UM SEGREDO CHAMADO SERRA DO AÇOR
Silêncio, é tão bom ouvir o silêncio. É nesta tranquilidade que acordo. Estou na aldeia de Pardieiros, em plena Serra do Açor. Uma espécie de segredo, daqueles que quando descoberto nos faz brilhar os olhos de contentamento.
Quase por acaso vim parar a esta pequena aldeia. Não conhecia. Nunca tinha ouvido falar. Como tantas outras aldeias por aqui, parece que foi inicialmente engolida pela serra, para depois se aconchegar na mesma e viverem uma vida em conjunto, em plena comunhão. Estou bem no centro da aldeia, numa pequena casinha recentemente restaurada, toda em pedra. Levantei-me há pouco e não ouço viva alma. Nem o vento. O ar é do mais puro que já respirei, cenário típico dos edens deste mundo. Nada parece ser complexo por aqui, tudo parece conviver pacificamente, parece que nada de mal pode acontecer. O tempo não tem pressa de passar.
Tomo o pequeno almoço na varanda da casinha. Local onde no dia anterior assisti tranquilamente ao pôr do sol. Aproveito para estabelecer o plano do dia. Como sempre, pego na minha caneta, bloco de notas e desenho um mapa com os pontos chave do meu dia. Percebo que esta Serra do Açor não é para ser vivida com pressa, nem para individualizar muito. O todo é o que vence e o pormenor é o que marca. Entretanto o dia começa a ganhar cor na aldeia. O padeiro já distribuiu o pão, o sino da igreja já deu sinal, alguns habitantes já desceram para as suas hortas e as vizinhas da minha casinha colocam a conversa em dia. Sinto-me a ver um quadro vivo. Sinto que estes quadros têm tanto de genuíno como de raro. Percebo que este lugar só pode ser um segredo, afastado do mundo de hoje. É como entrar num pequeno aquário onde a paz reina. Onde não interessa a cor da roupa ou a velocidade a que a internet corre. Aqui ainda existem notícias do dia e não notícias da hora, que uma hora depois já estão desatualizadas. Dou por mim a sorrir, talvez a recordar a minha infância, talvez a desvalorizar o tempo, talvez a valorizar a perfeição da simplicidade. Muitas vezes me pergunto se seria mais feliz se vivesse todos os dias num lugar como este. Certamente iria sentir falta de algumas coisas, certamente iria ter mais qualidade de vida. Mas para já, a minha vida permite-me fazer de lugares como este, por breves e saborosos instantes, a minha casa. Arrumo a loiça do pequeno almoço ao mesmo tempo que assobio (uma espécie de conversa de recém amigos) para o pássaro que poisou no parapeito da minha varanda. Preparo-me para explorar a Serra do Açor, não como um explorador, mais como um passarinho que gostaria de viver neste lugar.
Começo pela Mata de Margaraça. Uma espécie de coração da área de paisagem protegida da Serra do Açor. Estaciono o carro com poucos quilómetros de viagem. Nem sei se passaram 10 minutos. Envolvida por uma densa vegetação verde forte, onde a humidade e a frescura se sentem, mesmo num dia quente de Verão. Vejo a Casa Grande (sim, é grande e é o nome dela), toda em xisto, que funciona com centro de interpretação. Entro e a casa estava vazia, mas pronta a receber quem chega. Recolho alguma informação e saio porta fora para explorar alguns trilhos em redor da casa. Não sigo nenhuma seta ou indicação. Oriento-me pelo barulho da água a lutar contras as pedras para seguir o seu caminho. O som não engana, existem múltiplas pequenas cascatas por aqui. Tão arrumadinhas, que parecem o jardim bem arranjado de alguém. Estou sozinho neste lugar, onde não se consegue ver o céu. Apenas oiço a natureza. O vento nas árvores, a água nas pedras e as aves a desembrulhar o seu território. Sigo sem pressa. Depois de sujar os pés na terra húmida e de abastecer os pulmões de ar puro, volto a entrar no carro. Continuo a minha viagem. Lentamente a paisagem torna-se num funil invertido. A densa paisagem da mata dá lugar a grandes espaços, grandes vales. Paisagens a perder de vista. Percebo a dimensão deste segredo. A Serra do Açor não é “só” uma mata ou vale. É espaço gigante meio entalado entre as Serras da Lousã e da Estrela. Quase com uma afinidade familiar entre estes dois bonitos lugares, a Serra do Açor tem traços das duas, quer na paisagem, quer na cultura. Sigo pelos vales da serra em direção ao lugar mais reconhecido deste território. Um espécie de avançado (utilizando uma linguagem desportiva) da Serra do Açor. Sim, estou a falar de Piodão. Fica a cerca de 20km da aldeia onde dormi. Rumo ao extremo Norte da Serra do Açor e o traço da paisagem aproxima-se cada vez da visão da icônica Serra da Estrela. Com o rádio desligado, com o vidro aberto e o braço de fora, e depois de 20 paragens para fotografias, chego a Piodão.
A aldeia que parece minúscula quando vista do alto da serra, ganha novos contornos e nova dimensão. Saio do carro, apressado, para viver tudo. Engraçado como, depois de tantos anos a viajar, ainda fico “louco” por uma pequena aldeia perdida na serra. A primeira imagem é da Igreja Matriz, que funciona como porta de entrada da aldeia. Sente-se a dimensão das histórias que esta aldeia deve ter para contar ao dar de caras com este antigo templo com algumas centenas de anos. Nesse momento, parece que a minha imaginação ganha nova força e imagino como seria chegar a este lugar há 200 anos. Sem estradas, sem automóveis. A Igreja, talvez com outra forma, já lá estaria. Imagino este lugar feito de pessoas boas, que nasciam por ali e que por ali morriam, que viviam do que a terra lhes dava e com as dificuldades inerentes a quem está longe de tudo. Imagino também como um lugar onde iriam parar alguns fora da lei, que queriam fugir aos olhares do mundo lá fora, talvez para sempre, e que por ali assentariam arraiais, talvez com uma nova identidade, para começar uma nova vida. Consigo imaginar muitas coisas, são sonhos e imaginação que fazem lugares como este. Talvez, hoje, este lugar se mantenha assim, e é tão valorizado, pelos anos que se manteve esquecido no passado. Muitas vezes o tempo e a história fazem destas coisas. Começo a explorar a aldeia, sinto-me a entrar num labirinto. Nas ruas do coração da aldeia não entram carros e parece que foram construídas para o tamanho de uma pessoa. Facilmente me perco por ali, mais facilmente me encontro. Nem que seja por simples coisas, que não se ouvem, nem vêm em outros lugares. Ouço o sino da igreja ou o padeiro. O som é tão nítido, que assume forma de bússola. Quase como o som do tempo a passar. É difícil o contacto humano, a freguesia de Piodão apenas tem cerca de 200 habitantes, espalhados por 10 aldeias. Nem sei quanta gente vive permanentemente nesta aldeia. Mas quase todas as casas estão, imaculadamente, cuidadas. Acredito que muitas sejam segundas casas ou casas convertidas a turismo. Aqui a pessoas ganham novo valor, talvez noutro lugar não investisse o meu tempo a observar os poucos locais que por ali circulavam nos seus afazeres diários. Cuidar da horta, cuidar do espaço em frente a sua casa ou tão simples, tão importante e tão raro, conversar com os vizinhos. Todos muito simpáticos e orgulhosos da sua terra. Percebo perfeitamente a razão do orgulho. (ver história sobre Piodão)
Deixei Piodão em direcção da Foz d’Égua. Uma espécie de segredo dentro do segredo. Que lugar incrível. Parece um pequeno mundo encantado. Mais uma vez, tinha um pequeno paraíso só para mim. Queria ver todos os cantos, tocar em todas as pedras e ver onde vão dar todos os riachos. Quando a adrenalina desceu, sentei-me numa pequena ponte, com os pés a baloiçar sobre a água e a sentir-me abençoado. Abençoado por poder ver e sentir lugares como este. Por ter o privilégio de poder desligar o relógio e deixar o tempo passar e poder, simplesmente, ver e ouvir a água a passar. Segui viagem, agora para Sul.
Mais uma vez, senti o efeito do funil invertido. Deixei lugares densos e intimistas, para “navegar” novamente entre grandes vales e picos. Sigo a velocidade cruzeiro mas sempre atento. Atento à diferença e à genuinidade. Já novamente perto da aldeia de Pardieiros, entro numa estrada de terra batida que mais parecia levar-me a lugar nenhum. Senti-a numa espécie de universo paralelo onde podia ver tudo e ninguém me podia ver. Este lugar tem esse poder. Do nada e lentamente, começo a vislumbrar algum movimento. Chego à aldeia de Enxudro. Bem, esta aldeia é que fica mesmo no coração da serra. Pouco mais que meia dúzia de casas e certamente, pouco mais que meia dúzia de habitantes. Chamou-me logo à atenção o nome. Não fosse a diferença paisagística do local (e o saber onde estava, é claro), parecia que tinha chegado a uma qualquer aldeia do País Basco. O nome é muito Basco. Não sei se existe qualquer ligação. É um lugar curioso.
Sigo agora em direção a Benfeita. Tal como Piodão. Esta não era primeira vez que aqui colocava os pés. A Benfeita será, certamente, a maior aldeia que vou encontrar nesta viagem. É Aldeia de Xisto e, é claro, igualmente interessante. É nesta aldeia que também vislumbro maior movimento humano. Estaciono o carro e começo a exploração a pé. Mais um vez, não sigo com o perfil de explorador. Não vou à procura dos pontos chave, vou à procura do seu coração. Procuro o largo da aldeia, junto a uma pequena ribeira que atravessa a aldeia. Compro uma água e sento-me a observar as gentes de Benfeita. Simples, não. O dia caminha para o fim e a temperatura mantém-se elevada. Esta ribeira, entre outras riquezas produz frescura. Observo um dos momentos altos do dia em Benfeita, chegou a hora da missa. E uma parte da população caminha para a Igreja. Mais uma vez, recordo a minha infância, recordo a minha avó a ir à missa e eu a jogar à bola no adro da igreja. Muito bom ver que os velhos costumes ainda se mantêm. Acabo a minha água e sigo o caminho da ribeira. Volto ao carro e sigo em direção a Fraga da Pena.
Mais um lugar onde todos os clichés são bem-vindos. Fraga da Pena é uma queda de água com cerca de 20 metros e todo um espaço em redor muito particular. Agora os clichés. É um lugar mágico? Claro que é. Faz-nos ficar de sorriso nos lábios a pensar que raio de lugar bonito é este? Claro que faz. A noite já se misturava com dia. Talvez por isso, dou por mim sozinho neste pedaço de paraíso. Acredito que nem sempre seja assim. É um lugar lindíssimo e com bons acessos. E as coisas boas devem ser partilhadas. Mencionei várias vezes a palavra segredo, mas lugares como este não devem, não podem, ser secretos. Devem ser sagrados.
Já com o laranja do pôr do sol no horizonte, volto ao carro para uma curta viagem até à minha casinha de pedra em Pardieiros. Atravesso as ruas estreitas da aldeia. Já estava toda a gente em sua casa. Estaciono o carro e sigo em direção à “minha” varanda. Ainda chego a tempo dos últimos momentos do pôr do sol. Sento-me, feliz pelo que vivi, a contemplar o momento. E como é bonito o pôr do sol por aqui.
Silêncio, é tão bom ouvir o silêncio. É nesta tranquilidade que acordo. Estou na aldeia de Pardieiros, em plena Serra do Açor. Uma espécie de segredo, daqueles que quando descoberto nos faz brilhar os olhos de contentamento.
Quase por acaso vim parar a esta pequena aldeia. Não conhecia. Nunca tinha ouvido falar. Como tantas outras aldeias por aqui, parece que foi inicialmente engolida pela serra, para depois se aconchegar na mesma e viverem uma vida em conjunto, em plena comunhão. Estou bem no centro da aldeia, numa pequena casinha recentemente restaurada, toda em pedra. Levantei-me há pouco e não ouço viva alma. Nem o vento. O ar é do mais puro que já respirei, cenário típico dos edens deste mundo. Nada parece ser complexo por aqui, tudo parece conviver pacificamente, parece que nada de mal pode acontecer. O tempo não tem pressa de passar.
Tomo o pequeno almoço na varanda da casinha. Local onde no dia anterior assisti tranquilamente ao pôr do sol. Aproveito para estabelecer o plano do dia. Como sempre, pego na minha caneta, bloco de notas e desenho um mapa com os pontos chave do meu dia. Percebo que esta Serra do Açor não é para ser vivida com pressa, nem para individualizar muito. O todo é o que vence e o pormenor é o que marca. Entretanto o dia começa a ganhar cor na aldeia. O padeiro já distribuiu o pão, o sino da igreja já deu sinal, alguns habitantes já desceram para as suas hortas e as vizinhas da minha casinha colocam a conversa em dia. Sinto-me a ver um quadro vivo. Sinto que estes quadros têm tanto de genuíno como de raro. Percebo que este lugar só pode ser um segredo, afastado do mundo de hoje. É como entrar num pequeno aquário onde a paz reina. Onde não interessa a cor da roupa ou a velocidade a que a internet corre. Aqui ainda existem notícias do dia e não notícias da hora, que uma hora depois já estão desatualizadas. Dou por mim a sorrir, talvez a recordar a minha infância, talvez a desvalorizar o tempo, talvez a valorizar a perfeição da simplicidade. Muitas vezes me pergunto se seria mais feliz se vivesse todos os dias num lugar como este. Certamente iria sentir falta de algumas coisas, certamente iria ter mais qualidade de vida. Mas para já, a minha vida permite-me fazer de lugares como este, por breves e saborosos instantes, a minha casa. Arrumo a loiça do pequeno almoço ao mesmo tempo que assobio (uma espécie de conversa de recém amigos) para o pássaro que poisou no parapeito da minha varanda. Preparo-me para explorar a Serra do Açor, não como um explorador, mais como um passarinho que gostaria de viver neste lugar.
Começo pela Mata de Margaraça. Uma espécie de coração da área de paisagem protegida da Serra do Açor. Estaciono o carro com poucos quilómetros de viagem. Nem sei se passaram 10 minutos. Envolvida por uma densa vegetação verde forte, onde a humidade e a frescura se sentem, mesmo num dia quente de Verão. Vejo a Casa Grande (sim, é grande e é o nome dela), toda em xisto, que funciona com centro de interpretação. Entro e a casa estava vazia, mas pronta a receber quem chega. Recolho alguma informação e saio porta fora para explorar alguns trilhos em redor da casa. Não sigo nenhuma seta ou indicação. Oriento-me pelo barulho da água a lutar contras as pedras para seguir o seu caminho. O som não engana, existem múltiplas pequenas cascatas por aqui. Tão arrumadinhas, que parecem o jardim bem arranjado de alguém. Estou sozinho neste lugar, onde não se consegue ver o céu. Apenas oiço a natureza. O vento nas árvores, a água nas pedras e as aves a desembrulhar o seu território. Sigo sem pressa. Depois de sujar os pés na terra húmida e de abastecer os pulmões de ar puro, volto a entrar no carro. Continuo a minha viagem. Lentamente a paisagem torna-se num funil invertido. A densa paisagem da mata dá lugar a grandes espaços, grandes vales. Paisagens a perder de vista. Percebo a dimensão deste segredo. A Serra do Açor não é “só” uma mata ou vale. É espaço gigante meio entalado entre as Serras da Lousã e da Estrela. Quase com uma afinidade familiar entre estes dois bonitos lugares, a Serra do Açor tem traços das duas, quer na paisagem, quer na cultura. Sigo pelos vales da serra em direção ao lugar mais reconhecido deste território. Um espécie de avançado (utilizando uma linguagem desportiva) da Serra do Açor. Sim, estou a falar de Piodão. Fica a cerca de 20km da aldeia onde dormi. Rumo ao extremo Norte da Serra do Açor e o traço da paisagem aproxima-se cada vez da visão da icônica Serra da Estrela. Com o rádio desligado, com o vidro aberto e o braço de fora, e depois de 20 paragens para fotografias, chego a Piodão.
A aldeia que parece minúscula quando vista do alto da serra, ganha novos contornos e nova dimensão. Saio do carro, apressado, para viver tudo. Engraçado como, depois de tantos anos a viajar, ainda fico “louco” por uma pequena aldeia perdida na serra. A primeira imagem é da Igreja Matriz, que funciona como porta de entrada da aldeia. Sente-se a dimensão das histórias que esta aldeia deve ter para contar ao dar de caras com este antigo templo com algumas centenas de anos. Nesse momento, parece que a minha imaginação ganha nova força e imagino como seria chegar a este lugar há 200 anos. Sem estradas, sem automóveis. A Igreja, talvez com outra forma, já lá estaria. Imagino este lugar feito de pessoas boas, que nasciam por ali e que por ali morriam, que viviam do que a terra lhes dava e com as dificuldades inerentes a quem está longe de tudo. Imagino também como um lugar onde iriam parar alguns fora da lei, que queriam fugir aos olhares do mundo lá fora, talvez para sempre, e que por ali assentariam arraiais, talvez com uma nova identidade, para começar uma nova vida. Consigo imaginar muitas coisas, são sonhos e imaginação que fazem lugares como este. Talvez, hoje, este lugar se mantenha assim, e é tão valorizado, pelos anos que se manteve esquecido no passado. Muitas vezes o tempo e a história fazem destas coisas. Começo a explorar a aldeia, sinto-me a entrar num labirinto. Nas ruas do coração da aldeia não entram carros e parece que foram construídas para o tamanho de uma pessoa. Facilmente me perco por ali, mais facilmente me encontro. Nem que seja por simples coisas, que não se ouvem, nem vêm em outros lugares. Ouço o sino da igreja ou o padeiro. O som é tão nítido, que assume forma de bússola. Quase como o som do tempo a passar. É difícil o contacto humano, a freguesia de Piodão apenas tem cerca de 200 habitantes, espalhados por 10 aldeias. Nem sei quanta gente vive permanentemente nesta aldeia. Mas quase todas as casas estão, imaculadamente, cuidadas. Acredito que muitas sejam segundas casas ou casas convertidas a turismo. Aqui a pessoas ganham novo valor, talvez noutro lugar não investisse o meu tempo a observar os poucos locais que por ali circulavam nos seus afazeres diários. Cuidar da horta, cuidar do espaço em frente a sua casa ou tão simples, tão importante e tão raro, conversar com os vizinhos. Todos muito simpáticos e orgulhosos da sua terra. Percebo perfeitamente a razão do orgulho. (ver história sobre Piodão)
Deixei Piodão em direcção da Foz d’Égua. Uma espécie de segredo dentro do segredo. Que lugar incrível. Parece um pequeno mundo encantado. Mais uma vez, tinha um pequeno paraíso só para mim. Queria ver todos os cantos, tocar em todas as pedras e ver onde vão dar todos os riachos. Quando a adrenalina desceu, sentei-me numa pequena ponte, com os pés a baloiçar sobre a água e a sentir-me abençoado. Abençoado por poder ver e sentir lugares como este. Por ter o privilégio de poder desligar o relógio e deixar o tempo passar e poder, simplesmente, ver e ouvir a água a passar. Segui viagem, agora para Sul.
Mais uma vez, senti o efeito do funil invertido. Deixei lugares densos e intimistas, para “navegar” novamente entre grandes vales e picos. Sigo a velocidade cruzeiro mas sempre atento. Atento à diferença e à genuinidade. Já novamente perto da aldeia de Pardieiros, entro numa estrada de terra batida que mais parecia levar-me a lugar nenhum. Senti-a numa espécie de universo paralelo onde podia ver tudo e ninguém me podia ver. Este lugar tem esse poder. Do nada e lentamente, começo a vislumbrar algum movimento. Chego à aldeia de Enxudro. Bem, esta aldeia é que fica mesmo no coração da serra. Pouco mais que meia dúzia de casas e certamente, pouco mais que meia dúzia de habitantes. Chamou-me logo à atenção o nome. Não fosse a diferença paisagística do local (e o saber onde estava, é claro), parecia que tinha chegado a uma qualquer aldeia do País Basco. O nome é muito Basco. Não sei se existe qualquer ligação. É um lugar curioso.
Sigo agora em direção a Benfeita. Tal como Piodão. Esta não era primeira vez que aqui colocava os pés. A Benfeita será, certamente, a maior aldeia que vou encontrar nesta viagem. É Aldeia de Xisto e, é claro, igualmente interessante. É nesta aldeia que também vislumbro maior movimento humano. Estaciono o carro e começo a exploração a pé. Mais um vez, não sigo com o perfil de explorador. Não vou à procura dos pontos chave, vou à procura do seu coração. Procuro o largo da aldeia, junto a uma pequena ribeira que atravessa a aldeia. Compro uma água e sento-me a observar as gentes de Benfeita. Simples, não. O dia caminha para o fim e a temperatura mantém-se elevada. Esta ribeira, entre outras riquezas produz frescura. Observo um dos momentos altos do dia em Benfeita, chegou a hora da missa. E uma parte da população caminha para a Igreja. Mais uma vez, recordo a minha infância, recordo a minha avó a ir à missa e eu a jogar à bola no adro da igreja. Muito bom ver que os velhos costumes ainda se mantêm. Acabo a minha água e sigo o caminho da ribeira. Volto ao carro e sigo em direção a Fraga da Pena.
Mais um lugar onde todos os clichés são bem-vindos. Fraga da Pena é uma queda de água com cerca de 20 metros e todo um espaço em redor muito particular. Agora os clichés. É um lugar mágico? Claro que é. Faz-nos ficar de sorriso nos lábios a pensar que raio de lugar bonito é este? Claro que faz. A noite já se misturava com dia. Talvez por isso, dou por mim sozinho neste pedaço de paraíso. Acredito que nem sempre seja assim. É um lugar lindíssimo e com bons acessos. E as coisas boas devem ser partilhadas. Mencionei várias vezes a palavra segredo, mas lugares como este não devem, não podem, ser secretos. Devem ser sagrados.
Já com o laranja do pôr do sol no horizonte, volto ao carro para uma curta viagem até à minha casinha de pedra em Pardieiros. Atravesso as ruas estreitas da aldeia. Já estava toda a gente em sua casa. Estaciono o carro e sigo em direção à “minha” varanda. Ainda chego a tempo dos últimos momentos do pôr do sol. Sento-me, feliz pelo que vivi, a contemplar o momento. E como é bonito o pôr do sol por aqui.