Viagem de bragança a abrantes em bicicleta

 

Dia 19 de Outubro de 2014, o dia em que completaria 30 anos, sim 30 anos. Sou um bocado lamechas nestas coisas apesar de este ser um dia como tantos outros, em que Sol nasce a Leste e se põe a Oeste, para mim seria um dia diferente, não só por fazer anos, mas mais porque simbolicamente representa uma zona de fronteira, entre a juventude e a idade, unh, idade um bocadinho mais adulta (não fui eu que inventei isto, mas vivo num Mundo que acredita nestas coisas e acaba por me afectar).

Pois bem, após pensar um pouco no que iria fazer nesta data, cheguei a dois objectivos:

1º tinha de passá-lo com as pessoas da minha vida

2º gostaria de no futuro me lembrar deste dia, positivamente é claro 🙂 .

Após estes pontos, rapidamente cheguei à conclusão que teria de ser uma viagem, mais que uma viagem, uma aventura, e aí teria de entrar a bicicleta. Para cumprir o 1o ponto (passar o dia 19 com quem mais gosto), teria de começar num ponto B, para chegar no dia 19 ao ponto A, a minha casa. Num flash, surgiu a ideia de Bragança para o ponto B e rapidamente ficou definida Bragança para o ponto B.

Porquê?

1º é um ponto longínquo

2º completaria uma travessia a Portugal (o ano passado, fiz Abrantes-Vila Real de Santo António)

3º o que iria ver na travessia agradou-me.

Após umas contas rápidas, defini o dia 13 de Outubro, 2a feira, para a partida, obviamente, o dia 19, Domingo, para a chegada.

Dia 0 – 12/10/2014  Preparação da viagem

 

Tenho muita sorte. Tenho uns pais e uma namorada que aturam e participam nestas minhas maluquices(tenho de escrever isto em primeiro lugar, porque vão existir mais aventuras e tenho de manter a moral em cima)

Na semana anterior, para além de uns treinos ligeiros na bicicleta, tracei um plano inicial do percurso, para cada um dos dias de viagem, sempre com pontos de fuga, etapas abreviadas ou possibilidade de seguir um novo caminho. Fiz uma lista de material a levar, que não poderia ser muito, apenas o essencial, já que iria levar uma mochila nas costas e não o comum alforge de bicicleta, normal para quem viaja em longas distâncias.

Com o aproximar do fim de semana da partida, confirmavam-se as minhas piores previsões, iria estar muito mau tempo, pelo menos nos primeiros dias de viagem. Confesso que esta questão do tempo me deixou algo ansioso, mas sem por em causa a viagem, pensei sempre: “Ok, pelo menos não preciso ocupar lugar na mala com o protector solar”

Na manhã do dia 12, tinha a mochila pronta e a bicicleta impecável, aqui o meu rico paizinho, que é o meu mecânico oficial (acho que ele não sabe disto), teve um papel fundamental, a minha “menina” brilhava e apresentava uma postura bastante fiável. A bicicleta, como é obvio representa aqui um papel fundamental, já que vou estar tantas vezes isolado, fazer centenas de quilômetros, por vezes longe das condições ideais, passar por adversidades, cansaço, etc, a bicicleta, tal como um arma numa guerra, não pode falhar, não pode ser um problema e a confiança tem que ser total. Felizmente a minha bicicleta deu-me 0 problemas.

Lá arranquei para Bragança, os meus pais iam-me levar. Estava a chover muito e o meu Pai ainda soltou “É mesmo para ir!?” ..nem respondi. Passados 10 minutos na auto-estrada, pensava como iria ser a minha jornada, se tinha trazido tudo……parei aqui…”o meu GPS?”, pensei eu, “não me lembro de o ver junto do restante material”, quando estes pensamentos se apoderam sobre mim, não penso muito mais, disse “Pai, pára o carro, não sei se tenho o GPS na mochila”, o meu Pai parou, eu sai do carro, lá estava estava o GPS, siga caminho, passados 5 minutos, “Os meus sapatos da bicicleta!?”, à segunda era verdade, os sapatos tinham ficado em casa, com 30km feitos, era tempo de voltar a casa, só pensei “Ok, é chato, mas era bem pior se tivesse dado pela falta deles já em Bragança”, voltei a casa, sapatos no carro, siga caminho, de vez.

Cheguei a Bragança por volta da hora de almoço e continuava a chover. Precisava de proteínas para a longa jornada que aí vinha, no centro histórico de Bragança, encontrei o Restaurante Solar Bragançano, onde comi um belo Naco Mirandês e em seguida confirmando a afamada arte de bem receber das gentes do Norte, conversei um pouco com o dono do restaurante, falou-me da sua vida e eu falei-lhe da minha. A minha viagem, apesar de ainda não ter feito qualquer quilómetro de bicicleta, começara aqui. Para mim viajar é isto, partilhar experiências, uma troca tão justa como rica. Após falar da minha viagem ao simpático senhor, ele disse-me “qual a taxa de alcoólica permitida para quem anda de bicicleta?”..emiti uns sons, mas acho que nem respondi nada, pois não estava a perceber o porquê da questão, sem eu responder alguma coisa em concreto, o senhor concluiu “É que tenho aqui uma garrafa de vinho para lhe oferecer, para a viagem”. Assim se fazem bons clientes.

Cheguei à Pousada da Juventude de Brangança, onde iria dormir e de onde iria partir no dia seguinte. Um beijinho na Mãe e um abraço no Pai. Descansar bem, pois sabia que não vinha aí coisa fácil. Chovia torrencialmente. (Ahh, também me tinha esquecido dos bidons para água, desta vez foi a Sportzone que me safou)

 

Dia 1 – 13/10/2014  Bragança – Sendim

 

 

9.30h Bragança, Trás-os-Montes e Alto Douro. O pequeno almoço na Pousada não era grande coisa, a fome também não era muita. Chovia muito. Confesso que não sentia uma euforia positiva, tinha um algum receio do que vinha aí, não sei se pelo mau tempo, se pela distância, se por ter quase 30 anos, era um sentimento estranho, já que eu adoro estas aventuras. Mas tinha quase a certeza que iria passar, era tempo de partir.

Saí de Bragança para Norte (como se já não estivesse o suficiente a Norte 🙂 ), mas era o plano inicial e era cedo demais para o alterar e  segui em direção ao Parque Natural da Serra de Montesinho. Começo logo a subir, numa paisagem onde o verde impera, um verde escuro que já tinha visto a caminho de Santiago. Enquanto pedalava, apesar de serem apenas os primeiros quilómetros, sentia que o tempo (chovia muito) não me estava a deixar tirar o máximo partido da viagem, acho que aqui estava o porquê da minha não euforia positiva, não podia parar tanto quanto queria, não poderia tirar tantas fotos e o meu corpo reagia mal ao tempo adverso. Vestia roupa de Inverno, mais um impermeável, para atenuar estragos, na mochila o material seguia em sacos do lixo (que se revelaram fundamentais para o sucesso da viagem, nem uma pinga deixaram passar). Para além da chuva, estava muito frio, ao passar pelas primeiras localidades, senti o “calor” do Natal, o frio aliado ao cheiro do fogo vindo das lareiras, as roupas quentes dos locais, não sei, mas senti-me pela primeira vez confortável na viagem.

A vista sobre as aldeias era aconchegante e não fosse ter que chegar a Sendim (de bicicleta) antes do anoitecer, gostaria ter ficar mais um pouco em cada a aldeia. Apesar de aldeias meio isoladas e certamente com poucos habitantes, tinha um certo charme, uma coisa assim tipo filme, não sei, gostava de ficar mais um pouco. Passei por algumas igrejas imponentes, em relação ao tamanho da aldeia, todas elas de construção cuidada, em pedra. Digno de registo é também o Castelo de Outeiro de Miranda, ou melhor, as ruínas do Castelo, ficam bem mas bem lá no alto, mais concretamente 812 metros acima do nível do mar, por estar tão isolado “acompanhou-me” durante largos quilómetros, olhava para trás e lá estava ele, olhava para o lado e lá estava ele, até apanhar um verdadeiro mix de verde e rocha, junto ao rio Maçãs. Acompanhei o curso do rio Maçãs durante alguns quilómetros e confesso que o vi poucas vezes, mas sempre ouvi o barulho das suas águas, circulava nas encostas do rio, ou por autênticos bosques ou por maciços rochosos, dignos de um Senhor dos Anéis, das paisagens mais bonitas que vi ao longo de toda a viagem. O meu encantamento pela beleza da paisagem quase que acabou a chegar a Vimioso, um subida brutal (meu Deus só de me lembrar, já estão a doer as pernas).

Assim que terminou a subida, as minhas pernas tremiam e estava com uma dor nas costas terrível, por causa do mochilão que levava. Entrei no primeiro restaurante que vi, restaurante Vileira. Parou de chover. Almocei uns lombinhos grelhados, descansei e pensei no meu plano para o que restava da etapa do dia. Tinha pensado ir a Miranda do Douro antes de finalizar a etapa em Sendim, mas isso seriam mais 30km, do que seguir directamente de Vimioso para Sendim. Com alguma tristeza, mas sabia que tinha de ser assim, tive de ir pela opção mais curta, o tempo invernal e chuvoso não dava para grandes aventuras. Assim que sai do restaurante, não estava a chover e pensei “bem, agora vai ser mais tranquilo”, passados 30 segundos ( não estou a exagerar), começou novamente a chover.

Entre Vimioso e Sendim, foi sempre a chover torrencialmente (sei que estou sempre repetir chuva, mas é uma imagem que não me sai da cabeça), circulei por estradas secundárias, por um trajecto dado pelo pessoal do restaurante, foram muito amáveis, mas houve alguma coisa que falhou e dei por mim num local onde de certeza que não era por ali, quem me safou foi um pastor (estes pastores trabalham tanto à chuva como ao sol, gente de fibra ), lá segui e pouco depois apanhei o primeiro susto do dia, seguia numa zona de descampado, em uma ligeira subida, apareceu-me um cão mesmo ao lado, com cara de rufia e ar de quem pertence a um gang de cães do pior, apareceu como um fantasma, não ladrou, nada, pensei logo “cão que não ladra, morde”, ele bem que tentou, mas foi acelerar com se não existisse amanhã, foi mesmo até me saltarem quase os músculos das pernas, ainda por cima a subir e já quase com 100km feitos, passados uns segundos, que me pareceram horas,ele lá desistiu.

Ainda não estava bem refeito do susto e vejo um ajuntamento de para aí 50 bovinos Mirandeses a caminhar paralelamente a mim, para quem nunca os viu, são gigantes. Apesar do tamanho, não se passa nada com estes bichos, até estava a gostar, até que eles, ou melhor, o dono deles decidir que tinham de atravessar a estrada em que circulava. Foi um misto de emoções, era um acontecimento bem engraçado de ver, já que eles entravam em seguida num campo de futebol abandonado e assim que se viam no campo desatavam a “correr”, lembrei-me logo do filme Dança com Lobos, que vi centenas de vezes na minha infância (para terem uma noção, eu estou a comparar estes bois com búfalos, agora imaginem o tamanho), mas a imagem bonita foi-se depressa, estava parado no meio da estrada sem qualquer abrigo, chovia muito, estava um frio do Natal e o meu corpo cada vez mais frio, só pensava “mais 2 minutos, ainda entro em hipotermia”, mas eles lá passaram e foi acelerar para aquecer. Passados 5 minutos estava em Sendim. Tinha mais de 100km nas pernas, sempre a subir e a descer (esta malta não sabe o que é o plano) e também descobri porque chamam a este território de Terra Fria (imagino como será no Inverno).

Assim que cheguei a Sendim, procurei um abrigo para me orientar até ao Alojamento onde iria ficar a dormir. O abrigo foi umas bombas de abastecimento, onde perguntei a 3 locais onde ficava o Curral de L Tiu Pino. É engraçado, as pessoas são tão simpáticas por aqui e tinham tanto desejo em me ajudar, que acabaram a discutir qual seria o melhor caminho para mim e eu cheio de frio, a olhar, mas tive que me rir. Após uns minutos, lá chegámos a uma conclusão, ficava a apenas 500 metros de onde estava, bem no centro da Vila, não tinha muito que enganar.

Cheguei ao Curral de L Tiu Pino, uma antiga casa tradicional agrícola reconvertida em Turismo de Habitação, com um restaurado lagar primitivo com mais de 300 anos de história. Ao chegar liguei ao Professor António Carção, proprietário do Alojamento, a anunciar a minha chegada. Atende-me com voz de atrapalhado, resultado, estava a cortar o cabelo. Mais uma vez comprovei a simpatia destas gentes, abandonou o corte de cabelo, em 1 minuto estava ao pé de mim, mostrou-me a sua “casa” e fez-me sentir como se fosse minha. A minha preocupação com o “alojamento” da minha bicicleta, também terminou ali, quando o Professor me disse ” Podes levar a bicicleta para o pé da tua cama se quiseres, mas se a deixares na rua ninguém mexe, nós aqui temos uma máxima, quando alguém bate à porta, nós dizemos entre e depois é que perguntamos quem é!”, mais uma vez senti-me em casa.

Sendim é uma Vila bastante simpática, nota-se que tem algum movimento e uma economia interna superior a muitas sedes de concelho por onde passei. Após me instalar no meu alojamento, a minha preocupação foi secar a minha roupa, que dizer que estava ensopada era favor. O Professor António, recomendou-me um restaurante e combinou comigo um café em seguida, para trocarmos umas ideias. E assim foi, é uma figura muito simpática. Senti-me bem em Sendim, era o final de dia que precisava, depois de uma jornada dura.

Dia 2 – 14/10/2014  Sendim – Murça do Douro

 

 

Começo o dia com uma corrida até à janela. Não estava a chover. Corro até ao aquecedor. A roupa estava seca. O dia estava a começar bem.

Apesar de não estar a chover, estava um frio seco, daquele que atravessa a pele e entra nos ossos. Saio de Sendim, com uma dezena de bons dias dados, as pessoas por são realmente simpáticas (ou tive sorte no dia). Após os primeiros quilómetros, notei logo a mossa que o dia anterior me tinha provocado. Tinha as pernas pesadas e quando as pernas dão essa indicação à cabeça, ela rapidamente espalha a noticia pelo resto do corpo. No seguimento do dia anterior, o plano é coisa rara para estes lados ou se sobe ou se desce, foi em sofrimento que cheguei a Mogadouro. Assim que chego a Mogadouro, sou logo presenteado com um olá, era um dos rapazes que no dia anterior me deram indicações na bomba de abastecimento em Sendim. Paro um pouco num banco de jardim, vejo os locais a circularem, nas suas tarefas comuns do dia.

Sigo para Sul, em direcção a Torre de Moncorvo, mas até lá ainda tinha muito que pedalar. As paisagens por aqui são lindíssimas, ainda me encontrava no Parque Natural do Douro Internacional. Até Torre de Moncorvo, seria uma viagem bastante isolada, passava por pequenas aldeias, onde existam mais casas que gente (e existam poucas casas). Exista uma figura humana comum, a cada entrada ou saída de aldeia, o pastor. São um figura mítica desta região. Uns mais velhos outros mais novos, todos com uma expressão carregada, o tempo para esta gente demora mais a passar. Não os invejo, mas admiro-os. Todos eles têm pelo menos duas coisas em comum. A primeira, são bastante simpáticos e sempre prontos para dois dedos de conversa. A segunda, todos eles têm cães e todos os cães pensam que os gajos das bicicletas são o diabo, ainda não refeito do encontro com o cão mal encarado do dia anterior, passei a adotar um táctica, que se mostrou infalível. Cada vez que avistava um pastor (eles andavam sempre junto à estrada, deve passar um carro muito de vez em quando por aquelas estradas), ainda não tinha chegado ao pé dele, já estava a falar com ele, ele sempre muito simpático vinha ao meu encontro, passados 30 segundos de conversa, o cães de guarda já me viam como amigo do dono, deixava automaticamente de ser o diabo, acabava por juntar o útil ao agradável, já que também gosto de conversar e perante quase total isolamento, ainda mais. Curiosamente, muitos deles conheciam Abrantes, a maior parte devido ao “triângulo” Abrantes, Santa Margarida e Tancos, muitos deles fizeram tropa por aqui.

Muito raramente, quando faço a pergunta a um local “o caminho a seguir é muito a subir?”, me responde com verdade (quer dizer, para eles é verdade, só que devem te-lo feito de carro), quase todos me lançam um “oh isso é sempre a andar”, quase sempre, a seguir vem uma subida de grandes dimensões. Por aqui, aconteceu o contrário, numa das conversas “pastoris”, lancei a pergunta da praxe, resposta “oh meu amigo você tem muito que sofrer!”. Confesso que desejei que ele fosse como outros, que não estivesse a ver bem as coisas, mas ele estava certo, que subidas meu Deus.

Sempre a subir, até que em Carviçais, onde parei para um almoço volante, encontrei a antiga Linha do Sabor, hoje transformada em Ecopista do Sabor. Sabia que a partir dali, a coisa seria mais ou menos plana. Assim foi, uns quilómetros mais a frente paro num café em Carvalhais. Aí troco, mais uma vez, palavras com um antigo soldado do Quartel de Abrantes, (este não era pastor) com grande cara de admiração, me disse “Meu amigo não sei como é capaz!” (senti um pouco de orgulho). Volto à pergunta da praxe ” Para Torre de Moncorvo como é?”, ao que o senhor me respondeu “Meu amigo não queira voltar de lá para cá, é sempre a descer!”, e assim foi, num instante cheguei a Torre de Moncorvo.

Ao chegar a Torre Moncorvo, já estava ansioso pelo que vinha aí, iria apanhar o curso do rio Douro. Eu adoro rios e toda a sua cultura associada, toda a vida vivi a poucos metros do rio Tejo e hoje quase que o vejo como um velho amigo. O rio Douro, neste troço alia uma paisagem belíssima e toda uma cultura de vinhos com centenas de anos de história. O aliar da tarefa cumprida, já que a dificuldade da etapa já tinha ficado para trás, a uma paisagem deslumbrante (acho que deslumbrante é pouco), aqueceu-me o coração (mesmo), esqueci subidas, frio e chuva. De Torre de Moncorvo para o rio Douro é mais uma descida de largos quilómetros (o que ajudou à festa), passando pela foz do rio Sabor.

A primeira grande quinta que me aparece em vista, é a Quinta do Vale do Meão, com hectares vinha a perder de vista, cuidadosamente alinhado nas encostas do rio, quase como se de uma pintura se tratasse. Só pensei, “beber um vinho daquelas uvas, sentado no meio da vinha e olhar para rio, deve ser fabuloso”. Aquela Quinta foi outrora pertença de D. Antónia Adelaide Ferreira, mais conhecida como Ferreirinha (até teve direito a uma série da RTP), hoje ainda pertence à família e dizem, nunca provei, mas gostava, possuir vinhos de muitíssima qualidade. Para mim, um bom vinho, ou melhor, ter prazer em beber um vinho, é sobretudo o aliar de uma bebida cuidada a uma boa história, aquela frase popular de que um vinho é mais que uma bebida, para mim faz sentido. Esta Quinta do Vale do Meão faz história desde 1877, um vinho seu vai-me saber bem com certeza.

Fiquei mesmo rendido ao Douro (a voltar, em exclusividade). Fiquei tão rendido, que queria aproveitar o máximo, no pouco do dia que me restava. Ao chegar a Pocinho, atravessei o Douro para a margem sul e ai dei de caras com a estação de comboios do Pocinho, verifiquei no meu mapa, era possível fazer o percurso entre duas estações de comboio sem me desviar muito do meu traçado. Fazer a linha do Douro de comboio, é por si só uma experiência, já que circula entre o rio e a vinha, promovendo vistas que de outra maneira seriam impossíveis de experienciar. Cheguei à estação do Pocinho, perguntei a um funcionário da CP se dava para levar a bicicleta no comboio, ele respondeu-me que não. Pensei “lá o Douro vai ficar para trás!”, mas o funcionário continuou a olhar para mim e lá me perguntou “o amigo vem de onde?”, e eu “de Bragança”, olhou-me com outros olhos e perguntou “e vai para onde?”, e eu “para Abrantes”, ele soltou rapidamente um “valha-me Deus!” e perguntou novamente “vai até que estação?”, e eu “só até à próxima”, num segundo ele retorquiu “então entre no comboio, que eu também sou ciclista”, mais um bocadinho de Douro conquistado.

Andei apenas 3, 4 minutos de comboio até à estação de Freixo de Numão. Correspondeu e em boa hora o fiz. É digno de ser vivido, que paisagem. Mas acabou rápido, era tempo de voltar à bicicleta e dizer um até já (para uma próxima viagem) ao Douro. Mais uns quilómetros e cheguei a Murça do Douro, pequena aldeia do Concelho de Vila Nova de Foz Côa, onde iria ficar a dormir, no Bairro do Casal.

Em Murça do Douro encontrei um ambiente acolhedor de uma aldeia típica do interior. O Bairro do Casal ficava lá no cimo da aldeia (tive de saltar da bicicleta, antes que o “motor” desse de si). Ao subir até ao cimo da aldeia, de bicicleta na mão, mais uma vez os locais foram bastante simpáticos comigo, encorajando-me para os metros finais. O Bairro da Casal foi umas das mais agradáveis surpresas da viagem (fiquei encantado), é o conjunto de 5 casas recuperadas, numa espécie de condomínio rural, com uma área em comum, com jardim, sauna e piscina, com vista para a serra (já disse que fiquei encantado). E como se não bastasse, mais uma vez fui recebido como se tivesse chegado a casa, com direito a bolo caseiro e tudo (estava quase tão bom como o da minha Mãe). Fiquei instalado na Casa da Aida, tomei um banho e a fome apertou, aqui nasceu um problema, o bolo era muito bom, mas precisava de “combustível” ou proteína e não existia qualquer restaurante ou mercado na aldeia. Aqui como anjo, entra a D. Odete que já me tinha recebido muito bem e prontificou-se a levar-me ao restaurante mais próximo (voltei para junto do Douro). Lá jantei, conversei e voltei para a “minha” casa.

Dia 3 15/10/2014 Murça do Douro – Trancoso

 

 

Acordei, fui à janela e o dia estava…(parecia um pesadelo)

Chovia sem parar, estava frio e o pior, estava muito vento, vindo de Sul para Norte, ou seja, ia levar com ele na cara.

Adiei a minha partida o máximo que consegui ( para além do mau tempo, também me estava a custar abandonar a minha casinha no Bairro do Casal ), na esperança que o tempo melhorasse. Era meio dia e não podia aguentar mais, apesar de esta ser a etapa mais curta, cerca de 50km, era a mais inclinada, já que era sempre a subir até Trancoso, mesmo às portas da Serra da Estrela.

Lá segui, despedi-me da boa gente do Bairro do Casal e fiz-me à estrada, em direcção à aldeia de Freixo de Numão. Foi sempre a subir, estrada serpenteada, com se fosse subindo degrau a degrau, deixando para trás o Norte do País. Aqui já a paisagem, os recursos, até as pessoas eram diferentes, é nisto que viajar de bicicleta marca pontos, as mudanças são feitas lentamente, e via e sentia isso na perfeição.

Os quilómetros passavam lentamente (até cheguei a pensar que o GPS estava avariado), aumentava a altitude e o tempo piorava. Passei por algumas aldeias nos primeiros quilómetros, pareciam desertas (com o tempo assim, em casa ao aquecedor é que se está bem). Sempre que via uma paragem de autocarro ou alguma espécie de abrigo parava um pouco, até porque não sabia quando iria encontrar o próximo e todo o tempo “longe” da chuva e vento sabia como ouro.

Algumas vezes passavam por mim carrinhas de caixa aberta e quase sonhava acordado, com o condutor a parar e a dizer “o senhor viajante por acaso vai para Trancoso e por acaso não quer uma boleia nesta carrinha onde não chove e que tem aquecimento”, depois levava com uma rabanada de vento e acordava. Adoro viajar, conhecer pessoas novas, lugares novos, viajar de bicicleta, mas em dias como este, o desejo era parar e dizer “já chega, quero chegar com saúde a casa!”. O vento cada vez estava mais forte, até mesmo quando (muito raro) apanhava uma descida tinha de pedalar, simplesmente não me deixava andar. Mas devagar, devagarinho lá ia ultrapassando os quilómetros.

Cheguei e parei em Mêda, a maior localidade, intermédia, desta jornada. Cada vez mais alto, cada fez mais a paisagem se aproximava com a paisagem típica da Serra da Estrela. Continuei a parar em cada a abrigo, agora as paragens de autocarro eram autênticos bunkers, sempre com vestigios de antigas fogueiras, provavelmente de alguém numa situação parecida com a minha. Com mesmo muito sofrimento, lá cheguei a Trancoso.

Foi um alivio imenso que senti, quando avistei Trancoso, esta jornada parecia interminável e temi seriamente por mim, e também pelo sucesso de toda a viagem. Foi o dia que mais sofri de todas a viagens que já fiz. Mas o nosso corpo e o nosso cérebro são fabulosos (quem inventou isto, fê-lo bem), quando passava pelo centro Trancoso, já longe de um autêntico “cabo das tormentas” que ultrapassei, parecia que quase nada se tinha passado. Desfrutava, apesar da chuva, das vistas que a cidade de Trancoso me oferecia. Mas o tempo não dava para muito mais e encaminhei-me para o Hotel Turismo de Trancoso. Mais uma vez (tenho muita sorte), fui muito bem recebido. Apesar de este ser um alojamento muito mais “industrializado”, em comparação com os meus alojamentos anteriores, senti o mesmo calor humano por parte de quem me recebeu (até me emprestaram um aquecedor para secar a minha roupa, que apesar dos esforços, não secou de tão molhada que estava). Continuava a chover e já não sai do Hotel, jantei no restaurante do hotel e segui directamente para a cama. Estava exausto. Tive pena de não sair, para conhecer melhor Trancoso. Pareceu-me uma cidade bem interessante, envolvida por uma muralha e pertencente à rota das Aldeias Históricas. Mais uma vez foi fundamental a qualidade do alojamento, para recuperar o corpo e a mente, o Hotel Turismo de Trancoso cumpriu o seu papel na perfeição.

Dia 4 – 16/10/2014  Trancoso – Seia

 

 

Acordei. Olhei para janela com algum medo. A chuva estava de folga hoje. O frio e vento continuavam, mas muito menos vento que no dia anterior. Estava cansado, o dia de ontem tinha sido terrível, acho que até mais para a cabeça que para o corpo. Senti-me um pouco triste por não ter aproveitado o dia, as localidades, as pessoas, devido ao terrível temporal que apanhei. Caso não tivesse um calendário a cumprir (tinha de chegar no meu dia de anos a casa), em dias como o de ontem, mais vale não tocar na bicicleta, ficar no local onde estava e partir no dia seguinte. Mas já tinha passado e ainda tinha muitos quilómetros para percorrer.

Despedi-me da boa gente de Trancoso e segui em direcção a Celorico da Beira, que ficava numa espécie de cova entre Trancoso e a Serra da Estrela. Portanto seria sempre a descer. Faço os primeiros quilómetros, estranho a ausência de indicações para Celorico, estranho também a paisagem e o facto de estar a subir. Decidi parar, algo não batia certo, confirmei o mapa, caminho errado. Mais 6 quilómetros para lá, mais 6 quilómetros para Trancoso, 12 quilómetros enganado. Curiosamente, nem pensei muito no erro, voltei tranquilo (podia bem ter sido um bicho de 7 cabeças, ainda bem que não foi). Encontrei o caminho certo, sempre a descer para Celorico, fiz 20km num abrir e fechar de olhos. Ontem tanto que me custou cada 2km.

A etapa de hoje ainda estava um pouco em aberto, uma vez chegado a Celorico, poderia seguir pelo lado da Guarda, poderia subir a Serra da Estrela (está chegou a ser a hipótese mais forte, na preparação da viagem), ou seguir pelo lado de Seia. Pela a Serra ficou logo excluído, estava demasiado frágil, para tamanha dificuldade e o mau tempo continuava na Serra. A hipótese de seguir pela Guarda, era a mais interesse em termos culturais, mas com um desnível acumulado considerável e como não estava bem, decidi pela hipótese mais plana, seguir em direcção Seia e contornar a Serra pelo lado do Mar. Hoje consigo, friamente, dizer que foi a melhor opção. As viagens solitárias, ou melhor, o seu sucesso depende muito de boas decisões no terreno, ter mais que um plano é fundamental, conhecer o teu corpo e os teus limites é decisivo.

Seguia pela encosta da Serra em direcção a Gouveia. Aqui para além da paisagem ser completamente diferente, onde notei maior diferença foi no movimento à minha volta. Passei praticamente 3 dias isolado na estrada, aqui havia muito mais gente, muito mais carros, muito mais acção. Por um lado, gosto do isolamento, sem barulho, só eu, as árvores e os pássaros, mas por outro lado já sentia falta de calor humano. Esta jornada apesar de umas inclinações, não tinha nada a ver com os dias anteriores, era tudo aquilo que as minhas pernas e o meu corpo todo, precisavam.

No dia de hoje, a vinha também foi paisagem constante, estava na região demarcada do Dão. Não tem a beleza e o charme da vinhas do Douro, mas é sempre uma boa companhia. De um lado a vinha, do outro lado a imponente Serra da Estrela, não me podia queixar das vistas. Seguia a bom ritmo (não ia a abrir, mas seguir sem parar, é considerado bom ritmo).

Chego a Seia. Começa a chover. Timing perfeito, até soube bem. Percorro o Centro Histórico e encontro o meu alojamento, o Hotel Seia Camelo. Espaço confortável, com um restaurante ainda melhor. Comi uns medalhões de porco com uma açorda de farinheira, do melhor. Esta etapa saiu por encomenda. Deu para relaxar o corpo e a mente. Sentia-me mais perto de casa, mas apesar da dificuldade, já recordava com alguma saudade o Norte do Pais (marcou-me).

Dia 5 17/10/2014 Seia – Lousã

 

 

Ia para o 5º dia em cima da bicicleta, já me sentia próximo da minha zona de conforto. O dia de ontem tinha sido bem menos pesado. Acordei bem disposto, as pernas pareciam-me bem e tempo estava bonito lá fora. Mesmo assim, não deixava de estar na Serra, estava Sol mas estava frio, mas analisando o que passei nos dias anteriores, estava perfeito.

Sigo em direção a Oliveira do Hospital, continuo a seguir pela encosta da Serra da Estrela. É impressionante como tudo muda, estou no mesmo País e mais é pequeno (mas incrivelmente bonito), para os meus olhos era uma mudança quase em câmara lenta, sentia a mudança, esta viagem era feita de pequenas fronteiras.

A saída foi feita a subir, mas sinceramente nem me custou muito, sentia-me bem. Ia aproveitando as últimas vistas para a Serra. Fiz os primeiros 20km a desfrutar. Ia passando por várias pequenas aldeias, até que vi uma espécie de Oásis no deserto. Desde de Bragança que me apetecia comer uma pizza, já no dia anterior andei à procura de uma pizzaria (em vão), até já cantava canções do Marco Bellini enquanto pedalava, de tanto pensar nesse famoso prato Italiano (a cabeça é tramada). Pois bem, em Catraia de São Paio, no meio do nada, encontrei a Pizzaria L’Artista, nem pensei UMA vez, parei logo. Com diriam uns amigos meus, “foi mel!!” (ou seja, soube-me muitíssimo bem). A juntar a isso, o pessoal da Pizzaria era muito castiço e com alguma dificuldade me fui embora (demorei lá tanto tempo, que quase dava para lanchar).

Lá segui, feliz da vida. Sabia também, que mais ou menos a partir de ali, o terreno seria bastante favorável (a descer, quero eu dizer). Quase sem dar por ela, já tinha feito mais 50km. Pensava no que já tinha passado, pensava muito nos meus Pais e na Liliana (acho que lhes dei algumas preocupações), sentia a falta deles (muitas vezes, em cima da bicicleta o tempo passa muito mais devagar, para o bom e para o mau sentido), também sentia que estava a chegar o dia dos meus anos e que estava a ficar velho, sentia o apoio dos meus amigos, sentia que tinham algum orgulho em mim e que estavam desejosos que eu chegasse (mais que não fosse para fazer uma festa). Andar e viajar de bicicleta, é muito mais que pedalar.

Enfim, chegava à parte mais difícil do dia, tinha um braço da Serra da Lousã entre mim e a cidade da Lousã e tinha de o ultrapassar. Como não existia nenhum túnel (ainda espreitei) lá tive que subir a Serra. Era inclinado, era. Era difícil, era. Custou-me muito, epá nem por isso. Subia um pouco e tirava umas fotos. Subia um pouco e bebia água nas fontes que me apareciam. Subia um pouco, via alguém e parava para conversar. Quanto dei por mim, já estava no topo da Serra.

Depois foi quase sempre a descer até à Lousã. Descobrir onde ficava a Pousada da Juventude e pedalar para lá. Cheguei à Pousada, tudo fechado. Pensei “querem ver que isto está mesmo fechado!”, lá dei umas voltas ao edifício, já a fazer contas para ficar noutro sítio. Até que empurrei ou me encostei a uma porta e ela abriu, entrei para a Pousada, nem viva alma, mas como estava tudo muito limpinho, abandonado não estava e pensei “bem, mesmo que não venha ninguém, ajeito-me bem aqui sozinho”. Resultado final, só havia recepção a partir das 18h00, chegou gente e pernoitei legal na Pousada. Recomendo esta Pousada, bom local para ficar.

Dia 6 18/10/2014 Lousã – Tomar

 

 

Entrava no penúltimo dia desta aventura e no meu último dia com menos de 30 anos. Já me sentia tão próximo, já só pensava em chegar. Sentia que que estava fora há muito, tantas semanas que passam num flash e esta estava a ser vivida quase minuto a minuto, era um dos objectivos.

Saí de Lousã, passei por aldeias, passei por Miranda do Corvo, passei por aldeias, passei por serras, passei por gente na sua labuta do dia e entrei na estrada nacional, um pouco à frente de Penela. Entrei em território conhecido, como estudei em Coimbra, fiz aquele caminho, Coimbra-Tomar-Abrantes, vezes sem conta. Por um lado, entrava na minha zona de conforto, por outro senti que o tinha para descobrir tinha acabado ali. Mas nunca tinha feito aquele percurso de bicicleta, seria certamente um pouco diferente (é mais cansativo) .

Sem necessitar de GPS sabia sempre o nome da próxima localidade. Quando a fome apertou, sabia onde parar. Parei no Restaurante D. Maria, junto às bombas de abastecimento lá do sítio. Comi uma bifana de porco preto, especialidade da casa, muito bom. Tão bom como a bifana foi a conversa com o Sr. João, dono do estabelecimento. Eu falei da minha viagem, ele falou da sua terra e do potencial que tem. Falou do seu mais recente projecto, Quintinha do Casal Ruivo. Mostrou-me uma bicicleta que lhe tinham oferecido. Resumindo, foi muito simpático. São destes momentos, que se fazem grandes viagens.

Lá tive que me por ao caminho outra vez. Antes de chegar a Tomar as pernas deram o primeiro sinal de “vai com calma, que já andas nisto há muitos dias”, foi um misto de dor nas pernas normal e uma dor enviada pelas costas (mochila gigante) para as pernas. Sentei-me um pouco, já conseguia ver o Convento de Cristo, foi só esperar uns minutos e estava operacional.

Cheguei Tomar. Senti que só faltava um pequeno passo. Podia acabar a viagem, mas o objectivo era chegar no dia de anos, tipo etapa de consagração. Fiquei no Hostel 2300 , local que recomendo vivamente, pessoal muito simpático e conceito muito giro. É este o caminho para o nosso território ter mais qualidade.

Mas o ponto chave da minha chegada a Tomar, era que a Liliana vinha jantar comigo. Gostei muito de a ver, sentia a falta dela (acho que ela também já sentia a minha falta, embora a nossa casa de certeza que estava muito mais arrumada). A primeira coisa que ela me disse “não estás mais magro!”. Eu queixei-me muitas vezes, que era duro, que estava mau tempo, que fazia muitos quilómetros, mas nunca me queixei de fome 🙂 (agora a verdade dos factos, no ano passado na Rota do Guadiana, perdi mais de 5kg em 4 dias, como aqui eram 7 dias a pedalar, ela fez as contas e estava à espera de me ver com, aproximadamente, menos 10kg) , vinha quase com o mesmo aspecto e não com aspecto de cão sem almoço.

Jantar, uma voltinha na cidade e dormir. Amanhã era o grande dia.

Dia 7 19/10/2014 Tomar-Rossio ao Sul do Tejo

 

 

30 anos. Eu nasci às 15h15, mas já sentia com 30 anos às 9h da manhã. Estava ansioso por chegar, mas ainda queria desfrutar os últimos quilómetros.

Hoje não iria pedalar sozinho, o meu Pai e os amigos Neo e Rui, iriam-me acompanhar na última etapa. E assim foi, seguia em boa companhia. Isto de pedalar acompanhado, é bem mais fácil, rapidamente as conversas entre pedaladas distraem as pernas e os quilómetros passam sem fazer mossa.

Sentia-me feliz, algumas pessoas perguntam-me se fazer esta viagem era realizar um sonho (a maior parte pergunta-me se é promessa ), eu respondo que não, e bem ao jeito do Cristiano Ronaldo, digo “o meu sonho é dar uma volta ao Mundo” e conhecer o máximo, mas tem que se começar por algum lado e percorrer Portugal bicicleta é super super bom e muito enriquecedor.

Eu dou muito valor ao que é nosso e faz de nós diferentes de um Chinês, por exemplo. Entre portas, também dou muito valor ao que é meu e faz de mim diferente de um Transmontano, por exemplo. Assim, ao descer em direcção à Amoreira e voltar a ver o Tejo, pensei “o Douro é bonito, mas o Tejo para mim é mais”, é a minha casa e para mim, não há no Mundo mais bonita.

Passava a subida do Quartel, última dificuldade da aventura e chegava à cidade que me viu nascer há 30 anos (já nem me lembrava, 30 anos). Sempre a descer até a Alferrarede e ai me esperavam mais meia dúzia de amigos, para fazerem comigo os últimos quilómetros. Era muito bom ver caras amigas 🙂 . Passei a ponte sobre o Tejo e estava em casa. Senti-me tão bem, só por isto valeu a pena todo o frio e chuva que apanhei. Cheguei à sede do Clube Desportivo “Os Patos”, onde me esperava um misto de festa de anos e de fim de aventura, quase todos me deram os parabéns duas vezes. Era tudo o que queria, viver intensamente a última semana antes dos 30 e passar um dia de anos com quem mais gosto, e assim recordar para sempre esta data, de uma forma especial. Fui até Bragança de carro e voltei de bicicleta, pelo meio vi e vivi meio Portugal. Esta aventura já não a repito, mas também já não a esqueço.

Um obrigado gigante a todos os que me apoiaram nesta aventura. Até à próxima!

 

 

Dia 19 de Outubro de 2014, o dia em que completaria 30 anos, sim 30 anos. Sou um bocado lamechas nestas coisas apesar de este ser um dia como tantos outros, em que Sol nasce a Leste e se põe a Oeste, para mim seria um dia diferente, não só por fazer anos, mas mais porque simbolicamente representa uma zona de fronteira, entre a juventude e a idade, unh, idade um bocadinho mais adulta (não fui eu que inventei isto, mas vivo num Mundo que acredita nestas coisas e acaba por me afectar).

Pois bem, após pensar um pouco no que iria fazer nesta data, cheguei a dois objectivos:

1º tinha de passá-lo com as pessoas da minha vida

2º gostaria de no futuro me lembrar deste dia, positivamente é claro 🙂 .

Após estes pontos, rapidamente cheguei à conclusão que teria de ser uma viagem, mais que uma viagem, uma aventura, e aí teria de entrar a bicicleta. Para cumprir o 1o ponto (passar o dia 19 com quem mais gosto), teria de começar num ponto B, para chegar no dia 19 ao ponto A, a minha casa. Num flash, surgiu a ideia de Bragança para o ponto B e rapidamente ficou definida Bragança para o ponto B.

Porquê?

1º é um ponto longínquo

2º completaria uma travessia a Portugal (o ano passado, fiz Abrantes-Vila Real de Santo António)

3º o que iria ver na travessia agradou-me.

Após umas contas rápidas, defini o dia 13 de Outubro, 2a feira, para a partida, obviamente, o dia 19, Domingo, para a chegada.

Dia 0 – 12/10/2014  Preparação da viagem

 

Tenho muita sorte. Tenho uns pais e uma namorada que aturam e participam nestas minhas maluquices(tenho de escrever isto em primeiro lugar, porque vão existir mais aventuras e tenho de manter a moral em cima)

Na semana anterior, para além de uns treinos ligeiros na bicicleta, tracei um plano inicial do percurso, para cada um dos dias de viagem, sempre com pontos de fuga, etapas abreviadas ou possibilidade de seguir um novo caminho. Fiz uma lista de material a levar, que não poderia ser muito, apenas o essencial, já que iria levar uma mochila nas costas e não o comum alforge de bicicleta, normal para quem viaja em longas distâncias.

Com o aproximar do fim de semana da partida, confirmavam-se as minhas piores previsões, iria estar muito mau tempo, pelo menos nos primeiros dias de viagem. Confesso que esta questão do tempo me deixou algo ansioso, mas sem por em causa a viagem, pensei sempre: “Ok, pelo menos não preciso ocupar lugar na mala com o protector solar”

Na manhã do dia 12, tinha a mochila pronta e a bicicleta impecável, aqui o meu rico paizinho, que é o meu mecânico oficial (acho que ele não sabe disto), teve um papel fundamental, a minha “menina” brilhava e apresentava uma postura bastante fiável. A bicicleta, como é obvio representa aqui um papel fundamental, já que vou estar tantas vezes isolado, fazer centenas de quilômetros, por vezes longe das condições ideais, passar por adversidades, cansaço, etc, a bicicleta, tal como um arma numa guerra, não pode falhar, não pode ser um problema e a confiança tem que ser total. Felizmente a minha bicicleta deu-me 0 problemas.

Lá arranquei para Bragança, os meus pais iam-me levar. Estava a chover muito e o meu Pai ainda soltou “É mesmo para ir!?” ..nem respondi. Passados 10 minutos na auto-estrada, pensava como iria ser a minha jornada, se tinha trazido tudo……parei aqui…”o meu GPS?”, pensei eu, “não me lembro de o ver junto do restante material”, quando estes pensamentos se apoderam sobre mim, não penso muito mais, disse “Pai, pára o carro, não sei se tenho o GPS na mochila”, o meu Pai parou, eu sai do carro, lá estava estava o GPS, siga caminho, passados 5 minutos, “Os meus sapatos da bicicleta!?”, à segunda era verdade, os sapatos tinham ficado em casa, com 30km feitos, era tempo de voltar a casa, só pensei “Ok, é chato, mas era bem pior se tivesse dado pela falta deles já em Bragança”, voltei a casa, sapatos no carro, siga caminho, de vez.

Cheguei a Bragança por volta da hora de almoço e continuava a chover. Precisava de proteínas para a longa jornada que aí vinha, no centro histórico de Bragança, encontrei o Restaurante Solar Bragançano, onde comi um belo Naco Mirandês e em seguida confirmando a afamada arte de bem receber das gentes do Norte, conversei um pouco com o dono do restaurante, falou-me da sua vida e eu falei-lhe da minha. A minha viagem, apesar de ainda não ter feito qualquer quilómetro de bicicleta, começara aqui. Para mim viajar é isto, partilhar experiências, uma troca tão justa como rica. Após falar da minha viagem ao simpático senhor, ele disse-me “qual a taxa de alcoólica permitida para quem anda de bicicleta?”..emiti uns sons, mas acho que nem respondi nada, pois não estava a perceber o porquê da questão, sem eu responder alguma coisa em concreto, o senhor concluiu “É que tenho aqui uma garrafa de vinho para lhe oferecer, para a viagem”. Assim se fazem bons clientes.

Cheguei à Pousada da Juventude de Brangança, onde iria dormir e de onde iria partir no dia seguinte. Um beijinho na Mãe e um abraço no Pai. Descansar bem, pois sabia que não vinha aí coisa fácil. Chovia torrencialmente. (Ahh, também me tinha esquecido dos bidons para água, desta vez foi a Sportzone que me safou)

 

Dia 1 – 13/10/2014  Bragança – Sendim

 

 

9.30h Bragança, Trás-os-Montes e Alto Douro. O pequeno almoço na Pousada não era grande coisa, a fome também não era muita. Chovia muito. Confesso que não sentia uma euforia positiva, tinha um algum receio do que vinha aí, não sei se pelo mau tempo, se pela distância, se por ter quase 30 anos, era um sentimento estranho, já que eu adoro estas aventuras. Mas tinha quase a certeza que iria passar, era tempo de partir.

Saí de Bragança para Norte (como se já não estivesse o suficiente a Norte 🙂 ), mas era o plano inicial e era cedo demais para o alterar e  segui em direção ao Parque Natural da Serra de Montesinho. Começo logo a subir, numa paisagem onde o verde impera, um verde escuro que já tinha visto a caminho de Santiago. Enquanto pedalava, apesar de serem apenas os primeiros quilómetros, sentia que o tempo (chovia muito) não me estava a deixar tirar o máximo partido da viagem, acho que aqui estava o porquê da minha não euforia positiva, não podia parar tanto quanto queria, não poderia tirar tantas fotos e o meu corpo reagia mal ao tempo adverso. Vestia roupa de Inverno, mais um impermeável, para atenuar estragos, na mochila o material seguia em sacos do lixo (que se revelaram fundamentais para o sucesso da viagem, nem uma pinga deixaram passar). Para além da chuva, estava muito frio, ao passar pelas primeiras localidades, senti o “calor” do Natal, o frio aliado ao cheiro do fogo vindo das lareiras, as roupas quentes dos locais, não sei, mas senti-me pela primeira vez confortável na viagem.

A vista sobre as aldeias era aconchegante e não fosse ter que chegar a Sendim (de bicicleta) antes do anoitecer, gostaria ter ficar mais um pouco em cada a aldeia. Apesar de aldeias meio isoladas e certamente com poucos habitantes, tinha um certo charme, uma coisa assim tipo filme, não sei, gostava de ficar mais um pouco. Passei por algumas igrejas imponentes, em relação ao tamanho da aldeia, todas elas de construção cuidada, em pedra. Digno de registo é também o Castelo de Outeiro de Miranda, ou melhor, as ruínas do Castelo, ficam bem mas bem lá no alto, mais concretamente 812 metros acima do nível do mar, por estar tão isolado “acompanhou-me” durante largos quilómetros, olhava para trás e lá estava ele, olhava para o lado e lá estava ele, até apanhar um verdadeiro mix de verde e rocha, junto ao rio Maçãs. Acompanhei o curso do rio Maçãs durante alguns quilómetros e confesso que o vi poucas vezes, mas sempre ouvi o barulho das suas águas, circulava nas encostas do rio, ou por autênticos bosques ou por maciços rochosos, dignos de um Senhor dos Anéis, das paisagens mais bonitas que vi ao longo de toda a viagem. O meu encantamento pela beleza da paisagem quase que acabou a chegar a Vimioso, um subida brutal (meu Deus só de me lembrar, já estão a doer as pernas).

Assim que terminou a subida, as minhas pernas tremiam e estava com uma dor nas costas terrível, por causa do mochilão que levava. Entrei no primeiro restaurante que vi, restaurante Vileira. Parou de chover. Almocei uns lombinhos grelhados, descansei e pensei no meu plano para o que restava da etapa do dia. Tinha pensado ir a Miranda do Douro antes de finalizar a etapa em Sendim, mas isso seriam mais 30km, do que seguir directamente de Vimioso para Sendim. Com alguma tristeza, mas sabia que tinha de ser assim, tive de ir pela opção mais curta, o tempo invernal e chuvoso não dava para grandes aventuras. Assim que sai do restaurante, não estava a chover e pensei “bem, agora vai ser mais tranquilo”, passados 30 segundos ( não estou a exagerar), começou novamente a chover.

Entre Vimioso e Sendim, foi sempre a chover torrencialmente (sei que estou sempre repetir chuva, mas é uma imagem que não me sai da cabeça), circulei por estradas secundárias, por um trajecto dado pelo pessoal do restaurante, foram muito amáveis, mas houve alguma coisa que falhou e dei por mim num local onde de certeza que não era por ali, quem me safou foi um pastor (estes pastores trabalham tanto à chuva como ao sol, gente de fibra ), lá segui e pouco depois apanhei o primeiro susto do dia, seguia numa zona de descampado, em uma ligeira subida, apareceu-me um cão mesmo ao lado, com cara de rufia e ar de quem pertence a um gang de cães do pior, apareceu como um fantasma, não ladrou, nada, pensei logo “cão que não ladra, morde”, ele bem que tentou, mas foi acelerar com se não existisse amanhã, foi mesmo até me saltarem quase os músculos das pernas, ainda por cima a subir e já quase com 100km feitos, passados uns segundos, que me pareceram horas,ele lá desistiu.

Ainda não estava bem refeito do susto e vejo um ajuntamento de para aí 50 bovinos Mirandeses a caminhar paralelamente a mim, para quem nunca os viu, são gigantes. Apesar do tamanho, não se passa nada com estes bichos, até estava a gostar, até que eles, ou melhor, o dono deles decidir que tinham de atravessar a estrada em que circulava. Foi um misto de emoções, era um acontecimento bem engraçado de ver, já que eles entravam em seguida num campo de futebol abandonado e assim que se viam no campo desatavam a “correr”, lembrei-me logo do filme Dança com Lobos, que vi centenas de vezes na minha infância (para terem uma noção, eu estou a comparar estes bois com búfalos, agora imaginem o tamanho), mas a imagem bonita foi-se depressa, estava parado no meio da estrada sem qualquer abrigo, chovia muito, estava um frio do Natal e o meu corpo cada vez mais frio, só pensava “mais 2 minutos, ainda entro em hipotermia”, mas eles lá passaram e foi acelerar para aquecer. Passados 5 minutos estava em Sendim. Tinha mais de 100km nas pernas, sempre a subir e a descer (esta malta não sabe o que é o plano) e também descobri porque chamam a este território de Terra Fria (imagino como será no Inverno).

Assim que cheguei a Sendim, procurei um abrigo para me orientar até ao Alojamento onde iria ficar a dormir. O abrigo foi umas bombas de abastecimento, onde perguntei a 3 locais onde ficava o Curral de L Tiu Pino. É engraçado, as pessoas são tão simpáticas por aqui e tinham tanto desejo em me ajudar, que acabaram a discutir qual seria o melhor caminho para mim e eu cheio de frio, a olhar, mas tive que me rir. Após uns minutos, lá chegámos a uma conclusão, ficava a apenas 500 metros de onde estava, bem no centro da Vila, não tinha muito que enganar.

Cheguei ao Curral de L Tiu Pino, uma antiga casa tradicional agrícola reconvertida em Turismo de Habitação, com um restaurado lagar primitivo com mais de 300 anos de história. Ao chegar liguei ao Professor António Carção, proprietário do Alojamento, a anunciar a minha chegada. Atende-me com voz de atrapalhado, resultado, estava a cortar o cabelo. Mais uma vez comprovei a simpatia destas gentes, abandonou o corte de cabelo, em 1 minuto estava ao pé de mim, mostrou-me a sua “casa” e fez-me sentir como se fosse minha. A minha preocupação com o “alojamento” da minha bicicleta, também terminou ali, quando o Professor me disse ” Podes levar a bicicleta para o pé da tua cama se quiseres, mas se a deixares na rua ninguém mexe, nós aqui temos uma máxima, quando alguém bate à porta, nós dizemos entre e depois é que perguntamos quem é!”, mais uma vez senti-me em casa.

Sendim é uma Vila bastante simpática, nota-se que tem algum movimento e uma economia interna superior a muitas sedes de concelho por onde passei. Após me instalar no meu alojamento, a minha preocupação foi secar a minha roupa, que dizer que estava ensopada era favor. O Professor António, recomendou-me um restaurante e combinou comigo um café em seguida, para trocarmos umas ideias. E assim foi, é uma figura muito simpática. Senti-me bem em Sendim, era o final de dia que precisava, depois de uma jornada dura.

Dia 2 – 14/10/2014  Sendim – Murça do Douro

 

 

Começo o dia com uma corrida até à janela. Não estava a chover. Corro até ao aquecedor. A roupa estava seca. O dia estava a começar bem.

Apesar de não estar a chover, estava um frio seco, daquele que atravessa a pele e entra nos ossos. Saio de Sendim, com uma dezena de bons dias dados, as pessoas por são realmente simpáticas (ou tive sorte no dia). Após os primeiros quilómetros, notei logo a mossa que o dia anterior me tinha provocado. Tinha as pernas pesadas e quando as pernas dão essa indicação à cabeça, ela rapidamente espalha a noticia pelo resto do corpo. No seguimento do dia anterior, o plano é coisa rara para estes lados ou se sobe ou se desce, foi em sofrimento que cheguei a Mogadouro. Assim que chego a Mogadouro, sou logo presenteado com um olá, era um dos rapazes que no dia anterior me deram indicações na bomba de abastecimento em Sendim. Paro um pouco num banco de jardim, vejo os locais a circularem, nas suas tarefas comuns do dia.

Sigo para Sul, em direcção a Torre de Moncorvo, mas até lá ainda tinha muito que pedalar. As paisagens por aqui são lindíssimas, ainda me encontrava no Parque Natural do Douro Internacional. Até Torre de Moncorvo, seria uma viagem bastante isolada, passava por pequenas aldeias, onde existam mais casas que gente (e existam poucas casas). Exista uma figura humana comum, a cada entrada ou saída de aldeia, o pastor. São um figura mítica desta região. Uns mais velhos outros mais novos, todos com uma expressão carregada, o tempo para esta gente demora mais a passar. Não os invejo, mas admiro-os. Todos eles têm pelo menos duas coisas em comum. A primeira, são bastante simpáticos e sempre prontos para dois dedos de conversa. A segunda, todos eles têm cães e todos os cães pensam que os gajos das bicicletas são o diabo, ainda não refeito do encontro com o cão mal encarado do dia anterior, passei a adotar um táctica, que se mostrou infalível. Cada vez que avistava um pastor (eles andavam sempre junto à estrada, deve passar um carro muito de vez em quando por aquelas estradas), ainda não tinha chegado ao pé dele, já estava a falar com ele, ele sempre muito simpático vinha ao meu encontro, passados 30 segundos de conversa, o cães de guarda já me viam como amigo do dono, deixava automaticamente de ser o diabo, acabava por juntar o útil ao agradável, já que também gosto de conversar e perante quase total isolamento, ainda mais. Curiosamente, muitos deles conheciam Abrantes, a maior parte devido ao “triângulo” Abrantes, Santa Margarida e Tancos, muitos deles fizeram tropa por aqui.

Muito raramente, quando faço a pergunta a um local “o caminho a seguir é muito a subir?”, me responde com verdade (quer dizer, para eles é verdade, só que devem te-lo feito de carro), quase todos me lançam um “oh isso é sempre a andar”, quase sempre, a seguir vem uma subida de grandes dimensões. Por aqui, aconteceu o contrário, numa das conversas “pastoris”, lancei a pergunta da praxe, resposta “oh meu amigo você tem muito que sofrer!”. Confesso que desejei que ele fosse como outros, que não estivesse a ver bem as coisas, mas ele estava certo, que subidas meu Deus.

Sempre a subir, até que em Carviçais, onde parei para um almoço volante, encontrei a antiga Linha do Sabor, hoje transformada em Ecopista do Sabor. Sabia que a partir dali, a coisa seria mais ou menos plana. Assim foi, uns quilómetros mais a frente paro num café em Carvalhais. Aí troco, mais uma vez, palavras com um antigo soldado do Quartel de Abrantes, (este não era pastor) com grande cara de admiração, me disse “Meu amigo não sei como é capaz!” (senti um pouco de orgulho). Volto à pergunta da praxe ” Para Torre de Moncorvo como é?”, ao que o senhor me respondeu “Meu amigo não queira voltar de lá para cá, é sempre a descer!”, e assim foi, num instante cheguei a Torre de Moncorvo.

Ao chegar a Torre Moncorvo, já estava ansioso pelo que vinha aí, iria apanhar o curso do rio Douro. Eu adoro rios e toda a sua cultura associada, toda a vida vivi a poucos metros do rio Tejo e hoje quase que o vejo como um velho amigo. O rio Douro, neste troço alia uma paisagem belíssima e toda uma cultura de vinhos com centenas de anos de história. O aliar da tarefa cumprida, já que a dificuldade da etapa já tinha ficado para trás, a uma paisagem deslumbrante (acho que deslumbrante é pouco), aqueceu-me o coração (mesmo), esqueci subidas, frio e chuva. De Torre de Moncorvo para o rio Douro é mais uma descida de largos quilómetros (o que ajudou à festa), passando pela foz do rio Sabor.

A primeira grande quinta que me aparece em vista, é a Quinta do Vale do Meão, com hectares vinha a perder de vista, cuidadosamente alinhado nas encostas do rio, quase como se de uma pintura se tratasse. Só pensei, “beber um vinho daquelas uvas, sentado no meio da vinha e olhar para rio, deve ser fabuloso”. Aquela Quinta foi outrora pertença de D. Antónia Adelaide Ferreira, mais conhecida como Ferreirinha (até teve direito a uma série da RTP), hoje ainda pertence à família e dizem, nunca provei, mas gostava, possuir vinhos de muitíssima qualidade. Para mim, um bom vinho, ou melhor, ter prazer em beber um vinho, é sobretudo o aliar de uma bebida cuidada a uma boa história, aquela frase popular de que um vinho é mais que uma bebida, para mim faz sentido. Esta Quinta do Vale do Meão faz história desde 1877, um vinho seu vai-me saber bem com certeza.

Fiquei mesmo rendido ao Douro (a voltar, em exclusividade). Fiquei tão rendido, que queria aproveitar o máximo, no pouco do dia que me restava. Ao chegar a Pocinho, atravessei o Douro para a margem sul e ai dei de caras com a estação de comboios do Pocinho, verifiquei no meu mapa, era possível fazer o percurso entre duas estações de comboio sem me desviar muito do meu traçado. Fazer a linha do Douro de comboio, é por si só uma experiência, já que circula entre o rio e a vinha, promovendo vistas que de outra maneira seriam impossíveis de experienciar. Cheguei à estação do Pocinho, perguntei a um funcionário da CP se dava para levar a bicicleta no comboio, ele respondeu-me que não. Pensei “lá o Douro vai ficar para trás!”, mas o funcionário continuou a olhar para mim e lá me perguntou “o amigo vem de onde?”, e eu “de Bragança”, olhou-me com outros olhos e perguntou “e vai para onde?”, e eu “para Abrantes”, ele soltou rapidamente um “valha-me Deus!” e perguntou novamente “vai até que estação?”, e eu “só até à próxima”, num segundo ele retorquiu “então entre no comboio, que eu também sou ciclista”, mais um bocadinho de Douro conquistado.

Andei apenas 3, 4 minutos de comboio até à estação de Freixo de Numão. Correspondeu e em boa hora o fiz. É digno de ser vivido, que paisagem. Mas acabou rápido, era tempo de voltar à bicicleta e dizer um até já (para uma próxima viagem) ao Douro. Mais uns quilómetros e cheguei a Murça do Douro, pequena aldeia do Concelho de Vila Nova de Foz Côa, onde iria ficar a dormir, no Bairro do Casal.

Em Murça do Douro encontrei um ambiente acolhedor de uma aldeia típica do interior. O Bairro do Casal ficava lá no cimo da aldeia (tive de saltar da bicicleta, antes que o “motor” desse de si). Ao subir até ao cimo da aldeia, de bicicleta na mão, mais uma vez os locais foram bastante simpáticos comigo, encorajando-me para os metros finais. O Bairro da Casal foi umas das mais agradáveis surpresas da viagem (fiquei encantado), é o conjunto de 5 casas recuperadas, numa espécie de condomínio rural, com uma área em comum, com jardim, sauna e piscina, com vista para a serra (já disse que fiquei encantado). E como se não bastasse, mais uma vez fui recebido como se tivesse chegado a casa, com direito a bolo caseiro e tudo (estava quase tão bom como o da minha Mãe). Fiquei instalado na Casa da Aida, tomei um banho e a fome apertou, aqui nasceu um problema, o bolo era muito bom, mas precisava de “combustível” ou proteína e não existia qualquer restaurante ou mercado na aldeia. Aqui como anjo, entra a D. Odete que já me tinha recebido muito bem e prontificou-se a levar-me ao restaurante mais próximo (voltei para junto do Douro). Lá jantei, conversei e voltei para a “minha” casa.

Dia 3 15/10/2014 Murça do Douro – Trancoso

 

 

Acordei, fui à janela e o dia estava…(parecia um pesadelo)

Chovia sem parar, estava frio e o pior, estava muito vento, vindo de Sul para Norte, ou seja, ia levar com ele na cara.

Adiei a minha partida o máximo que consegui ( para além do mau tempo, também me estava a custar abandonar a minha casinha no Bairro do Casal ), na esperança que o tempo melhorasse. Era meio dia e não podia aguentar mais, apesar de esta ser a etapa mais curta, cerca de 50km, era a mais inclinada, já que era sempre a subir até Trancoso, mesmo às portas da Serra da Estrela.

Lá segui, despedi-me da boa gente do Bairro do Casal e fiz-me à estrada, em direcção à aldeia de Freixo de Numão. Foi sempre a subir, estrada serpenteada, com se fosse subindo degrau a degrau, deixando para trás o Norte do País. Aqui já a paisagem, os recursos, até as pessoas eram diferentes, é nisto que viajar de bicicleta marca pontos, as mudanças são feitas lentamente, e via e sentia isso na perfeição.

Os quilómetros passavam lentamente (até cheguei a pensar que o GPS estava avariado), aumentava a altitude e o tempo piorava. Passei por algumas aldeias nos primeiros quilómetros, pareciam desertas (com o tempo assim, em casa ao aquecedor é que se está bem). Sempre que via uma paragem de autocarro ou alguma espécie de abrigo parava um pouco, até porque não sabia quando iria encontrar o próximo e todo o tempo “longe” da chuva e vento sabia como ouro.

Algumas vezes passavam por mim carrinhas de caixa aberta e quase sonhava acordado, com o condutor a parar e a dizer “o senhor viajante por acaso vai para Trancoso e por acaso não quer uma boleia nesta carrinha onde não chove e que tem aquecimento”, depois levava com uma rabanada de vento e acordava. Adoro viajar, conhecer pessoas novas, lugares novos, viajar de bicicleta, mas em dias como este, o desejo era parar e dizer “já chega, quero chegar com saúde a casa!”. O vento cada vez estava mais forte, até mesmo quando (muito raro) apanhava uma descida tinha de pedalar, simplesmente não me deixava andar. Mas devagar, devagarinho lá ia ultrapassando os quilómetros.

Cheguei e parei em Mêda, a maior localidade, intermédia, desta jornada. Cada vez mais alto, cada fez mais a paisagem se aproximava com a paisagem típica da Serra da Estrela. Continuei a parar em cada a abrigo, agora as paragens de autocarro eram autênticos bunkers, sempre com vestigios de antigas fogueiras, provavelmente de alguém numa situação parecida com a minha. Com mesmo muito sofrimento, lá cheguei a Trancoso.

Foi um alivio imenso que senti, quando avistei Trancoso, esta jornada parecia interminável e temi seriamente por mim, e também pelo sucesso de toda a viagem. Foi o dia que mais sofri de todas a viagens que já fiz. Mas o nosso corpo e o nosso cérebro são fabulosos (quem inventou isto, fê-lo bem), quando passava pelo centro Trancoso, já longe de um autêntico “cabo das tormentas” que ultrapassei, parecia que quase nada se tinha passado. Desfrutava, apesar da chuva, das vistas que a cidade de Trancoso me oferecia. Mas o tempo não dava para muito mais e encaminhei-me para o Hotel Turismo de Trancoso. Mais uma vez (tenho muita sorte), fui muito bem recebido. Apesar de este ser um alojamento muito mais “industrializado”, em comparação com os meus alojamentos anteriores, senti o mesmo calor humano por parte de quem me recebeu (até me emprestaram um aquecedor para secar a minha roupa, que apesar dos esforços, não secou de tão molhada que estava). Continuava a chover e já não sai do Hotel, jantei no restaurante do hotel e segui directamente para a cama. Estava exausto. Tive pena de não sair, para conhecer melhor Trancoso. Pareceu-me uma cidade bem interessante, envolvida por uma muralha e pertencente à rota das Aldeias Históricas. Mais uma vez foi fundamental a qualidade do alojamento, para recuperar o corpo e a mente, o Hotel Turismo de Trancoso cumpriu o seu papel na perfeição.

Dia 4 – 16/10/2014  Trancoso – Seia

 

 

Acordei. Olhei para janela com algum medo. A chuva estava de folga hoje. O frio e vento continuavam, mas muito menos vento que no dia anterior. Estava cansado, o dia de ontem tinha sido terrível, acho que até mais para a cabeça que para o corpo. Senti-me um pouco triste por não ter aproveitado o dia, as localidades, as pessoas, devido ao terrível temporal que apanhei. Caso não tivesse um calendário a cumprir (tinha de chegar no meu dia de anos a casa), em dias como o de ontem, mais vale não tocar na bicicleta, ficar no local onde estava e partir no dia seguinte. Mas já tinha passado e ainda tinha muitos quilómetros para percorrer.

Despedi-me da boa gente de Trancoso e segui em direcção a Celorico da Beira, que ficava numa espécie de cova entre Trancoso e a Serra da Estrela. Portanto seria sempre a descer. Faço os primeiros quilómetros, estranho a ausência de indicações para Celorico, estranho também a paisagem e o facto de estar a subir. Decidi parar, algo não batia certo, confirmei o mapa, caminho errado. Mais 6 quilómetros para lá, mais 6 quilómetros para Trancoso, 12 quilómetros enganado. Curiosamente, nem pensei muito no erro, voltei tranquilo (podia bem ter sido um bicho de 7 cabeças, ainda bem que não foi). Encontrei o caminho certo, sempre a descer para Celorico, fiz 20km num abrir e fechar de olhos. Ontem tanto que me custou cada 2km.

A etapa de hoje ainda estava um pouco em aberto, uma vez chegado a Celorico, poderia seguir pelo lado da Guarda, poderia subir a Serra da Estrela (está chegou a ser a hipótese mais forte, na preparação da viagem), ou seguir pelo lado de Seia. Pela a Serra ficou logo excluído, estava demasiado frágil, para tamanha dificuldade e o mau tempo continuava na Serra. A hipótese de seguir pela Guarda, era a mais interesse em termos culturais, mas com um desnível acumulado considerável e como não estava bem, decidi pela hipótese mais plana, seguir em direcção Seia e contornar a Serra pelo lado do Mar. Hoje consigo, friamente, dizer que foi a melhor opção. As viagens solitárias, ou melhor, o seu sucesso depende muito de boas decisões no terreno, ter mais que um plano é fundamental, conhecer o teu corpo e os teus limites é decisivo.

Seguia pela encosta da Serra em direcção a Gouveia. Aqui para além da paisagem ser completamente diferente, onde notei maior diferença foi no movimento à minha volta. Passei praticamente 3 dias isolado na estrada, aqui havia muito mais gente, muito mais carros, muito mais acção. Por um lado, gosto do isolamento, sem barulho, só eu, as árvores e os pássaros, mas por outro lado já sentia falta de calor humano. Esta jornada apesar de umas inclinações, não tinha nada a ver com os dias anteriores, era tudo aquilo que as minhas pernas e o meu corpo todo, precisavam.

No dia de hoje, a vinha também foi paisagem constante, estava na região demarcada do Dão. Não tem a beleza e o charme da vinhas do Douro, mas é sempre uma boa companhia. De um lado a vinha, do outro lado a imponente Serra da Estrela, não me podia queixar das vistas. Seguia a bom ritmo (não ia a abrir, mas seguir sem parar, é considerado bom ritmo).

Chego a Seia. Começa a chover. Timing perfeito, até soube bem. Percorro o Centro Histórico e encontro o meu alojamento, o Hotel Seia Camelo. Espaço confortável, com um restaurante ainda melhor. Comi uns medalhões de porco com uma açorda de farinheira, do melhor. Esta etapa saiu por encomenda. Deu para relaxar o corpo e a mente. Sentia-me mais perto de casa, mas apesar da dificuldade, já recordava com alguma saudade o Norte do Pais (marcou-me).

Dia 5 17/10/2014 Seia – Lousã

 

 

Ia para o 5º dia em cima da bicicleta, já me sentia próximo da minha zona de conforto. O dia de ontem tinha sido bem menos pesado. Acordei bem disposto, as pernas pareciam-me bem e tempo estava bonito lá fora. Mesmo assim, não deixava de estar na Serra, estava Sol mas estava frio, mas analisando o que passei nos dias anteriores, estava perfeito.

Sigo em direção a Oliveira do Hospital, continuo a seguir pela encosta da Serra da Estrela. É impressionante como tudo muda, estou no mesmo País e mais é pequeno (mas incrivelmente bonito), para os meus olhos era uma mudança quase em câmara lenta, sentia a mudança, esta viagem era feita de pequenas fronteiras.

A saída foi feita a subir, mas sinceramente nem me custou muito, sentia-me bem. Ia aproveitando as últimas vistas para a Serra. Fiz os primeiros 20km a desfrutar. Ia passando por várias pequenas aldeias, até que vi uma espécie de Oásis no deserto. Desde de Bragança que me apetecia comer uma pizza, já no dia anterior andei à procura de uma pizzaria (em vão), até já cantava canções do Marco Bellini enquanto pedalava, de tanto pensar nesse famoso prato Italiano (a cabeça é tramada). Pois bem, em Catraia de São Paio, no meio do nada, encontrei a Pizzaria L’Artista, nem pensei UMA vez, parei logo. Com diriam uns amigos meus, “foi mel!!” (ou seja, soube-me muitíssimo bem). A juntar a isso, o pessoal da Pizzaria era muito castiço e com alguma dificuldade me fui embora (demorei lá tanto tempo, que quase dava para lanchar).

Lá segui, feliz da vida. Sabia também, que mais ou menos a partir de ali, o terreno seria bastante favorável (a descer, quero eu dizer). Quase sem dar por ela, já tinha feito mais 50km. Pensava no que já tinha passado, pensava muito nos meus Pais e na Liliana (acho que lhes dei algumas preocupações), sentia a falta deles (muitas vezes, em cima da bicicleta o tempo passa muito mais devagar, para o bom e para o mau sentido), também sentia que estava a chegar o dia dos meus anos e que estava a ficar velho, sentia o apoio dos meus amigos, sentia que tinham algum orgulho em mim e que estavam desejosos que eu chegasse (mais que não fosse para fazer uma festa). Andar e viajar de bicicleta, é muito mais que pedalar.

Enfim, chegava à parte mais difícil do dia, tinha um braço da Serra da Lousã entre mim e a cidade da Lousã e tinha de o ultrapassar. Como não existia nenhum túnel (ainda espreitei) lá tive que subir a Serra. Era inclinado, era. Era difícil, era. Custou-me muito, epá nem por isso. Subia um pouco e tirava umas fotos. Subia um pouco e bebia água nas fontes que me apareciam. Subia um pouco, via alguém e parava para conversar. Quanto dei por mim, já estava no topo da Serra.

Depois foi quase sempre a descer até à Lousã. Descobrir onde ficava a Pousada da Juventude e pedalar para lá. Cheguei à Pousada, tudo fechado. Pensei “querem ver que isto está mesmo fechado!”, lá dei umas voltas ao edifício, já a fazer contas para ficar noutro sítio. Até que empurrei ou me encostei a uma porta e ela abriu, entrei para a Pousada, nem viva alma, mas como estava tudo muito limpinho, abandonado não estava e pensei “bem, mesmo que não venha ninguém, ajeito-me bem aqui sozinho”. Resultado final, só havia recepção a partir das 18h00, chegou gente e pernoitei legal na Pousada. Recomendo esta Pousada, bom local para ficar.

Dia 6 18/10/2014 Lousã – Tomar

 

 

Entrava no penúltimo dia desta aventura e no meu último dia com menos de 30 anos. Já me sentia tão próximo, já só pensava em chegar. Sentia que que estava fora há muito, tantas semanas que passam num flash e esta estava a ser vivida quase minuto a minuto, era um dos objectivos.

Saí de Lousã, passei por aldeias, passei por Miranda do Corvo, passei por aldeias, passei por serras, passei por gente na sua labuta do dia e entrei na estrada nacional, um pouco à frente de Penela. Entrei em território conhecido, como estudei em Coimbra, fiz aquele caminho, Coimbra-Tomar-Abrantes, vezes sem conta. Por um lado, entrava na minha zona de conforto, por outro senti que o tinha para descobrir tinha acabado ali. Mas nunca tinha feito aquele percurso de bicicleta, seria certamente um pouco diferente (é mais cansativo) .

Sem necessitar de GPS sabia sempre o nome da próxima localidade. Quando a fome apertou, sabia onde parar. Parei no Restaurante D. Maria, junto às bombas de abastecimento lá do sítio. Comi uma bifana de porco preto, especialidade da casa, muito bom. Tão bom como a bifana foi a conversa com o Sr. João, dono do estabelecimento. Eu falei da minha viagem, ele falou da sua terra e do potencial que tem. Falou do seu mais recente projecto, Quintinha do Casal Ruivo. Mostrou-me uma bicicleta que lhe tinham oferecido. Resumindo, foi muito simpático. São destes momentos, que se fazem grandes viagens.

Lá tive que me por ao caminho outra vez. Antes de chegar a Tomar as pernas deram o primeiro sinal de “vai com calma, que já andas nisto há muitos dias”, foi um misto de dor nas pernas normal e uma dor enviada pelas costas (mochila gigante) para as pernas. Sentei-me um pouco, já conseguia ver o Convento de Cristo, foi só esperar uns minutos e estava operacional.

Cheguei Tomar. Senti que só faltava um pequeno passo. Podia acabar a viagem, mas o objectivo era chegar no dia de anos, tipo etapa de consagração. Fiquei no Hostel 2300 , local que recomendo vivamente, pessoal muito simpático e conceito muito giro. É este o caminho para o nosso território ter mais qualidade.

Mas o ponto chave da minha chegada a Tomar, era que a Liliana vinha jantar comigo. Gostei muito de a ver, sentia a falta dela (acho que ela também já sentia a minha falta, embora a nossa casa de certeza que estava muito mais arrumada). A primeira coisa que ela me disse “não estás mais magro!”. Eu queixei-me muitas vezes, que era duro, que estava mau tempo, que fazia muitos quilómetros, mas nunca me queixei de fome 🙂 (agora a verdade dos factos, no ano passado na Rota do Guadiana, perdi mais de 5kg em 4 dias, como aqui eram 7 dias a pedalar, ela fez as contas e estava à espera de me ver com, aproximadamente, menos 10kg) , vinha quase com o mesmo aspecto e não com aspecto de cão sem almoço.

Jantar, uma voltinha na cidade e dormir. Amanhã era o grande dia.

Dia 7 19/10/2014 Tomar-Rossio ao Sul do Tejo

 

 

30 anos. Eu nasci às 15h15, mas já sentia com 30 anos às 9h da manhã. Estava ansioso por chegar, mas ainda queria desfrutar os últimos quilómetros.

Hoje não iria pedalar sozinho, o meu Pai e os amigos Neo e Rui, iriam-me acompanhar na última etapa. E assim foi, seguia em boa companhia. Isto de pedalar acompanhado, é bem mais fácil, rapidamente as conversas entre pedaladas distraem as pernas e os quilómetros passam sem fazer mossa.

Sentia-me feliz, algumas pessoas perguntam-me se fazer esta viagem era realizar um sonho (a maior parte pergunta-me se é promessa ), eu respondo que não, e bem ao jeito do Cristiano Ronaldo, digo “o meu sonho é dar uma volta ao Mundo” e conhecer o máximo, mas tem que se começar por algum lado e percorrer Portugal bicicleta é super super bom e muito enriquecedor.

Eu dou muito valor ao que é nosso e faz de nós diferentes de um Chinês, por exemplo. Entre portas, também dou muito valor ao que é meu e faz de mim diferente de um Transmontano, por exemplo. Assim, ao descer em direcção à Amoreira e voltar a ver o Tejo, pensei “o Douro é bonito, mas o Tejo para mim é mais”, é a minha casa e para mim, não há no Mundo mais bonita.

Passava a subida do Quartel, última dificuldade da aventura e chegava à cidade que me viu nascer há 30 anos (já nem me lembrava, 30 anos). Sempre a descer até a Alferrarede e ai me esperavam mais meia dúzia de amigos, para fazerem comigo os últimos quilómetros. Era muito bom ver caras amigas 🙂 . Passei a ponte sobre o Tejo e estava em casa. Senti-me tão bem, só por isto valeu a pena todo o frio e chuva que apanhei. Cheguei à sede do Clube Desportivo “Os Patos”, onde me esperava um misto de festa de anos e de fim de aventura, quase todos me deram os parabéns duas vezes. Era tudo o que queria, viver intensamente a última semana antes dos 30 e passar um dia de anos com quem mais gosto, e assim recordar para sempre esta data, de uma forma especial. Fui até Bragança de carro e voltei de bicicleta, pelo meio vi e vivi meio Portugal. Esta aventura já não a repito, mas também já não a esqueço.

Um obrigado gigante a todos os que me apoiaram nesta aventura. Até à próxima!

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