Oleiros
Muitas vezes a vida é feita de acasos e surpresas. A vida, como uma passadeira de ginásio mas sem grande controlo, corre muitas vezes mais depressa do que a velocidade recomendada para o nosso passo. Essa passadeira, muitas vezes, leva-nos a acasos e surpresas, que não deveriam sê-lo. Deveriam ser definições e constantes sempre presentes na nossa avaliação entre o belo e prazeiroso. A conhecida expressão “não devemos julgar o livro pela capa”, nem se aplica aqui. É mais profundo. É uma espécie de “não devemos julgar um livro sem conhecer sequer a capa”. Hoje escrevo sobre Oleiros. Um destino da Beira Baixa, algures no centro de Portugal, em terra de floresta e onde o Zêzere navega. Um destino extraordinário, que não aparece nos mapas.
“9h da manhã junto ao jardim municipal”. Foi a frase marcou o início desta viagem. Era Outono e estava frio. Um frio húmido e não esperado. O céu trouxe a chuva, à qual se juntou uma neblina que escondeu o Sol e que, como consequência, levou o calor de Outono, que aquece o corpo e alma. Oleiros é um concelho da Beira Baixa com pouco mais de 5 mil habitantes e uma área de quase 500km2. Sim, é enorme. Terra de pessoas que vivem a terra. Onde o tempo passa mais devagar. Oleiros, a vila, é o epicentro e maior núcleo urbano do território, feito, sobretudo, de floresta, vales e declives. O Zêrere, o rio e vale, marca todo o extremo norte desta terra que sente o bater do coração de Portugal. Marca na paisagem e na cultura. Sim, às 9h estava junto ao jardim municipal pronto para conhecer Oleiros.
O dia estava cinzento, talvez tenha sido a primeira grande chuva do ainda recente Outono. Este cinzento, que por um lado tornava tudo mais melancólico, por outro tornava difícil elevar a percepção do que estava à minha frente. Oleiros é um lugar de grandes planos, onde a profundidade do campo é importante. Sem ser necessário um tiro de partida, estava de pés na calçada a sentir o batimento da vila. As rotinas e os movimentos naturais, são as observações favoritas. Tornar-me, por momentos, invisível, é uma das minhas qualidades, que fazem de mim uma espécie de ninja da antropologia turística. Se bem que, num estalar de dedos, volto à terra para dizer e ouvir um bom dia, e ouvir discursos diretos de pessoas com histórias genialmente banais. Entre uma banda sonora mista, entre o vento e os sons da vida a acontecer, olhava para cada pessoa como se soubesse para onde ela ia, olhava para cada porta como se soubesse o que estava lá dentro. As ruas de Oleiros ganhavam a minha vida e os metros somavam-se, como se nada fosse. O mini mercado Ladeira, a bonita igreja matriz, o talho Simões ou café Boaventura, passaram de desconhecidos a lugares comuns, a partes sentidas do caminho. São, principalmente, eles, os lugares comuns, que fazem deste lugar, como algo único, inigualável e, por vezes, extraordinário. Se juntarmos a isto, a Dona Maria que cuida das suas flores como ninguém, ou melhor, como a sua avó cuidava, ou da conversa do sr. Manuel que divide a conversa entre o último jogo do Benfica e o próximo jogo do clube da terra, é o mesmo que transformar pedras em diamantes. Num ápice inesperado, Oleiros, a vila, passava a ser um habitat natural para a minha pessoa.
Saí do centro da vila e da vila. Continuei a minha viagem sentida por Oleiros. Não acredito que exista viagem, completa, por Oleiros sem sair de Oleiros, a vila. A relação homem/natureza tem que ser sentida. E esta relação é vivida por aqui desde uma era onde o tempo ainda não existia. O cheiro da resina e da terra molhada é indescritível. Braço de fora do carro, com o frio a deixar de importar, vento no cabelo, vivia com prazer as curvas e contracurvas da floresta.
Uma das horas mais ansiadas em Oleiros é o almoço. Sim, já tinha referido que estava no meu habitat natural. Lenha no forno, vinho caseiro no copo, mesas fartas e pessoas com muitas histórias para contar. Que mais uma pessoa pode pedir? E foi isso que aconteceu numa pequena povoação de nome Roqueiro, num lugar chamado Adega dos Apalaches. Para mim, não é uma adega, é um santuário. Um santuário de boa comida e de histórias que contam a cultura de um território. Um santuário do cabrito estonado (cabrito assado no forno, com pele, quase como o leitão), o prato típico, elevado a religião, deste lugar. Conversas à mesa, ficam na mesa, é princípio básico de quem sabe viver as coisas boas da vida. Só posso dizer que criava raízes naquele banco corrido, que sabe a família e a casa, com a maior das facilidades. E claro, o cabrito estava naquele ponto que leva (quase) a gritar: “Vão lá! Têm que ir lá!”.
Depois de uma barrigada de coisas boas. Comida, vinho e histórias. Existia um ponto que não poderia faltar nesta viagem. O Zêzere! E Álvaro, a bonita aldeia branca do xisto, é uma espécie de balcão para o Zêzere. Depois de mais uma dezena de quilómetros chegava a Álvaro, ao Zêzere e à fronteira norte de Oleiros. Álvaro e o Zêzere são velhos conhecidos e “seres” que trato por tu. Conheço cada rua de Álvaro e conheço cada troço do Zêzere, como se fossem a minha aldeia e o meu rio. Sobre Álvaro, e a cada visita isso acontece, e talvez porque já existe um nível de proximidade grande, surge sempre uma questão que me faz sorrir. Quem era o Álvaro que deu nome a esta terra? Seria Álvaro o presidente da junta da altura (sim, eu sei que na altura do primeiro povoamento não existiam freguesias) e colocou os holofotes sobre si, dando o seu nome à sua terra. Seria Álvaro um guerreiro, que conquistou esta terra numa batalha sangrenta? Ou então uma história de amor entre um Álvaro e uma princesa? Ou seria Álvaro um nome derivado de uma língua antiga, de antigos ocupantes deste lugar, e que Álvaro, nessa língua queria dizer qualquer coisa como panela, um qualquer peixe ou um nome de árvore de fruto? A minha cabeça era uma viagem de Álvaros em loop. E como eu gosto de fazer viagens que misturam fantasia com o real. Talvez por este lugar completar um circulo nesta viagem em Oleiros, resolvi que era altura de colocar um ponto final nesta questão e saber quem afinal era Álvaro, e fazer dessa personagem uma figura central nesta história.
Bem, após alguma pesquisa e inquéritos populares, lá encontrei a origem do nome e lá encontrei o “meu” Álvaro. Ora bem, numa longínqua época, a rondar o séc. XII, um cavaleiro construiu um pequeno castelo, no cimo de uma colina, onde hoje está localizada a aldeia. Numa altura de constantes batalhas, expulsões e reconquistas, o cavaleiro e a sua mini corte, viu-se afastado da sua terra e propriedades. Talvez tenha caminhado para uma batalha num lugar longínquo, talvez tenha perdido tudo num duelo, talvez se tenha apaixonado. Não sei. Mas deixou para trás, tudo com excepção de um criado, incumbido de cuidar do espaço e legado. O nome desse criado era ÁLVARO Peres. Já estão a ver o resto da história.
Depois de descobrir quem era o Álvaro de Álvaro e já com o dia nos seu últimos minutos, com o Zêzere à minha frente, quase em absoluto silêncio, coloquei nesta minha viagem por Oleiros a mais bonita das capas. Porque este “livro” chamado Oleiros assim o merece.
Muitas vezes a vida é feita de acasos e surpresas. A vida, como uma passadeira de ginásio mas sem grande controlo, corre muitas vezes mais depressa do que a velocidade recomendada para o nosso passo. Essa passadeira, muitas vezes, leva-nos a acasos e surpresas, que não deveriam sê-lo. Deveriam ser definições e constantes sempre presentes na nossa avaliação entre o belo e prazeiroso. A conhecida expressão “não devemos julgar o livro pela capa”, nem se aplica aqui. É mais profundo. É uma espécie de “não devemos julgar um livro sem conhecer sequer a capa”. Hoje escrevo sobre Oleiros. Um destino da Beira Baixa, algures no centro de Portugal, em terra de floresta e onde o Zêzere navega. Um destino extraordinário, que não aparece nos mapas.
“9h da manhã junto ao jardim municipal”. Foi a frase marcou o início desta viagem. Era Outono e estava frio. Um frio húmido e não esperado. O céu trouxe a chuva, à qual se juntou uma neblina que escondeu o Sol e que, como consequência, levou o calor de Outono, que aquece o corpo e alma. Oleiros é um concelho da Beira Baixa com pouco mais de 5 mil habitantes e uma área de quase 500km2. Sim, é enorme. Terra de pessoas que vivem a terra. Onde o tempo passa mais devagar. Oleiros, a vila, é o epicentro e maior núcleo urbano do território, feito, sobretudo, de floresta, vales e declives. O Zêrere, o rio e vale, marca todo o extremo norte desta terra que sente o bater do coração de Portugal. Marca na paisagem e na cultura. Sim, às 9h estava junto ao jardim municipal pronto para conhecer Oleiros.
O dia estava cinzento, talvez tenha sido a primeira grande chuva do ainda recente Outono. Este cinzento, que por um lado tornava tudo mais melancólico, por outro tornava difícil elevar a percepção do que estava à minha frente. Oleiros é um lugar de grandes planos, onde a profundidade do campo é importante. Sem ser necessário um tiro de partida, estava de pés na calçada a sentir o batimento da vila. As rotinas e os movimentos naturais, são as observações favoritas. Tornar-me, por momentos, invisível, é uma das minhas qualidades, que fazem de mim uma espécie de ninja da antropologia turística. Se bem que, num estalar de dedos, volto à terra para dizer e ouvir um bom dia, e ouvir discursos diretos de pessoas com histórias genialmente banais. Entre uma banda sonora mista, entre o vento e os sons da vida a acontecer, olhava para cada pessoa como se soubesse para onde ela ia, olhava para cada porta como se soubesse o que estava lá dentro. As ruas de Oleiros ganhavam a minha vida e os metros somavam-se, como se nada fosse. O mini mercado Ladeira, a bonita igreja matriz, o talho Simões ou café Boaventura, passaram de desconhecidos a lugares comuns, a partes sentidas do caminho. São, principalmente, eles, os lugares comuns, que fazem deste lugar, como algo único, inigualável e, por vezes, extraordinário. Se juntarmos a isto, a Dona Maria que cuida das suas flores como ninguém, ou melhor, como a sua avó cuidava, ou da conversa do sr. Manuel que divide a conversa entre o último jogo do Benfica e o próximo jogo do clube da terra, é o mesmo que transformar pedras em diamantes. Num ápice inesperado, Oleiros, a vila, passava a ser um habitat natural para a minha pessoa.
Saí do centro da vila e da vila. Continuei a minha viagem sentida por Oleiros. Não acredito que exista viagem, completa, por Oleiros sem sair de Oleiros, a vila. A relação homem/natureza tem que ser sentida. E esta relação é vivida por aqui desde uma era onde o tempo ainda não existia. O cheiro da resina e da terra molhada é indescritível. Braço de fora do carro, com o frio a deixar de importar, vento no cabelo, vivia com prazer as curvas e contracurvas da floresta.
Uma das horas mais ansiadas em Oleiros é o almoço. Sim, já tinha referido que estava no meu habitat natural. Lenha no forno, vinho caseiro no copo, mesas fartas e pessoas com muitas histórias para contar. Que mais uma pessoa pode pedir? E foi isso que aconteceu numa pequena povoação de nome Roqueiro, num lugar chamado Adega dos Apalaches. Para mim, não é uma adega, é um santuário. Um santuário de boa comida e de histórias que contam a cultura de um território. Um santuário do cabrito estonado (cabrito assado no forno, com pele, quase como o leitão), o prato típico, elevado a religião, deste lugar. Conversas à mesa, ficam na mesa, é princípio básico de quem sabe viver as coisas boas da vida. Só posso dizer que criava raízes naquele banco corrido, que sabe a família e a casa, com a maior das facilidades. E claro, o cabrito estava naquele ponto que leva (quase) a gritar: “Vão lá! Têm que ir lá!”.
Depois de uma barrigada de coisas boas. Comida, vinho e histórias. Existia um ponto que não poderia faltar nesta viagem. O Zêzere! E Álvaro, a bonita aldeia branca do xisto, é uma espécie de balcão para o Zêzere. Depois de mais uma dezena de quilómetros chegava a Álvaro, ao Zêzere e à fronteira norte de Oleiros. Álvaro e o Zêzere são velhos conhecidos e “seres” que trato por tu. Conheço cada rua de Álvaro e conheço cada troço do Zêzere, como se fossem a minha aldeia e o meu rio. Sobre Álvaro, e a cada visita isso acontece, e talvez porque já existe um nível de proximidade grande, surge sempre uma questão que me faz sorrir. Quem era o Álvaro que deu nome a esta terra? Seria Álvaro o presidente da junta da altura (sim, eu sei que na altura do primeiro povoamento não existiam freguesias) e colocou os holofotes sobre si, dando o seu nome à sua terra. Seria Álvaro um guerreiro, que conquistou esta terra numa batalha sangrenta? Ou então uma história de amor entre um Álvaro e uma princesa? Ou seria Álvaro um nome derivado de uma língua antiga, de antigos ocupantes deste lugar, e que Álvaro, nessa língua queria dizer qualquer coisa como panela, um qualquer peixe ou um nome de árvore de fruto? A minha cabeça era uma viagem de Álvaros em loop. E como eu gosto de fazer viagens que misturam fantasia com o real. Talvez por este lugar completar um circulo nesta viagem em Oleiros, resolvi que era altura de colocar um ponto final nesta questão e saber quem afinal era Álvaro, e fazer dessa personagem uma figura central nesta história.
Bem, após alguma pesquisa e inquéritos populares, lá encontrei a origem do nome e lá encontrei o “meu” Álvaro. Ora bem, numa longínqua época, a rondar o séc. XII, um cavaleiro construiu um pequeno castelo, no cimo de uma colina, onde hoje está localizada a aldeia. Numa altura de constantes batalhas, expulsões e reconquistas, o cavaleiro e a sua mini corte, viu-se afastado da sua terra e propriedades. Talvez tenha caminhado para uma batalha num lugar longínquo, talvez tenha perdido tudo num duelo, talvez se tenha apaixonado. Não sei. Mas deixou para trás, tudo com excepção de um criado, incumbido de cuidar do espaço e legado. O nome desse criado era ÁLVARO Peres. Já estão a ver o resto da história.
Depois de descobrir quem era o Álvaro de Álvaro e já com o dia nos seu últimos minutos, com o Zêzere à minha frente, quase em absoluto silêncio, coloquei nesta minha viagem por Oleiros a mais bonita das capas. Porque este “livro” chamado Oleiros assim o merece.