episódio 9: AS PERSONAGENS DO CAMINHO
Posso fazer o mesmo caminho (de Santiago) 100 vezes, a paisagem (à partida) será a mesma, mas a história será sempre diferente. Existem dois grandes culpados para isto acontecer: o primeiro será o “estado” da nossa cabeça, e a predisposição para fazer o caminho; o segundo serão as personagens (pessoas) que iremos encontrar ao longo do caminho, que moldarão a nossa história de uma diferente forma.
Senti um necessidade gigante de fazer este caminho (de Santiago) sozinho. Por várias razões. Queria ir sozinho e caminhar a maior parte do tempo sozinho. Já viagem imensas vezes sozinho, muitas de bicicleta, mas nunca numa longa caminhada e em completa autonomia (aka de mochila às costas). Apesar de esta vontade se ter cumprido e de apenas a espaços ter convivido/caminhado com outros peregrinos, esses momentos foram de tal maneiras marcantes, que ao mesmo tempo digo que o mais importante deste caminho foi tê-lo feito sozinho e as pessoas que nele encontrei. Estranho, não!? Ainda não encontrei uma explicação clara para isto, não sei se foi o acaso, ou se por e simplesmente, não tem que existir explicação.
Algumas (pessoas) falei durante horas (o tempo passa devagar no caminho), outras durante poucos minutos, outras apenas disse “bon camino”, e muito poucas nada disse, apenas observei. Algumas criei um laço de amizade forte (apesar da efemeridade do momento), outras não gostei, outras admirei e outras simplesmente caricaturei. Com todas estas diferenças, sinto-me tão feliz com o que encontrei neste parte (a das pessoas) importante do meu caminho. Muitas ri-me sozinho, quase me sentia abençoado, por tão preciosos momentos.
Numa conversa boa com o Matias (que vão conhecer mais à frente), já com Santiago de Compostela à vista, sendo essa a nossa primeira conversa no caminho, ele me disse: “sempre te achei estranho, cruzei-me contigo dezenas de vezes, umas vezes seguias com um (pensava que eram amigos), depois já te via com outro grupo que nada tinha a ver, depois via-te sozinho…depois percebi que seguias completamente sozinho. No início pensei e disse que quem faz isto sozinho e num país que não é o dele é completamente maluco, mas agora percebo que estas mais são (de sanidade mental) do eu.” O Matias tem cerca de 50 anos e é bancário em Valência. Não uma definição do ir sozinho, mas diz muito do que foi o meu caminho.
Por ser tão importante, vou escrever um pouco sobre todas as pessoas que me marcaram (cruzei-me com muitas mais) nesta tão importante caminhada. Algumas não sei o nome e de muitas não sei nada, mas foram muitos importantes para mim.
Grupo Mariola, Maricruz, Pedro e Nathalie – o grupo mais engraçado que conheci no caminho. A Mariola e Maricruz são irmãs, que vivem numa vila bem perto de Sevilha, tipicamente espanholas e mães de filhos. O Pedro, espanhol de Granada, com cerca de 60 anos. A Nathalie, alemã, da minha idade (31 anos) e pessoa bastante viajada. O mais engraçado deste grupo, é que sempre seguiu junto, sem se conhecerem à partida, e com o particular facto de os 3 espanhóis não falarem nenhuma língua além do espanhol, e da Nathalie não falar espanhol. Sim, é mesmo isso, mas sempre se entenderam e era notória a cumplicidade entre eles. Parecia a história do mogli (bem representado pela Nathalie), que pensava que era um lobo (neste caso ela “pensava” que era espanhola). Este foi sem dúvida o grupo que mais me marcou. Principalmente a Mariola e a Nathalie. A Mariola pelas semelhanças com a minha mãe. Andava sempre preocupada se todos estávamos bem, se nos alimentávamos bem, enfim, coisas de mãe. Uma grande querida e criei uma grande empatia por ela (acho que todos os que se cruzaram com ela sentem o mesmo). A Nathalie, em primeiro lugar admiração por seguir neste grupo com todas as dificuldades de comunicação e diferenças culturais, acho que não é para qualquer um e depois por me rever um pouco nela, há uns atrás. É assistente social na Alemanha, mas acho que também anda há procura de um escritório lá fora.
Com este grupo, com quem me fui cruzando desde os primeiros quilómetros, tive um relação em crescendo, evolui de um bon caminho, para uma amizade sincera, daquelas se sentem em pequenos gestos. Tive imensa felicidade de chegar a Santiago quase ao mesmo tempo que eles, soube muito bem abraçar esta gente no final. Guardo imensas pequenas histórias, deliciosas, mas revelo duas em particular da Mariola. Uma quando a Nathalie me disse em Padrón que queria chegar a Santiago com a irmãs e com o Pedro. Eu, no final, quando estava com eles já funcionava um pouco como tradutor. Quando disse a intenção da Nathalie, quase a Mariola ficou em lágrimas. Acho que sem se aperceber e carregada de orgulho, disse isso a toda a gente que encontrou. Outra história, depois do abraço de chegada a Santiago, combinamos “cenar” (aquilo que os espanhóis chamam jantar, que para mim é beber cerveja) juntos (um grupo de 10 no total, que coincidiu no final em Santiago). Passadas 4h da chegada, voltamos à Obradoiro (a praça principal), uns com cara de sono, outros com cara de peregrino mas de banho tomado e a querida Mariola, acabadinha de chegar do cabeleireiro. Delicioso.
Juan Luis del Pozo – conheci o Juan no final do meu primeiro dia de caminho. Ficou no beliche ao lado do meu no albergue em Porriño. O Juan é alto, tem o cabelo comprido e veste-se sempre de preto, tipo rockalheiro. Assim que o vi, fiz um daqueles julgamentos automáticos e completamente errados (e primitivos), pelo Juan não preencher nenhuma das tipologias de peregrino, que tipo caderneta, tenho na minha cabeça. Voltei-me a cruzar várias vezes com o Juan ao logo do caminho e foi meu vizinho mais 2 ou 3 vezes em outros albergues. O Juan revelou-se uma jóia de pessoa. Sempre de sorriso na cara e com uma palavra simpática. O Juan chegou a Santiago na mesma altura que eu, apesar de ter sido essa a primeira vez que o vi nesse dia, e protagonizou nesse momento um dos mais emocionantes de toda esta jornada, pelo abraço sentido que me deu, seguido de um sincero “me alegro de verte aquí”. Juro que fiquei emocionado. O Juan tem 37 anos vive em Ávila e é fotografo (curiosamente não o vi a tirar uma única foto no caminho). No final do último dia fomos beber umas cañas.
Irmãs húngaras e rapaz polaco – provavelmente foi com esta malta que mais tempo seguido caminhei. Seguiam no caminho deste Tomar (perto de minha casa). Caminhei com eles até Caldas de Reis, durante cerca de 10kms. Na altura soube-me bem, até aí acho que não tinha falado com ninguém mais de 5 minutos seguidos. Falámos sobretudo sobre Portugal. Como eles caminharam vários dias por Portugal, acho que estavam com saudades e queriam recordar algumas coisas que viveram. As duas irmãs falavam muito e o caminho para elas era muito pouco espiritual. O rapaz polaco, parece-me que vai sair apaixonado do caminho, só não percebi por qual das irmãs. Nunca mais os vi.
Javier – espanhol, com cerca de 60 anos. Foi a pessoa mais estranha que se cruzou comigo no caminho. A primeira que o vi foi num albergue em Pontevedra, em que antes de um bon camino ou boa tarde, arrancou um “ressonas?”, não muito ao estilo mais amigável de um pessoa perguntar a outra se ressona, por ser um meio a brincar meio a sério “eu ressono, e tu?”. Mas o Javier não, foi logo ao ataque. Para completar a recepção amistosa, no dia seguinte pela manhã, acordou-me às 5h30 para me perguntar se tinha visto o telemóvel dele (!?). Depois disto ainda me cruzei mais umas 50 vezes com Javier, dizia-lhe sempre, no meu melhor galego, “bon camino”, retribuía-me quase sempre um “no intiendo”. Como devem calcular, não fiquei grande amigo do Javier.
Carlos Pineda – espanhol com cerca de 60 anos de uma localidade perto de Valladolid. Baixinho e muito simpático, diz que só lhe falta fazer o caminho da prata, que vai de Sevilha a Santiago. Foi aquele que foi meu vizinho mais vezes nos albergues. Não falamos muito, mas tínhamos (penso eu) grande empatia um pelo outro. Oferecia-me sempre um iogurte no final do dia.
Rapariga russa – muito alta e magra, de passada larga. Muito simpática, sempre de sorriso na cara. Caminhava quase sempre sozinha. Nunca fui além de “bon camino”, mas fiquei grande admirador desta russa. Ao inicio não percebia porque ela se cruzava várias vezes comigo, num dos primeiros ultrapassou-me para aí 3 vezes. Mais tarde percebi o porquê. Parava em catedrais e lugares bonitos, sacava de um caderninho e desenhava o que via com um precisão assustadora. Absolutamente incrível.
Matias, sua esposa e cunhados (irmã da esposa e marido) – fizeram cerca de 30 minutos comigo antes de chegar a Santiago. Falei sobretudo com o Matias, valenciano e bancário com cerca de 50 anos. Muito boa conversa. Começou com um “estás de férias?” ao que respondi “isto é parte do meu trabalho”, contei-lhe a história do Meu Escritório, ele contou-me a sua história. Criámos uma grande empatia logo no momento, daqueles que se pensa, este na vida “normal” facilmente seria meu amigo. Depois da chegada a Santiago, encontramo-nos novamente. Ai falei sobretudo com a simpática cunhada do Matias, acho que curiosa por saber como um pessoa pode ter um escritório lá fora. Foi curiosa esta conversa, ela disse-me que começou este caminho por influência do cunhado, tipo “vocês vão, nós vamos também”, como se de uma caminhada normal se tratasse. Mas que pelo meio percebeu que fazer este caminho era muito mais do que simplesmente caminhar. Apesar disso, diz que nunca seria capaz de o fazer sozinho, entre aspas chamou-me maluco. Outra coisa bastante disse-me que falava muito bem espanhol, coisa que nunca esperei ouvir nos dias da minha vida “aprendes-te a falar espanhol na escola ou nas viagens? hablas mui bien!”, ainda olhei para trás para confirmar que era mesmo para mim e no meu melhor portunhol lhe respondi “quien!? yo?! nooo!!”
Casal de filipinos – simpático casal de filipinos, com cerca de 50 anos que vive há 20 anos no Canadá. Muito queridos, mas acho que não iam a gostar muito. Muito cansativo, diziam eles. Acho que eles tiraram o “bilhete” para o caminho como quem tira um para a disneyland. Quando assim é, a coisa pode correr mal. Caminharam comigo juntamente com as irmãs húngaras. Apenas os voltei a ver na missa do peregrino em Santiago. Alto cumprimento que me deram. Pelo menos chegaram bem.
Joana e Luan – casal de brasileiros, de Minas Gerais, a estudar em Lyon. Muito “bom astral”. Vinham apaixonados pela cidade do Porto (normal ). Curiosa um das afirmações que o Luan teve para mim, quase quase a chegar a Santiago “puxa cara, tou muito cansado, mas acho que amanhã vou sentir falta” (acho que (quase) todos no caminho sentem o mesmo).
Mãe e filho ingleses – mãe com cerca de 50 anos e filho com cerca de 15. Cruzei-me com eles várias vezes, sempre com um silêncio a roçar o assustador. Acho que o rapaz não ia a gostar muito da brincadeira.
“Jovem” italiano de longas barbas – parecia um desenho animado. Este “jovem” bastante peculiar tinha mais de 80 anos, já tinha mais “caminos” que eu anos vida. Falei algumas vezes com ele, sempre perguntado como estava a máquina. Numa das primeiras vezes disse-me, “só não consigo levar a mochila sempre, de resto está impecável”. Se existisse um bilhete do futuro que diria “com 80 ano estás a caminhar até Santiago”, era compra imediata!!
Francesca – italiana baixinha e gordinha, com cerca de 30 anos. Sempre sempre a rir esta rapariga. Notava-se bem que não era muito viajada e que esta seria uma das suas primeiras experiências em viagens deste tipo. Era muito engraçada a falar, em 30 segundos de conversa falava em italiano, espanhol, inglês e francês, sempre com objetivo de se fazer perceber melhor. A mim só me dava vontade de rir.
Carlos – um dos poucos portugueses com quem me cruzei. De Lisboa, bancário, com cerca de 50 anos. Muito simpático. Meteu conversa comigo no albergue que partilhámos em Redondela. Era o seu primeiro caminho e dizia-me que “era um sonho de criança”. Notava-se a alegria do caminho nos seus olhos. Queria desfrutar tudo. Acho que vai voltar.
Jovem casal de alemães – com pouco mais de 20 anos, nunca os vi a falar com ninguém. Cruzei-me com eles várias vezes e guardo-os na memória, pelos trajes e postura particular. A rapariga, alternava entre as calças de ganga e vestidos de praia, com chinelos (valha-me Deus!! é verdade, de chinelos, nem quero imaginar aqueles pézinhos). O rapaz caminhava quase sempre 20m à frente da rapariga, muitas vezes com a mochila apoiada em apenas um dos ombros e com um saco de compras numa mão. Para mim, absolutamente incrível (eu acho que não durava um dia assim).
Grupo de portugueses no autocarro de Santiago até Braga – 2 rapazes e 2 raparigas, cerca de 30 anos. Vinha eu ainda meio apanhado, com o vivi no caminho, a tentar encontrar respostas para as sensações do caminho. Onde mal conseguia falar. Este grupo parecia que tinha acabado de sair de Slide & Splash (sim, o parque aquático). Não me julgo melhor do que eles, mas o caminho foi certamente uma experiência diferente para eles.
A chegada de peregrinos a Santiago – existem pessoas que vi a chegar a Santiago, com as quais nunca falei e nunca me cruzei no caminho, nem sei tão pouco, de que caminho chegavam. Mas para sempre vão ficar na minha memória. Tudo isto no dia seguinte à minha chegada (nesse dia não via nada), em que me sentei na praça de Obradoiro, junto à Catedral, a ver a malta a chegar. A emoção de muitos, na chegada de muitos, lágrimas com fartura e sorrisos à mistura. Muitos abraços a companheiros de viagem que nunca mais irão ver. Revi-me em muitos deles, quase como um espelho (muito engraçado e estranho ao mesmo tempo). Enfim, coisas fazem que do caminho (seja ele qual for) um lugar especial.
Posso fazer o mesmo caminho (de Santiago) 100 vezes, a paisagem (à partida) será a mesma, mas a história será sempre diferente. Existem dois grandes culpados para isto acontecer: o primeiro será o “estado” da nossa cabeça, e a predisposição para fazer o caminho; o segundo serão as personagens (pessoas) que iremos encontrar ao longo do caminho, que moldarão a nossa história de uma diferente forma.
Senti um necessidade gigante de fazer este caminho (de Santiago) sozinho. Por várias razões. Queria ir sozinho e caminhar a maior parte do tempo sozinho. Já viagem imensas vezes sozinho, muitas de bicicleta, mas nunca numa longa caminhada e em completa autonomia (aka de mochila às costas). Apesar de esta vontade se ter cumprido e de apenas a espaços ter convivido/caminhado com outros peregrinos, esses momentos foram de tal maneiras marcantes, que ao mesmo tempo digo que o mais importante deste caminho foi tê-lo feito sozinho e as pessoas que nele encontrei. Estranho, não!? Ainda não encontrei uma explicação clara para isto, não sei se foi o acaso, ou se por e simplesmente, não tem que existir explicação.
Algumas (pessoas) falei durante horas (o tempo passa devagar no caminho), outras durante poucos minutos, outras apenas disse “bon camino”, e muito poucas nada disse, apenas observei. Algumas criei um laço de amizade forte (apesar da efemeridade do momento), outras não gostei, outras admirei e outras simplesmente caricaturei. Com todas estas diferenças, sinto-me tão feliz com o que encontrei neste parte (a das pessoas) importante do meu caminho. Muitas ri-me sozinho, quase me sentia abençoado, por tão preciosos momentos.
Numa conversa boa com o Matias (que vão conhecer mais à frente), já com Santiago de Compostela à vista, sendo essa a nossa primeira conversa no caminho, ele me disse: “sempre te achei estranho, cruzei-me contigo dezenas de vezes, umas vezes seguias com um (pensava que eram amigos), depois já te via com outro grupo que nada tinha a ver, depois via-te sozinho…depois percebi que seguias completamente sozinho. No início pensei e disse que quem faz isto sozinho e num país que não é o dele é completamente maluco, mas agora percebo que estas mais são (de sanidade mental) do eu.” O Matias tem cerca de 50 anos e é bancário em Valência. Não uma definição do ir sozinho, mas diz muito do que foi o meu caminho.
Por ser tão importante, vou escrever um pouco sobre todas as pessoas que me marcaram (cruzei-me com muitas mais) nesta tão importante caminhada. Algumas não sei o nome e de muitas não sei nada, mas foram muitos importantes para mim.
Grupo Mariola, Maricruz, Pedro e Nathalie – o grupo mais engraçado que conheci no caminho. A Mariola e Maricruz são irmãs, que vivem numa vila bem perto de Sevilha, tipicamente espanholas e mães de filhos. O Pedro, espanhol de Granada, com cerca de 60 anos. A Nathalie, alemã, da minha idade (31 anos) e pessoa bastante viajada. O mais engraçado deste grupo, é que sempre seguiu junto, sem se conhecerem à partida, e com o particular facto de os 3 espanhóis não falarem nenhuma língua além do espanhol, e da Nathalie não falar espanhol. Sim, é mesmo isso, mas sempre se entenderam e era notória a cumplicidade entre eles. Parecia a história do mogli (bem representado pela Nathalie), que pensava que era um lobo (neste caso ela “pensava” que era espanhola). Este foi sem dúvida o grupo que mais me marcou. Principalmente a Mariola e a Nathalie. A Mariola pelas semelhanças com a minha mãe. Andava sempre preocupada se todos estávamos bem, se nos alimentávamos bem, enfim, coisas de mãe. Uma grande querida e criei uma grande empatia por ela (acho que todos os que se cruzaram com ela sentem o mesmo). A Nathalie, em primeiro lugar admiração por seguir neste grupo com todas as dificuldades de comunicação e diferenças culturais, acho que não é para qualquer um e depois por me rever um pouco nela, há uns atrás. É assistente social na Alemanha, mas acho que também anda há procura de um escritório lá fora.
Com este grupo, com quem me fui cruzando desde os primeiros quilómetros, tive um relação em crescendo, evolui de um bon caminho, para uma amizade sincera, daquelas se sentem em pequenos gestos. Tive imensa felicidade de chegar a Santiago quase ao mesmo tempo que eles, soube muito bem abraçar esta gente no final. Guardo imensas pequenas histórias, deliciosas, mas revelo duas em particular da Mariola. Uma quando a Nathalie me disse em Padrón que queria chegar a Santiago com a irmãs e com o Pedro. Eu, no final, quando estava com eles já funcionava um pouco como tradutor. Quando disse a intenção da Nathalie, quase a Mariola ficou em lágrimas. Acho que sem se aperceber e carregada de orgulho, disse isso a toda a gente que encontrou. Outra história, depois do abraço de chegada a Santiago, combinamos “cenar” (aquilo que os espanhóis chamam jantar, que para mim é beber cerveja) juntos (um grupo de 10 no total, que coincidiu no final em Santiago). Passadas 4h da chegada, voltamos à Obradoiro (a praça principal), uns com cara de sono, outros com cara de peregrino mas de banho tomado e a querida Mariola, acabadinha de chegar do cabeleireiro. Delicioso.
Juan Luis del Pozo – conheci o Juan no final do meu primeiro dia de caminho. Ficou no beliche ao lado do meu no albergue em Porriño. O Juan é alto, tem o cabelo comprido e veste-se sempre de preto, tipo rockalheiro. Assim que o vi, fiz um daqueles julgamentos automáticos e completamente errados (e primitivos), pelo Juan não preencher nenhuma das tipologias de peregrino, que tipo caderneta, tenho na minha cabeça. Voltei-me a cruzar várias vezes com o Juan ao logo do caminho e foi meu vizinho mais 2 ou 3 vezes em outros albergues. O Juan revelou-se uma jóia de pessoa. Sempre de sorriso na cara e com uma palavra simpática. O Juan chegou a Santiago na mesma altura que eu, apesar de ter sido essa a primeira vez que o vi nesse dia, e protagonizou nesse momento um dos mais emocionantes de toda esta jornada, pelo abraço sentido que me deu, seguido de um sincero “me alegro de verte aquí”. Juro que fiquei emocionado. O Juan tem 37 anos vive em Ávila e é fotografo (curiosamente não o vi a tirar uma única foto no caminho). No final do último dia fomos beber umas cañas.
Irmãs húngaras e rapaz polaco – provavelmente foi com esta malta que mais tempo seguido caminhei. Seguiam no caminho deste Tomar (perto de minha casa). Caminhei com eles até Caldas de Reis, durante cerca de 10kms. Na altura soube-me bem, até aí acho que não tinha falado com ninguém mais de 5 minutos seguidos. Falámos sobretudo sobre Portugal. Como eles caminharam vários dias por Portugal, acho que estavam com saudades e queriam recordar algumas coisas que viveram. As duas irmãs falavam muito e o caminho para elas era muito pouco espiritual. O rapaz polaco, parece-me que vai sair apaixonado do caminho, só não percebi por qual das irmãs. Nunca mais os vi.
Javier – espanhol, com cerca de 60 anos. Foi a pessoa mais estranha que se cruzou comigo no caminho. A primeira que o vi foi num albergue em Pontevedra, em que antes de um bon camino ou boa tarde, arrancou um “ressonas?”, não muito ao estilo mais amigável de um pessoa perguntar a outra se ressona, por ser um meio a brincar meio a sério “eu ressono, e tu?”. Mas o Javier não, foi logo ao ataque. Para completar a recepção amistosa, no dia seguinte pela manhã, acordou-me às 5h30 para me perguntar se tinha visto o telemóvel dele (!?). Depois disto ainda me cruzei mais umas 50 vezes com Javier, dizia-lhe sempre, no meu melhor galego, “bon camino”, retribuía-me quase sempre um “no intiendo”. Como devem calcular, não fiquei grande amigo do Javier.
Carlos Pineda – espanhol com cerca de 60 anos de uma localidade perto de Valladolid. Baixinho e muito simpático, diz que só lhe falta fazer o caminho da prata, que vai de Sevilha a Santiago. Foi aquele que foi meu vizinho mais vezes nos albergues. Não falamos muito, mas tínhamos (penso eu) grande empatia um pelo outro. Oferecia-me sempre um iogurte no final do dia.
Rapariga russa – muito alta e magra, de passada larga. Muito simpática, sempre de sorriso na cara. Caminhava quase sempre sozinha. Nunca fui além de “bon camino”, mas fiquei grande admirador desta russa. Ao inicio não percebia porque ela se cruzava várias vezes comigo, num dos primeiros ultrapassou-me para aí 3 vezes. Mais tarde percebi o porquê. Parava em catedrais e lugares bonitos, sacava de um caderninho e desenhava o que via com um precisão assustadora. Absolutamente incrível.
Matias, sua esposa e cunhados (irmã da esposa e marido) – fizeram cerca de 30 minutos comigo antes de chegar a Santiago. Falei sobretudo com o Matias, valenciano e bancário com cerca de 50 anos. Muito boa conversa. Começou com um “estás de férias?” ao que respondi “isto é parte do meu trabalho”, contei-lhe a história do Meu Escritório, ele contou-me a sua história. Criámos uma grande empatia logo no momento, daqueles que se pensa, este na vida “normal” facilmente seria meu amigo. Depois da chegada a Santiago, encontramo-nos novamente. Ai falei sobretudo com a simpática cunhada do Matias, acho que curiosa por saber como um pessoa pode ter um escritório lá fora. Foi curiosa esta conversa, ela disse-me que começou este caminho por influência do cunhado, tipo “vocês vão, nós vamos também”, como se de uma caminhada normal se tratasse. Mas que pelo meio percebeu que fazer este caminho era muito mais do que simplesmente caminhar. Apesar disso, diz que nunca seria capaz de o fazer sozinho, entre aspas chamou-me maluco. Outra coisa bastante disse-me que falava muito bem espanhol, coisa que nunca esperei ouvir nos dias da minha vida “aprendes-te a falar espanhol na escola ou nas viagens? hablas mui bien!”, ainda olhei para trás para confirmar que era mesmo para mim e no meu melhor portunhol lhe respondi “quien!? yo?! nooo!!”
Casal de filipinos – simpático casal de filipinos, com cerca de 50 anos que vive há 20 anos no Canadá. Muito queridos, mas acho que não iam a gostar muito. Muito cansativo, diziam eles. Acho que eles tiraram o “bilhete” para o caminho como quem tira um para a disneyland. Quando assim é, a coisa pode correr mal. Caminharam comigo juntamente com as irmãs húngaras. Apenas os voltei a ver na missa do peregrino em Santiago. Alto cumprimento que me deram. Pelo menos chegaram bem.
Joana e Luan – casal de brasileiros, de Minas Gerais, a estudar em Lyon. Muito “bom astral”. Vinham apaixonados pela cidade do Porto (normal ). Curiosa um das afirmações que o Luan teve para mim, quase quase a chegar a Santiago “puxa cara, tou muito cansado, mas acho que amanhã vou sentir falta” (acho que (quase) todos no caminho sentem o mesmo).
Mãe e filho ingleses – mãe com cerca de 50 anos e filho com cerca de 15. Cruzei-me com eles várias vezes, sempre com um silêncio a roçar o assustador. Acho que o rapaz não ia a gostar muito da brincadeira.
“Jovem” italiano de longas barbas – parecia um desenho animado. Este “jovem” bastante peculiar tinha mais de 80 anos, já tinha mais “caminos” que eu anos vida. Falei algumas vezes com ele, sempre perguntado como estava a máquina. Numa das primeiras vezes disse-me, “só não consigo levar a mochila sempre, de resto está impecável”. Se existisse um bilhete do futuro que diria “com 80 ano estás a caminhar até Santiago”, era compra imediata!!
Francesca – italiana baixinha e gordinha, com cerca de 30 anos. Sempre sempre a rir esta rapariga. Notava-se bem que não era muito viajada e que esta seria uma das suas primeiras experiências em viagens deste tipo. Era muito engraçada a falar, em 30 segundos de conversa falava em italiano, espanhol, inglês e francês, sempre com objetivo de se fazer perceber melhor. A mim só me dava vontade de rir.
Carlos – um dos poucos portugueses com quem me cruzei. De Lisboa, bancário, com cerca de 50 anos. Muito simpático. Meteu conversa comigo no albergue que partilhámos em Redondela. Era o seu primeiro caminho e dizia-me que “era um sonho de criança”. Notava-se a alegria do caminho nos seus olhos. Queria desfrutar tudo. Acho que vai voltar.
Jovem casal de alemães – com pouco mais de 20 anos, nunca os vi a falar com ninguém. Cruzei-me com eles várias vezes e guardo-os na memória, pelos trajes e postura particular. A rapariga, alternava entre as calças de ganga e vestidos de praia, com chinelos (valha-me Deus!! é verdade, de chinelos, nem quero imaginar aqueles pézinhos). O rapaz caminhava quase sempre 20m à frente da rapariga, muitas vezes com a mochila apoiada em apenas um dos ombros e com um saco de compras numa mão. Para mim, absolutamente incrível (eu acho que não durava um dia assim).
Grupo de portugueses no autocarro de Santiago até Braga – 2 rapazes e 2 raparigas, cerca de 30 anos. Vinha eu ainda meio apanhado, com o vivi no caminho, a tentar encontrar respostas para as sensações do caminho. Onde mal conseguia falar. Este grupo parecia que tinha acabado de sair de Slide & Splash (sim, o parque aquático). Não me julgo melhor do que eles, mas o caminho foi certamente uma experiência diferente para eles.
A chegada de peregrinos a Santiago – existem pessoas que vi a chegar a Santiago, com as quais nunca falei e nunca me cruzei no caminho, nem sei tão pouco, de que caminho chegavam. Mas para sempre vão ficar na minha memória. Tudo isto no dia seguinte à minha chegada (nesse dia não via nada), em que me sentei na praça de Obradoiro, junto à Catedral, a ver a malta a chegar. A emoção de muitos, na chegada de muitos, lágrimas com fartura e sorrisos à mistura. Muitos abraços a companheiros de viagem que nunca mais irão ver. Revi-me em muitos deles, quase como um espelho (muito engraçado e estranho ao mesmo tempo). Enfim, coisas fazem que do caminho (seja ele qual for) um lugar especial.