ortiga, a terra que pertence ao tejo.
Ortiga. Freguesia do concelho de Mação, com cerca de 600 habitantes. Fica bem no centro de Portugal, colada o rio que “rasga” o país, o rio Tejo. A história da Ortiga, desde a sua génese, está ligada a este curso de água que carrega histórias quase infinitas. Falar da Ortiga sem falar do Tejo é difícil. Pela sua dimensão, não digo que o Tejo pertença à Ortiga, mas acredito que a Ortiga pertença ao Tejo.
A minha história com a Ortiga é antiga. É um território que me é familiar, quase como está implícito na palavra “familiar”. Para mim, é como aquele primo que só vemos no Natal, do qual gostamos e que é parecido connosco, não só na cara, mas também no feitio. Muito confuso? Eu explico. A minha terra chama-se Rossio ao Sul do Tejo. Numa linha recta, fica a pouco mais de 10 quilómetros da Ortiga. O rio que passa na Ortiga é o mesmo que passa no Rossio, as raízes e ligações ao rio são muito semelhantes. Recordo-me de na minha juventude passar verões a caminhar para a praia fluvial da Ortiga ou a fazer descidas de rio, a começar na Ortiga. Na altura só procurava um refrescante mergulho de Verão ou a adrenalina de uma descida de rio. Não pensava na pesca, na cultura, ou na razão de um povo sob o nome de Ortiga se ter fixado ali. Mas os laços não só se criaram, como permaneceram até hoje. Hoje já com outra visão, olho para a Ortiga com umas das mais bonitas e interessantes aldeias do Tejo. Sim, daquelas que fazem os meus olhos brilharem.
A divisão territorial da Ortiga é muito simples de perceber. Está divida em três polos: a Estação, a Barragem e a Ortiga. A Estação, como o nome indica, é a sub-região onde está a estação de caminhos de ferro. É uma zona de planície, colada ao rio, onde nasceram inúmeras fábricas, com destaque para a fábrica de pimentão, a mais antiga (do sector) do país ainda em atividade. A fácil mobilidade de recursos, facilmente justifica este genuíno ninho de fábricas com vista privilegiada (sim, para o rio). A Barragem, é a sub-região adjacente à Barragem de Belver. Aqui o rio ganha outra vida. Primeiro com o braço de rio, que se encontra com a ribeira de Eiras, e que forma a praia fluvial (sim, aquela da minha juventude). Depois, com um maior espírito pesqueiro, concretizado com o restaurante Lena, que é uma espécie de hino ao peixe do rio. Por fim, a Ortiga, onde está o maior núcleo de habitações do território Ortiga. Numa pequena pesquisa descobri que a origem da palavra Ortiga, nada tem a ver com o rio. Tem origem grega e significa abundância de codornizes. Dizem que foram os Sarracenos, um povo de origem árabe, que colocaram o nome de Ortiga, talvez por existirem muitas codornizes por ali (parece-me meio óbvio). Mas continuo a acreditar que o rio seja a razão principal para os sarracenos (e outros) se terem fixado por ali. O núcleo Ortiga fica no cimo do vale do Tejo, funcionando como uma espécie de miradouro orgânico para rio, que funciona, quase sempre, como pano de fundo em todas as movimentações de planos. A estes três polos, tenho de juntar mais dois, isolados. A Anta da Foz do Rio Frio e a Estação Arqueológica Romana de Vale de Junco. Mais duas pérolas. A Anta da Foz do Rio Frio, localizada num vale com vista para o rio, é um conjunto de pedras cuidadosamente alinhadas formando um circulo e uma espécie de corredor de entrada. A expectável construção da anta remonta ao ano de 3200 a.c. (sim, muito tempo). Já o Vale de Junco, representa em vestígios aquilo foi uma antiga villa romana, mais uma vez com o Tejo como pano de fundo. Muitas histórias, interessantes e diversas, já viveu o Tejo em Ortiga.
A minha história recente com a Ortiga concretizou-se em várias mini-viagens. Como diriam os meus amigos mais velhotes, viagens de Sol a Sol. É engraçado como o embrenhar nas histórias e ligações menos óbvias nos faz conectar com lugares. De uma perspectiva lógica e muito intuitiva, é fácil concluir que a riqueza da relação da Ortiga com o Tejo, muito além da bonita paisagem, se faz com a cultura da pesca. Ao contrário do (meu) Rossio, a Ortiga não tinha um porto ou um cais. Isto voltando atrás no tempo, no tempo em o rio era navegável. Aqui até posso acrescentar um ponto. O rio era navegável entre o Rossio e Lisboa, de uma forma natural. Talvez por isso, a importância do Rossio no que toca a rotas comerciais, por ser o porto do Tejo localizado mais a Este. De Vila Velha de Rodão, já quase junto à fronteira, até à Ortiga, o rio não era “naturalmente” navegável. Um troço mais rochoso, sinuoso e com diferentes correntes. Para ultrapassar a questão navegabilidade, foi construído nesse troço de rio um muro de sirga, quase com uma parede de rocha que servia de apoio aos barcos contra as correntes fortes. Isto há mais de 500 anos. Na Ortiga, junto à Barragem ainda é possível ver vestígios desse muro, envolvido com construções mais recentes, denominadas como pesqueiros. Para além desta curiosidade, não sei se por essa sinuosidade do rio junto à Ortiga, ou se pelas correntes, ou por outra razão que desconheço, sempre foi terra de pescadores e de peixe de rio. Sendo a lampreia, ainda hoje, um dos habitantes do rio mais famosos na gastronomia local. O restaurante Lena, que já mencionei, é um dos especialistas na confecção da Lampreia. Confesso que não sou grande fã, mas existe muito boa gente que considera o Arroz de Lampreia como um dos últimos paraísos na terra. Já os homens do rio, hoje acredito que já não se aproximam dos números do passado, mas ainda existem. O rio está diferente e os tempos são diferentes, e até a forma de pesca é diferente. Voltando ao passado, e talvez à necessidade que adaptação a um rio mais esguio e de correntes fortes, fez da Ortiga terra de calafates, uma espécie de construtores navais de pequena escala e que no caso da Ortiga, mais do que simples construtores, eram criativos. Perceberam o rio e concretizaram um barco único chamado picareto, para concretizar uma diferente forma de pescar à rede. Consigo sonhar com dezenas de picaretos ancorados nas margens da barragem. Uma espécie de viagem no tempo, onde as histórias constroem imagens.
Numa perspectiva menos imediata e longe da cultura pesqueira. Fico ligado vidrado na Ortiga, pelo contraste com a paisagem que a alimenta. Uma floresta que termina no rio. O território de Mação é lugar de densas e sinuosas florestas, quase infinitas. A Ortiga que pertence ao mesmo território das florestas, é um miradouro para o Tejo, um espaço aberto e desafogado. É um contraste entre o verde e o azul, entre denso e o desafogado, e numa perspectiva mais filosófica e abstrata, entre a força da floresta e a gentileza do rio. É um prazer imenso descer da floresta para o rio, quase como o processo inverso a um funil e que para mim, faz da Ortiga um lugar único e incrível. Turisticamente falando, com um potencial imenso.
O Tejo, esse meu familiar abstrato, combina tão bem com a Ortiga. Lá está, como se a Ortiga lhe pertencesse.
Ortiga. Freguesia do concelho de Mação, com cerca de 600 habitantes. Fica bem no centro de Portugal, colada o rio que “rasga” o país, o rio Tejo. A história da Ortiga, desde a sua génese, está ligada a este curso de água que carrega histórias quase infinitas. Falar da Ortiga sem falar do Tejo é difícil. Pela sua dimensão, não digo que o Tejo pertença à Ortiga, mas acredito que a Ortiga pertença ao Tejo.
A minha história com a Ortiga é antiga. É um território que me é familiar, quase como está implícito na palavra “familiar”. Para mim, é como aquele primo que só vemos no Natal, do qual gostamos e que é parecido connosco, não só na cara, mas também no feitio. Muito confuso? Eu explico. A minha terra chama-se Rossio ao Sul do Tejo. Numa linha recta, fica a pouco mais de 10 quilómetros da Ortiga. O rio que passa na Ortiga é o mesmo que passa no Rossio, as raízes e ligações ao rio são muito semelhantes. Recordo-me de na minha juventude passar verões a caminhar para a praia fluvial da Ortiga ou a fazer descidas de rio, a começar na Ortiga. Na altura só procurava um refrescante mergulho de Verão ou a adrenalina de uma descida de rio. Não pensava na pesca, na cultura, ou na razão de um povo sob o nome de Ortiga se ter fixado ali. Mas os laços não só se criaram, como permaneceram até hoje. Hoje já com outra visão, olho para a Ortiga com umas das mais bonitas e interessantes aldeias do Tejo. Sim, daquelas que fazem os meus olhos brilharem.
A divisão territorial da Ortiga é muito simples de perceber. Está divida em três polos: a Estação, a Barragem e a Ortiga. A Estação, como o nome indica, é a sub-região onde está a estação de caminhos de ferro. É uma zona de planície, colada ao rio, onde nasceram inúmeras fábricas, com destaque para a fábrica de pimentão, a mais antiga (do sector) do país ainda em atividade. A fácil mobilidade de recursos, facilmente justifica este genuíno ninho de fábricas com vista privilegiada (sim, para o rio). A Barragem, é a sub-região adjacente à Barragem de Belver. Aqui o rio ganha outra vida. Primeiro com o braço de rio, que se encontra com a ribeira de Eiras, e que forma a praia fluvial (sim, aquela da minha juventude). Depois, com um maior espírito pesqueiro, concretizado com o restaurante Lena, que é uma espécie de hino ao peixe do rio. Por fim, a Ortiga, onde está o maior núcleo de habitações do território Ortiga. Numa pequena pesquisa descobri que a origem da palavra Ortiga, nada tem a ver com o rio. Tem origem grega e significa abundância de codornizes. Dizem que foram os Sarracenos, um povo de origem árabe, que colocaram o nome de Ortiga, talvez por existirem muitas codornizes por ali (parece-me meio óbvio). Mas continuo a acreditar que o rio seja a razão principal para os sarracenos (e outros) se terem fixado por ali. O núcleo Ortiga fica no cimo do vale do Tejo, funcionando como uma espécie de miradouro orgânico para rio, que funciona, quase sempre, como pano de fundo em todas as movimentações de planos. A estes três polos, tenho de juntar mais dois, isolados. A Anta da Foz do Rio Frio e a Estação Arqueológica Romana de Vale de Junco. Mais duas pérolas. A Anta da Foz do Rio Frio, localizada num vale com vista para o rio, é um conjunto de pedras cuidadosamente alinhadas formando um circulo e uma espécie de corredor de entrada. A expectável construção da anta remonta ao ano de 3200 a.c. (sim, muito tempo). Já o Vale de Junco, representa em vestígios aquilo foi uma antiga villa romana, mais uma vez com o Tejo como pano de fundo. Muitas histórias, interessantes e diversas, já viveu o Tejo em Ortiga.
A minha história recente com a Ortiga concretizou-se em várias mini-viagens. Como diriam os meus amigos mais velhotes, viagens de Sol a Sol. É engraçado como o embrenhar nas histórias e ligações menos óbvias nos faz conectar com lugares. De uma perspectiva lógica e muito intuitiva, é fácil concluir que a riqueza da relação da Ortiga com o Tejo, muito além da bonita paisagem, se faz com a cultura da pesca. Ao contrário do (meu) Rossio, a Ortiga não tinha um porto ou um cais. Isto voltando atrás no tempo, no tempo em o rio era navegável. Aqui até posso acrescentar um ponto. O rio era navegável entre o Rossio e Lisboa, de uma forma natural. Talvez por isso, a importância do Rossio no que toca a rotas comerciais, por ser o porto do Tejo localizado mais a Este. De Vila Velha de Rodão, já quase junto à fronteira, até à Ortiga, o rio não era “naturalmente” navegável. Um troço mais rochoso, sinuoso e com diferentes correntes. Para ultrapassar a questão navegabilidade, foi construído nesse troço de rio um muro de sirga, quase com uma parede de rocha que servia de apoio aos barcos contra as correntes fortes. Isto há mais de 500 anos. Na Ortiga, junto à Barragem ainda é possível ver vestígios desse muro, envolvido com construções mais recentes, denominadas como pesqueiros. Para além desta curiosidade, não sei se por essa sinuosidade do rio junto à Ortiga, ou se pelas correntes, ou por outra razão que desconheço, sempre foi terra de pescadores e de peixe de rio. Sendo a lampreia, ainda hoje, um dos habitantes do rio mais famosos na gastronomia local. O restaurante Lena, que já mencionei, é um dos especialistas na confecção da Lampreia. Confesso que não sou grande fã, mas existe muito boa gente que considera o Arroz de Lampreia como um dos últimos paraísos na terra. Já os homens do rio, hoje acredito que já não se aproximam dos números do passado, mas ainda existem. O rio está diferente e os tempos são diferentes, e até a forma de pesca é diferente. Voltando ao passado, e talvez à necessidade que adaptação a um rio mais esguio e de correntes fortes, fez da Ortiga terra de calafates, uma espécie de construtores navais de pequena escala e que no caso da Ortiga, mais do que simples construtores, eram criativos. Perceberam o rio e concretizaram um barco único chamado picareto, para concretizar uma diferente forma de pescar à rede. Consigo sonhar com dezenas de picaretos ancorados nas margens da barragem. Uma espécie de viagem no tempo, onde as histórias constroem imagens.
Numa perspectiva menos imediata e longe da cultura pesqueira. Fico ligado vidrado na Ortiga, pelo contraste com a paisagem que a alimenta. Uma floresta que termina no rio. O território de Mação é lugar de densas e sinuosas florestas, quase infinitas. A Ortiga que pertence ao mesmo território das florestas, é um miradouro para o Tejo, um espaço aberto e desafogado. É um contraste entre o verde e o azul, entre denso e o desafogado, e numa perspectiva mais filosófica e abstrata, entre a força da floresta e a gentileza do rio. É um prazer imenso descer da floresta para o rio, quase como o processo inverso a um funil e que para mim, faz da Ortiga um lugar único e incrível. Turisticamente falando, com um potencial imenso.
O Tejo, esse meu familiar abstrato, combina tão bem com a Ortiga. Lá está, como se a Ortiga lhe pertencesse.
