PESSOAS DE CASTELO DE VIDE: MARIA LUÍSA QUADRADO

A Dona Maria Luísa Quadrado, não nasceu em Castelo de Vide, mas sim na região das Beiras, em Figueira de Castelo Rodrigo, mais especificamente na pequena freguesia da Mata de Lobos no seio de uma família com parcos recursos. O facto de não ter tido a sua origem neste lugar, pode fazer a escolha do seu nome parecer questionável, mas uma das primeiras frases que profere, anula qualquer dúvida sobre essa decisão: “Eu sou a grande defensora desta terra até aos finais da minha vida, porque eu quando cheguei aqui foi amor à primeira vista, você sabe o que é amor à primeira vista?” Estas suas palavras denotaram de imediato e logo para início de conversa, a sua personalidade forte e bastante vincada, mas foram apenas um leve prenúncio de tudo o que ainda estava para vir. Uma história tão rica que caberia num livro. Com vários fascículos.

A voz da Dona Luísa carrega o peso de alguém a quem a vida já mostrou várias facetas, sendo facilmente perceptível a dureza que muitas delas terão implicado. Por outro lado, é igualmente evidente a sua resiliência perante a adversidade e o seu espírito batalhador, características que lhe conseguimos ler logo nos primeiros momentos, muito antes de vermos esses seus capítulos preenchidos de um sem fim de peripécias. Rapidamente se percebe que o seu lugar de origem em nada refletia a pessoa que nesse tempo apenas sonhava vir a ser. “Uma terra onde só havia pedras e rochas” é a forma como o descreve, admitindo desde logo que a vida naquele lugar nunca a satisfaria e que a sua ambição nunca lhe permitiria que ali permanecesse.  É uma longa viagem para África, a bordo do Infante D. Henrique, que lhe permite esse corte e a oportunidade de conhecer um mundo novo, tremendamente diferente do lugar que a viu nascer. 

Com um contrato de trabalho para um período de dois anos, através de um seu vizinho, parte para Lourenço Marques onde fica a tomar conta de cinco crianças. Essa viagem traz-lhe o voo com que tanto sonhava e o passaporte para um futuro que de outra forma dificilmente alcançaria. Findo esse contrato, faz várias formações, trabalha depois num escritório de advogados e acaba por ingressar na Volkswagen onde percorre diversos setores, quando estava já grávida mas não admitindo esse facto pelo risco de não ser aceite. Quando se refere a esses tempos, não consegue evitar sorrir e dizer “Era uma vida fantástica, uma vida linda.” Em 1973 visita Portugal durante umas férias e vê um Portugal diferente, mais evoluído e já estando casada, propõe ao marido regressarem, assumindo um mau pressentimento, mas acabam por regressar novamente a Moçambique, voltando apenas após o 25 de Abril. 

Seria impossível descrever em três ou quatro páginas, o rol infindável de vivências que pontuaram a sua vida, quando a própria assume ter vivido várias vida numa só, mas existem momentos cuja referência se torna demasiado pertinente, sendo um deles, a sua passagem pelo contrabando. Estando a residir na freguesia de Três Povos, concelho do Fundão, por uma questão de sobrevivência, segue com o seu cunhado até Vilar Formoso, onde compravam pirex, alpercatas, colorau, caramelos, entre outras coisas, que depois revendiam na aldeia. É ainda nessa altura que compra um mini, já em bastante mau estado segundo conta, no qual de forma não propositada, começa a levar as velhotas da aldeia, quando precisavam de se deslocar a algum lado, fartas da má condução do único taxista que ali havia. “Nas descidas desligava sempre o carro para poupar gasolina”. 

O marido era eletricista arranjava alguns trabalhos e conseguiam viver relativamente bem, mas aquela vida não lhe dizia nada. É pela consequência do adoecimento da sua mãe que regressa a Figueira de Castelo Rodrigo, onde encontra alguns retornados de Lourenço Marques e onde um deles, lhe fala pela primeira vez de Castelo de Vide e de umas tais abóbodas. A ideia com que fica desse lugar entusiasma-a e ainda se lembra de chegar à ponte e confessar ao marido “Ai está-se a abrir o meu coração! E esse dia marca o início dessa espécie de feitiço que levou a que nunca mais deixasse a vila que lhe roubou o coração. 

Em 1977 passa a ter a sua residência em Castelo de Vide e em 1978 inaugura o projeto do restaurante e discoteca, D. Pedro V, juntamente com o marido e o sócio que lhe havia falado naquele lugar, um homem nas suas palavras, bastante boémio. Vindos de um lugar bastante mais evoluído do que Portugal era naquela época, não imaginavam o quão mal vista seria a ideia de uma discoteca. Admite que os primeiros tempos foram muito complicados, embora conseguissem ganhar bastante dinheiro a falta de conhecimentos de gestão, não permitia que o negócio fosse estável e começou a sentir que não tinha controlo sobre a situação. Sentindo que precisava de ter alguma independência compra um terreno para o qual faz o projeto de uma residencial. 

Volta a procurar adquirir mais conhecimentos, fazendo várias formações em hotelaria e quando após vários anos, o projeto é finalmente aprovado, percebeu que não teria como avançar e têm a sorte de o conseguir vender, ficando apenas com uma pequena percentagem. Durante todo este tempo o restaurante mantêm-se em funcionamento juntamente com a discoteca. Só 13 anos depois da abertura é que a discoteca acaba por fechar portas, no seguimento já de um grande cansaço e também como consequência da abertura de várias outras na região. Na mesma lógica de eventos, decide também vender o restaurante, admitindo orgulhosa que conseguiu que naquela altura todos os empregados se mantivessem a trabalhar lá com a nova gerência.  

O fecho do restaurante acontece ao mesmo tempo que o seu marido estava já bastante doente e admite que naquele momento se sentiu à deriva, sem saber o que fazer, embora certa de que não podia parar. Decide começar a fazer biscoitos e a tentar colocá-los à venda numa série de estabelecimentos. Esse processo não foi fácil e no início recebeu muitos “nãos” que a deixaram bastante zangada, mas nunca desistiu. Começou a ir a feiras conventuais, em Portalegre, Alter do Chão, Crato, entre tantos outros lugares e dessa forma, a especializar-se na doçaria conventual, aprendendo com as pessoas que conhecia nessas feiras. Conta ainda que estudava sempre bem a lição antes de ir, programando de forma quase estratégica a forma como se apresentaria e que produtos levaria consigo, consoante o local onde a feira fosse decorrer.  

Hoje em dia existe com a internet,  o conhecimento está ali à disposição de todos, mas naquela altura foi preciso batalhar para poder adquirir os saberes de que precisava, mas a vida deu muitas voltas e a certo ponto, era já ela quem dava formações na área e onde admite ter aprendido tanto ou mais com as suas alunas, do que elas terão aprendido com ela. Continuou a correr feiras e inclusive a receber prémios com os seus doces, o que levou até à criação de um livro. Mas mais uma vez, a história não se ficou por aí. Cria um novo projeto, onde idealiza a criação de um lar e de um alojamento de apoio, onde os filhos poderiam ficar instalados quando se deslocassem a visitar os seus pais. As voltas da vida levaram a que o projeto do lar não avançasse, mas o alojamento ganhou vida e hoje dá pelo nome de “Vila Maria”. 

A Vila Maria é mais do que um alojamento situado numa pequena colina, é o lugar a que a Dona Luísa chama de casa e sobre o qual admite, já não saberia viver sem. Como em vários outros momentos da conversa, utiliza a expressão “é uma história linda”, e o mesmo usa para adjetivar o momento presente. Existe uma tenacidade na sua forma de viver que explica em grande parte o porquê de nunca se ter deixado vencer pelos fracassos e por ter sempre encontrado soluções aos problemas com que se deparou. Quando visitamos este espaço pela sua mão, muito do que é o seu amor por Castelo de Vide está ali, mas existe também um lado de uma certa familiaridade, que leva a que este seja o lugar ideal para o final desta conversa. Conhecer a Dona Luísa foi como embarcar numa longa viagem sem grandes referências, mas seguindo sempre com a certeza de terminarmos num lugar seguro.

Julho 2020

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