Sempre que surge a oportunidade de visitar a Costa Alentejana os meu olhos brilham de entusiasmo. Sempre que visito a Costa Alentejana faço sempre a mesma pergunta a mim mesmo: “e se eu vivesse aqui? Sim, todos os dias.”. Estive na Costa Alentejana no início de Outubro, com base no HS Milfontes Beach Hotel, em Vila Nova de Milfontes. Deve ter sido a centésima vez que visito este lugar e o encanto, esse mantém-se tal como a primeira vez. Acredito que este tipo de sentimento apenas está destinado aos lugares especiais.
Cheguei no final da manhã, de um dia chuvoso, à Costa Alentejana. Saí de Abrantes pela manhã em direção a Montargil, Montemor e Alcácer. Adoro fazer esta estrada. Não é a mais bonita do mundo, mas acho que se criassem uma ponte entre minha casa e o litoral alentejano, eu iria continuar a seguir por esta estrada. É um misto de sentimentos e um atravessar, constante, de fronteiras culturais. Sigo pela Estrada Nacional 2, que tal como um rio, nasce em Chaves e desagua em Faro. É um “rio” de histórias que “rasga” o país ao meio. No bom sentido do rasgar. Para mim, é sempre especial conduzir por esta estrada. Depois, deixo o meu Ribatejo para trás e entro no Alentejo, logo nos primeiros quilómetros de viagem. Um Alentejo de montado e de paisagens até onde o horizonte alcança. Quase no final da viagem, já fora da Nacional 2, deixo o Alentejo e entro na região de Setúbal, com carácter mas com traços alentejanos. No meio destas diferenças todas e quase sem dar conta, mesmo sabendo que ele está quase a aparecer, ver o mar é sempre um momento épico. Normalmente, e desta vez assim foi, o encontro dá-se na Praia de São Torpes, início do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina. É obrigatório sair do carro. Sentir a brisa do mar na pele. Sentir o cheiro a terra molhada e a mar, tão típico desta região. E olhar para um mar imenso, que quase que parece saudar a minha chegada. Caminho pela praia, quase sozinho, apenas dois ou três surfista, e sorrio sozinho, de satisfação. Faço pela primeira vez a pergunta: “e se eu vivesse aqui?”. Feliz de quem pode ver este mar todos os dias. A viagem tinha começado da melhor maneira.
Volto a entrar no carro e sigo para Milfontes, onde iria ser a minha base. A estrada é lindíssima e por vezes não consigo ceder à tentação e tenho de parar. Para contemplar este lugar abençoado. Viajo sem tempo, mas sinto que todo o tempo é pouco. Sinto que era capaz ficar a olhar para praia da Samoqueira, despida de gente, todo o dia. Sem me mexer. Lentamente, e após várias paragens, lá chego a Milfontes. Chego ao HS Milfontes, meu “quartel” para esta viagem. E a localização não poderia ser melhor. Mesmo em frente do hotel, o rio Mira encontra o mar. A todo o segundo o hotel transforma-se em anfiteatro para assistir a esse momento glorioso. É impossível entrar no hotel, sem assistir a esse momento antes. Sem contemplar a vista privilegiada que este lugar oferece. O hotel estava cheio, quase todos os hospedes eram estrangeiros. Identifiquei várias nacionalidades. Quase todos estava a caminhar ou a pedalar pela Rota Vicentina. Penso sempre o mesmo: “esta malta sabe o que é bom!”. O próprio hotel percebe o que é bom por aqui. Preparou-se para receber esta gente, com uma imagem virada para a Natureza e para o ar livre, tem patente nos elementos desportivos e de cores garridas expostos por todo o hotel. Enquanto esperava pelo meu check in, tentava imaginar o que os olhos destas pessoas viram ao longo do dia. Ou melhor, como valorizaram o que viram. Pela cara de felicidade e alguns até mesmo de entusiasmo, isto depois de fazer dezenas de quilómetros a caminhar, dá para assumir que experiência foi boa. Que os seus olhos conseguiram captar a essência deste lugar.
Já era quase final de tarde, quando entrei no meu quarto. Com um vista lindíssima para o rio e para o mar. Posso adiantar já, que perdi a conta às vezes que fui à varada do meu quarto. Muitas vezes, nem um minuto lá estava. É um lugar especial. No final de tarde fui até ao restaurante do hotel, onde jantei. A vista lindíssima mantém-se, talvez até um pouco mais bonita com as cores de final de dia a abrilhantar o momento. Jantei na esplanada do restaurante com rio a meu lado. Comi o bife na pedra. Dizem que é a especialidade da casa e eu posso confirmar que é muito bom. Depois de jantar e já noite, desço as escadas do hotel e caminho pelas ruas da Vila. Está quase deserta. Tão diferente de Agosto, até parece que as paredes mudam de lugar e assumem novas cores. Caminho pelas ruas apertadas e a ouvir o som das ondas do mar. Entre locais que chegam a casa depois do seu trabalho ou entre os poucos viajantes que visitam este lugar nesta altura. Está uma noite quente, muitas pessoas tem a sua janela aberta e sem querer observo muitas das rotinas do jantar. São pessoas normais que vivem neste paraíso. Eu já sabia que era assim, visitar estes locais fora do Verão, liga-nos mais a eles. De certeza porque ficam mais autênticos, quase como se despissem o seu fato de super herói e mostrassem o seu verdadeiro eu. Quase sempre mais bonito e mais interessante. Volto para o quarto e, mais uma vez, vou à varada. Agora sim, podia dormir.
Acordei com a luz do sol a entrar pelo meu quarto sorrateiramente. Esta Costa Alentejana é assim, no mesmo dia consegue passar por várias estações do ano. Chuva, sol ou vento, vão e voltam no mesmo dia. Por vezes repetem a viagem mais que uma vez. Pode ser desagradável para quem passar quinze dias seguidos a apanhar sol na barriga e nas costas, mas para quem gosta de multicuturalidade no mesmo espaço é perfeito. Para assistir a este fenómeno basta percorrer as estradas junto à costa, onde o verde dos campos se encontra com o azul do mar. Por isso também, a Rota Vicentina (rota pedestre sempre junto à costa) é tão especial. Por isso também, gastronomicamente falando, os pratos de carne por aqui são tão aclamados como os pratos de peixe ou marisco. E quem bem que se come por aqui. Foi nesta variação de paisagens que foi passado o meu dia. Entre praias desertas, quase como pequenos tesouros escondidos entre arribas. Pelos campos de cultivo de frutos silvestres junto a Almograve. Pelas enormes falésias junto ao Farol do Cabo Sardão. Pelos campos de pastagem na estrada que vai para Zambujeira do Mar. No meio de tudo isto ainda almocei junto ao Porto das Barcas, perto da praia do Tonel, uma das mais bonitas de todo o sempre. Gravei tantas memórias. Apanhei chuva, suei pelos caminhos da Rota Vicentina, falei com pescadores, assisti às danças das gaivota. Vivi este lugar. Ao final do dia voltei a Milfontes, vinha do lado Sul, e não parei, segui para praia do Malhão para assistir ao pôr do sol. Mais uma vez, como um anfiteatro (existem tantos por aqui). Junto a dois ou três surfistas e mais meia dúzia de sortudos. Tínhamos uma bonita e imensa praia por nossa conta. É por estes momentos, tão simples, que eu criei O Meu Escritório é lá Fora. Merecem ser elevados. Saí da praia já a noite tinha tomado o lugar do dia.
Voltei ao HS Milfontes. Mas uma vez jantei no seu restaurante com vista para o rio e para o mar. Mais uma vez jantei a ouvir as ondas do mar. E, mais uma vez, fui à varanda do meu quarto antes de dormir. No dia seguinte voltei a casa. Mais uma vez por aquela estrada que tanto gosto. Mais uma vez, parei na praia da São Tropes. Como isto é bonito. Mais uma vez perguntei-me: “E se eu vivesse aqui?”. Segui feliz, porque sei que para tudo isto não vai ser a última vez.
Até breve lugar abençoado.
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