o extremo Sul da aldeia faz fronteira com o Alentejo e o extremo Oeste faz fronteira com o Ribatejo puro (concelho da Chamusca, existe lá cavalos e touros). Percebem a diferença? Os campos aqui abertos, de grandes dimensões e planos. As pessoas aqui comem comida alentejana, ensopado de borrego e afins, falam meio alentejano e até o tempo parece que passa de uma forma diferente. Ora bem, esta viagem de Norte a Sul, e sem sair de Abrantes, são apenas 40km. E nestes 40km, podemos ver e viver todas estas diferenças. Percebem a graça que isto tem? Agora imaginem como fiquei quando fiz este percurso pela primeira vez de bicicleta. Sim, fiquei deslumbrado. De coração que fiquei.
Rio Tejo e rio Zêrere
O rio Tejo, divide o território de Abrantes ao meio. O rio Zêrere estabelece toda a fronteira norte do concelho, fazendo fronteira não só com outros concelhos, mas também dividindo, a Este, o Ribatejo com a Beira Interior. O rio Tejo tem a particularidade de ser o rio da Península Ibérica. Deságua em Lisboa e passa por Madrid. Tem histórias para contar que nunca mais acabam. No caso da ligação do Tejo a Abrantes, para além de ser um “posto de comando” da linha de defesa do Tejo, com o seu Castelo, foi, e aqui também falo da minha querida terra Rossio ao Sul do Tejo, um importante porto de interior. Dizem, a dada altura, um dos mais importantes portos de interior da Europa. Até é fácil perceber porquê, ligava duas das principais capitais do mundo, mundo esse que os reinos de cada uma tentavam conquistar em absoluto. Depois, fica bem no centro de Portugal, o que facilitava a chegada de mercadorias vindas das Beiras e do Alentejo. O Tejo era um importante recurso militar e uma espécie de autoestrada medieval de mercadorias. Já o Zêzere, tem a particularidade de ser um rio exclusivamente nacional e nascer no ponto mais alto de Portugal continental. Num lugar lindíssimo. Fico com um orgulho bestial em poder dizer que estes dois monumentos naturais fazem parte da minha terra, e assim também os poderei considerar, com alguma legitimidade, como meus. Como parti de mim e da minha história. Então o Tejo, tenho umas 1000 histórias com ele.
Castelo e centro histórico
Ok. Isto está a ir por partes, tipo boneca matrioska. Primeiro a geografia cultural do território, depois os rios como elementos de ligação a outros territórios e como consequência disso surge o castelo e o seu adjacente centro histórico. Sim, porque eu acredito que sem rio, não existiria castelo. Sem castelo, não existiria centro histórico. Pelos menos tal como ele é. Sim, eu sei. É tudo muito relativo. Mas eu gosto de ver as coisas assim. O castelo além muitas histórias para contar (já teve várias vidas e passou por muitas diferentes mãos), tem uma vista absurda. Daquelas de perder no horizonte. Se construir um castelo em Abrantes por causa do rio e da sua localização estratégica, seria o ponto número 1, ser construído naquele preciso lugar, seria claramente o ponto número 2, no que toca a critérios de construção. Ainda o inimigo vinha a dois dias de distância de Abrantes e já estava a malta no castelo a afiar as facas e lanças, prontos para a briga. Impressionante. Depois o centro histórico, com ares de belle epoque, é uma espécie de desaguar de pequenos canais vindos do castelo, formando as estreitas e inclinadas ruas da cidade. Fruto de uma época áurea no passado, quer pelas rotas comerciais, quer por um passado recente industrial muito forte, no centro histórico são múltiplos os palacetes que ali se encontram. Edifícios muito interessantes e certamente com imensas histórias. Infelizmente, muitos estão abandonados. A revolução industrial acabou, o rio deixou de ser navegável, e os tempos mudaram. Por isso, o meu querido centro histórico, esta passar por uma fase de mudança. Isto não acontece só em Abrantes, acontece um pouco por todo o lado. O turismo parece-me a salvação e nova vida para estes lugares cheios de história. Espero que o futuro do meu centro história seja de vanguarda novamente. Ele merece.
Passado industrial
Se há uns anos atrás fiquei pasmado com as diferenças entre o norte e o sul do meu concelho, nas viagens que fiz de bicicleta. O passado industrial, é a minha mais recente descoberta. Ainda estou numa espécie de work in progress. Parece que as histórias não acabam e com o andar o tempo, mais interessantes ficam. Fiquei, sinceramente, de boca aberta com a história da Metalúrgica Duarte Ferreira. Agora ando em redor da história da CUF/Quimigal. E ainda tenho a antiga Companhia de Moagem e mais umas quantas boas histórias. Nem imaginam no orgulho que sinto neste passado da minha terra. Não só feito de gente trabalhadora, mas sobretudo, feito de gente de visão. O legado é tal, que faz com que sejam intemporais. Espero honrá-los.
Futuro criativo
Acredito que estamos a viver uma revolução criativa. No mundo. Cada vez mais, o acto de criação de algo único é mais valorizado. Seja em que área for. Desde a música, à escrita, à pintura, à cozinha, ao vinho, à escultura. Enfim, podia estar aqui a noite toda. O facto de existirem coisas como o Creative Camp, que acho genial, o antigo quartel de bombeiros, hoje ser uma galeria de arte chamada quARTel (acho genial), a antigas instalações da fábrica Quimigal serem um polo criativo, eventos como os Caminhos do Tejo ou os Cadernos de Viagem, a agenda cultural do Cine-Teatro e mais umas quantas coisas, fazem ficar orgulhoso e esperançado no caminho. Acho que até eu, sou uma consequência deste caminho criativo. Porque na verdade, eu sou um criativo, acima de outra coisa qualquer. Um criativo. E sendo eu de Abrantes, é quase juntar 1+1. É um caminho difícil e não imediato, mas acho que é o caminho.
Pessoas
São as minhas. Por isso, são as melhores. As paisagens são bonitas e os edifícios também. Mas quem faz os territórios são pessoas e as suas interações. Em qualquer viagem. Seja uma visita a Abrantes ou a Paris, as grandes memórias, são, muitas vezes, feitas de pequenas conversas, que muitas se transformam em momentos únicos. Abrantes tem muita gente interessante. Acho todas as terras têm. Mas aqui estão as minhas.
Localização
Imaginem um brasileiro, que vive e nasceu na cidade de São Paulo. Sai pela primeira vez de São Paulo (que deve ter uns 200km de uma ponta à outra) e aterra de paraquedas em Abrantes. Para ele Abrantes teria mar, neve, ficava mesmo ao lado de Espanha e de Lisboa, e poderia ir (só) beber café a Évora ou a Coimbra. Sim, talvez esteja a exagerar. Mas Abrantes está a pouco mais de 1h de viagem (de carro) de todos esses sítios. É um bem precioso.