Anthony Bourdain morreu. Até custa escrever. Soube da notícia quando estava a provar um queijo de vaca caseiro na ilha Terceira. (uma certa ironia, não?) Curiosamente, foram os Açores os primeiros a serem eleitos, primeiro até que Lisboa e Porto, para a honra de receber um programa do mestre Bourdain. Não existe uma boa hora para se saber uma noticia destas, mas se tivesse que escolher um local, talvez este fosse um dos mais indicados. A comer um produto feito com amor, nos Açores, numa aldeia que nem sei o nome, e a fazer disso o meu trabalho. Comer e viver (conversar, rir, tocar, cheirar), para contar a história depois. Foi isso que Bourdain, sem querer, me inspirou a fazer. Talvez este meu Escritório seja, sem querer, também uma pequena homenagem a ele.
Descobri o programa No Reservations algures nos anos 2000, passava na SIC Radical. Conseguem imaginar uma pessoa cheia de vontade de mergulhar, mas que nunca tinha mergulhado e nem sabia bem que se podia mergulhar, e que, num ápice, aparecem-lhe à frente, do nada, toda uma panóplia de ilhas desertas e mares paradisíacos? Bem, foi mais ou menos esse o efeito que o programa do Bourdain teve em mim. Já desconfiava daquilo que queira seguir para a minha vida, mas eram apenas linhas soltas e sem grande conteúdo. Este simples programa e a genialidade de uma pessoa, funcionaram como uma espécie de abertura de uma caixa de pandora para a minha vida. Não lhe queria seguir todos os passos, não queria um programa de televisão. Ele quase que me mostrou, sem querer, que é possível. E, sim mais 3 ou 4 coisas, como simples é perfeito e que a maior riqueza de uma experiência pode estar na genuinidade da mesma. Que não existem destinos melhores que outros, que podemos fazer de uma experiência em, por exemplo, em Mina São Domingos, algo de extraordinário. Inspirei-me, sobretudo, a seguir a máxima de que as pessoas serão, sempre, a chave mestra de qualquer história. Naquela altura, coloquei o Ronaldo, Ronaldinho e Rivaldo de lado. Anthony Bourdain passou a ser meu grande ídolo de adolescência. Num ápice, li o livro dele e vi e revi todos os programas dele. Não para querer provar a comida que ele comia ou para ir aos lugares onde ele foi, mas para, simplesmente, admirar a forma como ele o faz. Vi tanto, admirei tanto e inspirei-me tanto que, sem esforço, consigo ouvir a voz dele na minha cabeça. Tantas vezes penso quando estou num lugar inóspito como uma tasca em Moura, uma numa banca na India ou numa tenda no deserto de Marrocos, o Bourdain também deveria gostar de vir aqui. Ou melhor, gostaria que ele estivesse aqui comigo. É claro que nem é preciso responder aquela pergunta “que “famoso” convidarias para jantar contigo?”, pois não?
Foi, de longe, umas das pessoas que mais admirei e que mais me inspirou em vida. Foi, sem saber, um dos grandes culpados deste escritório existir, da forma como existe. Sonhei várias vezes ser como ele. Sonhei várias vezes encontrar-me com ele, numa tasca qualquer de um qualquer canto do mundo, com comida manhosa e a brindar com um vinho carrascão, para lhe agradecer a importância que teve na minha vida. Depois disso, sonhei que podíamos ser amigos. Morreu e ainda nem acredito. Só me resta o sonho de (tentar) ser (um bocadinho) como ele.
Obrigado Anthony, honra à tua alma.