retratos do centro de portugal
A Ortiga, aldeia do Tejo
A minha história recente com a Ortiga concretizou-se em várias mini-viagens. Como diriam os meus amigos mais velhotes, viagens de Sol a Sol. É engraçado como o embrenhar nas histórias e ligações menos óbvias nos faz conectar com lugares. De uma perspectiva lógica e muito intuitiva, é fácil concluir que a riqueza da relação da Ortiga com o Tejo, muito além da bonita paisagem, se faz com a cultura da pesca. Ao contrário do (meu) Rossio, a Ortiga não tinha um porto ou um cais. Isto voltando atrás no tempo, no tempo em o rio era navegável. Aqui até posso acrescentar um ponto. O rio era navegável entre o Rossio e Lisboa, de uma forma natural. Talvez por isso, a importância do Rossio no que toca a rotas comerciais, por ser o porto do Tejo localizado mais a Este. De Vila Velha de Rodão, já quase junto à fronteira, até à Ortiga, o rio não era “naturalmente” navegável. Um troço mais rochoso, sinuoso e com diferentes correntes. Para ultrapassar a questão navegabilidade, foi construído nesse troço de rio um muro de sirga, quase com uma parede de rocha que servia de apoio aos barcos contra as correntes fortes. Isto há mais de 500 anos. Na Ortiga, junto à Barragem ainda é possível ver vestígios desse muro, envolvido com construções mais recentes, denominadas como pesqueiros. Para além desta curiosidade, não sei se por essa sinuosidade do rio junto à Ortiga, ou se pelas correntes, ou por outra razão que desconheço, sempre foi terra de pescadores e de peixe de rio. Sendo a lampreia, ainda hoje, um dos habitantes do rio mais famosos na gastronomia local. O restaurante Lena, que já mencionei, é um dos especialistas na confecção da Lampreia. Confesso que não sou grande fã, mas existe muito boa gente que considera o Arroz de Lampreia como um dos últimos paraísos na terra. Já os homens do rio, hoje acredito que já não se aproximam dos números do passado, mas ainda existem. O rio está diferente e os tempos são diferentes, e até a forma de pesca é diferente. Voltando ao passado, e talvez à necessidade que adaptação a um rio mais esguio e de correntes fortes, fez da Ortiga terra de calafates, uma espécie de construtores navais de pequena escala e que no caso da Ortiga, mais do que simples construtores, eram criativos. Perceberam o rio e concretizaram um barco único chamado picareto, para concretizar uma diferente forma de pescar à rede. Consigo sonhar com dezenas de picaretos ancorados nas margens da barragem. Uma espécie de viagem no tempo, onde as histórias constroem imagens.
2019
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Esta história pertence ao projeto Retratos do Centro de Portugal. 365 retratos, 365 pequenas histórias, sobre o que faz da região Centro de Portugal um lugar diferente. Podem consultar todos os retratos aqui.
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