VIAGEM PELAS ESTRADAS DO DESERTO.

 

Pouco passava das 11 horas, de uma normal sexta-feira em Lisboa. Estava eu dentro do avião da Royal Air Maroc, que me iria levar até Casablanca. Já sentia aquele frenesim típico de início de viagem, de mais uma viagem até Marrocos, país e cultura que tanto gosto. Na verdade, o destino não seria Casablanca, nem outra grande metrópole marroquina. Casablanca seria apenas um ponto de escala. Estava a caminho do Sul de Marrocos, das dunas e do Deserto do Saara.

Existem jet lags tramados, provocados por muitas horas de voo, por grandes diferenças de fuso horário. Enfim, coisas normais para quem viaja. Depois existe aquilo que eu chamo de jet lag de contrastes instantâneo. Lisboa e Casablanca, têm o mesmo fuso horário, distam cerca de 800km, e o voo entre estas cidades pouco mais de 1h de duração tem. Mas esta parca distância, não só separa dois continentes, mas como duas culturas completamente distintas. Se viajarmos 10h de avião, quase que sentimos como normal sentir (perdoem-me o pleonasmo) que estamos a chegar a um Mundo diferente. Mas no caso da viagem Lisboa-Marrocos, muitas vezes, durante o voo, nem um episódio da nossa série favorita temos tempo para ver. Ainda o nosso corpo não se “afeiçoou” à cadeira e já o comandante está a dar indicação de descida. E depois chegar a Casablanca e a Marrocos, é chegar a outra dimensão. Uma dimensão distinta, provocada por cheiros exóticos, língua distinta, posturas e comportamentos bem diferentes, não só do comum português, mas do comum ocidental. O jet lag de contrastes instantâneo voltou a acontecer como era suposto. Passado 1h de viagem, aterrei em Casablanca. Bastou-me colocar a cabeça fora do avião, ainda no meio da pista, para soltar aquele pequeno sorriso de satisfação, típico de quem adora assistir a pequenos pormenores da vida. Não precisava de nenhuma placa a indicar, os meus sentidos já tinham dado o alerta, tinha chegado a Marrocos. Aconselho todos os portugueses a fazerem esta viagem, pelo menos, uma vez na vida. Principalmente para quem viaja com pouca regularidade, e até podem voltar no voo seguinte para Lisboa. Em 1h, vão perceber que não vivem só em Portugal. Vivem no Mundo.Casablanca foi apenas uma escala. O objectivo da viagem era o Sul de Marrocos. Após uma breve visita a Casablanca, embarquei no voo noturno para Errachidia. O escuro da noite dá a primeira noção da dimensão do deserto. Numa comum aterragem, com o aproximar da pista, surgem (pelo menos) uma imensidão de luzes da cidade. Primeiro com contornos, em jeito de mapa (real) gigante. Depois, com o baixar do avião, o tal mapa de luzes, passa de duas dimensões, para três dimensões. Enfim, um maranhal de cores e luzes da cidade (e do aeroporto). Mas aterrar em Errachidia não é assim. É escuro. Tudo escuro. Nem uma pinga de cor. Eram cerca das 10h da noite, quando aterrei, literalmente, numa pista no meio do deserto. O edifício do aeroporto de Errachidia pouco difere de uma pacata estação de comboios do interior de Portugal. No meio de uma anarquia controlada, lá passei pela segurança do aeroporto. Habituado ao comum padrão europeu, no início parece um pouco estranho, mas depois, é com um sorriso que a coisa passa. À nossa espera, no aeroporto, estava Amar Achabou (convém notar, que só em Portugal soube que o Omar afinal se chamava Amar, toda a santa viagem chamei este “rei do deserto” de Omar) e sua equipa, não só para nos levar para Erfoud, onde ficaríamos (sim, comigo seguia um grupo de portugueses (e um espanhol, o simpático Raul). Tudo boa gente) a dormir, mas para nos acompanhar durante toda a viagem. Sorte a minha ou acaso do destino, fiquei no carro (jipe) conduzido pelo Amar. Digo isto porque o Amar veio a revelar-se uma pessoa muito especial. Já encontrei muitas pessoas boas em viagem, mas este Amar, se não está no topo, anda lá muito perto. Não me vou adiantar muito mais, nesta história, sobre o Amar, porque vai ter uma história só para ele (para verem a dimensão desta pessoa, nascida em Merzouga, numa casa com uma porta verde, localizada de frente para a duna de Erg Chebbi).

Cerca de 70km, distam Errachidia de Erfoud. Penso que já passava da meia noite, quando “aterrámos” no Hotel Xaluca. Qual hotel, é um Kasbah! Uma espécie de castelo do deserto, cheio de estilo, que me fez sentir bastante confortável na pele de um imaginário nómada do deserto. É muito fácil, para a minha cabeça, fazer filmes quando se chega a um lugar como este. Nomes como Aladino, Ali Babá ou Lawrence da Arabia, surgem com a mesma facilidade que os meus olhos brilham ao perceberem os pormenores deliciosos deste lugar. Apesar das claras diferenças culturais, arquitectónicas, paisagísticas, linguísticas ou gastronómicas, é incrível a rapidez com que me adaptei e me senti confortável. Penso que com todo o grupo que seguia comigo se passou o mesmo. Existem sentimentos e processos difíceis de explicar, para muitos penso nem vale a pena estar a procurar uma explicação. Mas neste caso, acho que se deve mesmo às pessoas. São tão amáveis, tão cordiais no trato, que me fizeram rapidamente sentir confortável e em segurança, na sua casa e no seu, diferente, país. Entre voos, aeroportos e emoções, nem me lembro de estar acordado na cama. Sono profundo, qual carregador de bateria.

Na manhã seguinte, foi acordar cedo, preparar a mala, tomar o pequeno almoço, passear um pouco pelo kasbah, colocar a mala do jipe, check out e despedidas. Sem andar a correr, mas numa espécie de velocidade cruzeiro. O dia estava muito bonito, sem estar muito frio, nem muito calor. Estava uma espécie de clima típico de Primavera. Este dia iria terminar em Merzouga e no programa do dia especificava algo como “dia dedicado ao deserto”, com uma breve referência às “pistas utilizadas na passagem do Dakar”. Confesso que pensei que iríamos sair da estrada “alcatroada”, andar um bocadinho em terra batida, os guias diriam algo do tipo “aqui passava o Dakar” e depois voltaríamos para o alcatrão, e seguiríamos para Merzouga. Não poderia estar mais enganado. Fizemos todo o caminho pelo deserto. Incrível.

Não sei se é pela diferença, se pela grandeza, se pelo estado puro em se encontra, se por tudo isto misturado, ou se por mais alguma coisa que não consigo mencionar. O deserto possuí um encanto quase magnético. Entre o vento, o cheiro a terra seca e o horizonte a perder de vista, existe algo muito especial, que faz o tempo passar mais devagar e nos liga aquele lugar, e aquele momento, de uma forma quase arrebatadora. É muito mais do que simplesmente admirar uma paisagem bonita e diferente. É algo que se sente na pele. Agora percebo, com mais profundidade, a paixão assolapada de muitos aventureiros pelo deserto. Percebo o fascínio pela travessia e da conquista do deserto, que acredito também que tem tanto de belo como de traiçoeiro. Nunca me aventuraria por ali sozinho. Acho que esse limite muito ténue entre o perigo e o belo, também traduz um pouco do lado sedutor deste lugar. Depressa as estradas deixaram de existir, seguíamos por um enorme campo aberto. Muitas vezes, os jipes circulavam lado a lado, mas com centenas de metros de distância entre eles. O Amar não seguia com base em informações do Google Maps ou de outro sistema de GPS, seguia orientado com base em outros pequenos pormenores que fugiam ao meu olhar e à minha percepção. Estava deliciado da vida. Vidro aberto, sorriso na cara e vento na cabeça. Tudo isto, deserto fora.

Por vezes, no meio da imensidão do deserto (é engraçado escrever deserto, e estar-me a referir mesmo ao deserto…tantas vezes que utilizo a palavra como metáfora?), lá surge uma cabeça. Ficava sempre na dúvida entre a miragem e a realidade. Muitas vezes, com o surgir do tronco e membros, e o adjacente movimento. Confirmava. “aquilo é uma pessoa! Que raio esta a fazer, a andar sozinha no meio do deserto?”. É, para mim, absolutamente incrível alguém, não só viver, como sobreviver ali. Depois lá o Amar explicava, que eram nómadas berberes, que viviam em tendas, que não se fixavam em nenhum lugar, e sobreviviam daquilo que a terra lhes dava e dos animais que criavam. Na minha cabeça, continua a ser impossível sobreviver ali. Durante o caminho, parámos numa aldeia berbere, com casas feitas de terra, e numa tenda berbere, para beber um chá com a família que ali vivia. Bem, o impossível deixou de ser impossível. Eles pareciam-me felizes da vida. Talvez o impossível, seja mesmo só para mim. Na aldeia berbere, muito mais do que na tenda (talvez porque já estavam preparados para nos receber), já me pesou muito mais a realidade. Quando parámos na aldeia, começaram a aparecer miúdos de todo o lado, quase todos com camisolas de clubes de futebol, e nem era para nos pedirem ou venderem nada, era simplesmente para nos dizerem adeus, para nos cumprimentarem. Todos com aquele sorriso de criança, que parte sempre o coração a quem tem coração. É claro que o meu olhar congelou várias vezes a olhar para estes miúdos, com vontade de perguntar se estão mesmo bem, se precisam de alguma coisa. Talvez o mal esteja no meu olhar, habituado a ver outras coisas e a assumir como certo, diferentes coisas. Quando saímos da aldeia, parámos uns 3, 4km mais à frente para ver umas escavações de fósseis que ali existem. Sim, é impressionante pensar que este imenso e seco deserto outrora foi mar. Mas o que mais me impressionou, foi ver um miúdo, já com uns 13, 14 anos, com quem tínhamos estado na aldeia, que nem 5 minutos depois de pararmos os carros, já estava ao pé de nós. De chinelos, veio a correr atrás dos carros, com uma mala cheia de pedaços de fósseis para vender. Impressionante e para mim, emocionante. É claro que lhe comprei um fóssil. É claro que nem regateei o preço, coisa que tanto gosto de fazer.

Estava tão deliciado com estava viagem, com o que estava a ver e a viver, que nem pensava em comer. Tinha a certeza que não existia nenhum restaurante por ali, mas também não me preocupei muito em como o iria fazer. Por breves segundos pensei “bem o Amar deve trazer umas sandes” e paramos para comer. Qual sandes? Paramos no oásis de Tissardmine para um verdadeiro banquete do deserto (antes o Amar ainda nos tentou (ou pregou) pregar uma partida, com uma alegada falta de comida mas essa história fica para outra história). Uma espécie de buffet de tagines,entre palmeiras e lençóis de água. Esta coisa dos contrastes é deveras admirável. Mais uma vez, recebidos como reis. E esta gente nem sabe que eu tenho um blog, e que tenho não sei quantos seguidores, e que a minha conta de Instagram é bonita. Isso é coisa de outro Mundo. Para eles sou, simplesmente, uma visita. E como tal tenho de ser bem recebido. Muito bem recebido. Fácil e encantador.

Com o aproximar do final do dia, deixámos as estradas compactas e entrámos nas dunas. Estávamos na majestosa Erg Chebbi. As grandes dunas de Merzouga. Deixámos os jipes, e o transporte passou a ser o icónico dromedário. Caminhávamos lentamente para um verdadeiro anfiteatro de pôr do sol. Assistir ao pôr do sol no deserto, nas dunas, atinge aquele patamar muitas vezes apelidado de beleza poética. É tão gracioso, que o Sol, o gigante Sol, faz parte “só” daquele cenário. Parece que foi feito só para aquelas dunas, tal é a perfeição e até uma certa leveza com que encaixam um no outro. Num ápice dou por mim a pensar na vida e na sorte que tenho, para aquilo que escolhi ser a minha vida. Acredito que somos do tamanho das nossas histórias e das nossas memórias. E finalizar o dia assim, depois de tudo o que já tinha visto e vivido, é muita sorte, quase como me sentir de certa forma abençoado. Não por ser de alguma forma especial, mas por conseguir valorizar estes pequenos, grandes momentos de uma beleza que tem tanto de rara, como de crua e genuína.

Numa estrada que não é uma estrada. Fiquei (ainda) mais preso a Marrocos. No bom sentido da palavra preso. Aquele sentido que está relacionado com admiração, afeto e respeito. Marrocos, e o seu deserto, é um lugar especial.

(ah!!…no final disto tudo, ainda fui jantar num acampamento (assim ao estilo luxo) no meio de deserto, ao melhor estilo dos banquetes que estava habituado a ver nos filmes. Sim, nesta parte sou mesmo um sortudo).

 

Pouco passava das 11 horas, de uma normal sexta-feira em Lisboa. Estava eu dentro do avião da Royal Air Maroc, que me iria levar até Casablanca. Já sentia aquele frenesim típico de início de viagem, de mais uma viagem até Marrocos, país e cultura que tanto gosto. Na verdade, o destino não seria Casablanca, nem outra grande metrópole marroquina. Casablanca seria apenas um ponto de escala. Estava a caminho do Sul de Marrocos, das dunas e do Deserto do Saara. 

Existem jet lags tramados, provocados por muitas horas de voo, por grandes diferenças de fuso horário. Enfim, coisas normais para quem viaja. Depois existe aquilo que eu chamo de jet lag de contrastes instantâneo. Lisboa e Casablanca, têm o mesmo fuso horário, distam cerca de 800km, e o voo entre estas cidades pouco mais de 1h de duração tem. Mas esta parca distância, não só separa dois continentes, mas como duas culturas completamente distintas. Se viajarmos 10h de avião, quase que sentimos como normal sentir (perdoem-me o pleonasmo) que estamos a chegar a um Mundo diferente. Mas no caso da viagem Lisboa-Marrocos, muitas vezes, durante o voo, nem um episódio da nossa série favorita temos tempo para ver. Ainda o nosso corpo não se “afeiçoou” à cadeira e já o comandante está a dar indicação de descida. E depois chegar a Casablanca e a Marrocos, é chegar a outra dimensão. Uma dimensão distinta, provocada por cheiros exóticos, língua distinta, posturas e comportamentos bem diferentes, não só do comum português, mas do comum ocidental. O jet lag de contrastes instantâneo voltou a acontecer como era suposto. Passado 1h de viagem, aterrei em Casablanca. Bastou-me colocar a cabeça fora do avião, ainda no meio da pista, para soltar aquele pequeno sorriso de satisfação, típico de quem adora assistir a pequenos pormenores da vida. Não precisava de nenhuma placa a indicar, os meus sentidos já tinham dado o alerta, tinha chegado a Marrocos. Aconselho todos os portugueses a fazerem esta viagem, pelo menos, uma vez na vida. Principalmente para quem viaja com pouca regularidade, e até podem voltar no voo seguinte para Lisboa. Em 1h, vão perceber que não vivem só em Portugal. Vivem no Mundo.Casablanca foi apenas uma escala. O objectivo da viagem era o Sul de Marrocos. Após uma breve visita a Casablanca, embarquei no voo noturno para Errachidia. O escuro da noite dá a primeira noção da dimensão do deserto. Numa comum aterragem, com o aproximar da pista, surgem (pelo menos) uma imensidão de luzes da cidade. Primeiro com contornos, em jeito de mapa (real) gigante. Depois, com o baixar do avião, o tal mapa de luzes, passa de duas dimensões, para três dimensões. Enfim, um maranhal de cores e luzes da cidade (e do aeroporto). Mas aterrar em Errachidia não é assim. É escuro. Tudo escuro. Nem uma pinga de cor. Eram cerca das 10h da noite, quando aterrei, literalmente, numa pista no meio do deserto. O edifício do aeroporto de Errachidia pouco difere de uma pacata estação de comboios do interior de Portugal. No meio de uma anarquia controlada, lá passei pela segurança do aeroporto. Habituado ao comum padrão europeu, no início parece um pouco estranho, mas depois, é com um sorriso que a coisa passa. À nossa espera, no aeroporto, estava Amar Achabou (convém notar, que só em Portugal soube que o Omar afinal se chamava Amar, toda a santa viagem chamei este “rei do deserto” de Omar) e sua equipa, não só para nos levar para Erfoud, onde ficaríamos (sim, comigo seguia um grupo de portugueses (e um espanhol, o simpático Raul). Tudo boa gente) a dormir, mas para nos acompanhar durante toda a viagem. Sorte a minha ou acaso do destino, fiquei no carro (jipe) conduzido pelo Amar. Digo isto porque o Amar veio a revelar-se uma pessoa muito especial. Já encontrei muitas pessoas boas em viagem, mas este Amar, se não está no topo, anda lá muito perto. Não me vou adiantar muito mais, nesta história, sobre o Amar, porque vai ter uma história só para 

ele (para verem a dimensão desta pessoa, nascida em Merzouga, numa casa com uma porta verde, localizada de frente para a duna de Erg Chebbi). 

Cerca de 70km, distam Errachidia de Erfoud. Penso que já passava da meia noite, quando “aterrámos” no Hotel Xaluca. Qual hotel, é um Kasbah! Uma espécie de castelo do deserto, cheio de estilo, que me fez sentir bastante confortável na pele de um imaginário nómada do deserto. É muito fácil, para a minha cabeça, fazer filmes quando se chega a um lugar como este. Nomes como Aladino, Ali Babá ou Lawrence da Arabia, surgem com a mesma facilidade que os meus olhos brilham ao perceberem os pormenores deliciosos deste lugar. Apesar das claras diferenças culturais, arquitectónicas, paisagísticas, linguísticas ou gastronómicas, é incrível a rapidez com que me adaptei e me senti confortável. Penso que com todo o grupo que seguia comigo se passou o mesmo. Existem sentimentos e processos difíceis de explicar, para muitos penso nem vale a pena estar a procurar uma explicação. Mas neste caso, acho que se deve mesmo às pessoas. São tão amáveis, tão cordiais no trato, que me fizeram rapidamente sentir confortável e em segurança, na sua casa e no seu, diferente, país. Entre voos, aeroportos e emoções, nem me lembro de estar acordado na cama. Sono profundo, qual carregador de bateria. 

Na manhã seguinte, foi acordar cedo, preparar a mala, tomar o pequeno almoço, passear um pouco pelo kasbah, colocar a mala do jipe, check out e despedidas. Sem andar a correr, mas numa espécie de velocidade cruzeiro. O dia estava muito bonito, sem estar muito frio, nem muito calor. Estava uma espécie de clima típico de Primavera. Este dia iria terminar em Merzouga e no programa do dia especificava algo como “dia dedicado ao deserto”, com uma breve referência às “pistas utilizadas na passagem do Dakar”. Confesso que pensei que iríamos sair da estrada “alcatroada”, andar um bocadinho em terra batida, os guias diriam algo do tipo “aqui passava o Dakar” e depois voltaríamos para o alcatrão, e seguiríamos para Merzouga. Não poderia estar mais enganado. Fizemos todo o caminho pelo deserto. Incrível. 

Não sei se é pela diferença, se pela grandeza, se pelo estado puro em se encontra, se por tudo isto misturado, ou se por mais alguma coisa que não consigo mencionar. O deserto possuí um encanto quase magnético. Entre o vento, o cheiro a terra seca e o horizonte a perder de vista, existe algo muito especial, que faz o tempo passar mais devagar e nos liga aquele lugar, e aquele momento, de uma forma quase arrebatadora. É muito mais do que simplesmente admirar uma paisagem bonita e diferente. É algo que se sente na pele. Agora percebo, com mais profundidade, a paixão assolapada de muitos aventureiros pelo deserto. Percebo o fascínio pela travessia e da conquista do deserto, que acredito também que tem tanto de belo como de traiçoeiro. Nunca me aventuraria por ali sozinho. Acho que esse limite muito ténue entre o perigo e o belo, também traduz um pouco do lado sedutor deste lugar. Depressa as estradas deixaram de existir, seguíamos por um enorme campo aberto. Muitas vezes, os jipes circulavam lado a lado, mas com centenas de metros de distância entre eles. O Amar não seguia com base em informações do Google Maps ou de outro sistema de GPS, seguia orientado com base em outros pequenos pormenores que fugiam ao meu olhar e à minha percepção. Estava deliciado da vida. Vidro aberto, sorriso na cara e vento na cabeça. Tudo isto, deserto fora. 

Por vezes, no meio da imensidão do deserto (é engraçado escrever deserto, e estar-me a referir mesmo ao deserto…tantas vezes que utilizo a palavra como metáfora?), lá surge uma cabeça. Ficava sempre na dúvida entre a miragem e a realidade. Muitas vezes, com o surgir do tronco e membros, e o adjacente movimento. Confirmava. “aquilo é uma pessoa! Que raio esta a fazer, a andar sozinha no meio do deserto?”. É, para mim, absolutamente incrível alguém, não só viver, como sobreviver ali. Depois lá o Amar explicava, que eram nómadas berberes, que viviam em tendas, que não se fixavam em nenhum lugar, e sobreviviam daquilo que a terra lhes dava e dos animais que criavam. Na minha cabeça, continua a ser impossível sobreviver ali. Durante o caminho, parámos numa aldeia berbere, com casas feitas de terra, e numa tenda berbere, para beber 

um chá com a família que ali vivia. Bem, o impossível deixou de ser impossível. Eles pareciam-me felizes da vida. Talvez o impossível, seja mesmo só para mim. Na aldeia berbere, muito mais do que na tenda (talvez porque já estavam preparados para nos receber), já me pesou muito mais a realidade. Quando parámos na aldeia, começaram a aparecer miúdos de todo o lado, quase todos com camisolas de clubes de futebol, e nem era para nos pedirem ou venderem nada, era simplesmente para nos dizerem adeus, para nos cumprimentarem. Todos com aquele sorriso de criança, que parte sempre o coração a quem tem coração. É claro que o meu olhar congelou várias vezes a olhar para estes miúdos, com vontade de perguntar se estão mesmo bem, se precisam de alguma coisa. Talvez o mal esteja no meu olhar, habituado a ver outras coisas e a assumir como certo, diferentes coisas. Quando saímos da aldeia, parámos uns 3, 4km mais à frente para ver umas escavações de fósseis que ali existem. Sim, é impressionante pensar que este imenso e seco deserto outrora foi mar. Mas o que mais me impressionou, foi ver um miúdo, já com uns 13, 14 anos, com quem tínhamos estado na aldeia, que nem 5 minutos depois de pararmos os carros, já estava ao pé de nós. De chinelos, veio a correr atrás dos carros, com uma mala cheia de pedaços de fósseis para vender. Impressionante e para mim, emocionante. É claro que lhe comprei um fóssil. É claro que nem regateei o preço, coisa que tanto gosto de fazer. 

Estava tão deliciado com estava viagem, com o que estava a ver e a viver, que nem pensava em comer. Tinha a certeza que não existia nenhum restaurante por ali, mas também não me preocupei muito em como o iria fazer. Por breves segundos pensei “bem o Amar deve trazer umas sandes” e paramos para comer. Qual sandes? Paramos no oásis de Tissardmine para um verdadeiro banquete do deserto (antes o Amar ainda nos tentou (ou pregou) pregar uma partida, com uma alegada falta de comida mas essa história fica para outra história). Uma espécie de buffet de tagines,entre palmeiras e lençóis de água. Esta coisa dos contrastes é deveras admirável. Mais uma vez, recebidos como reis. E esta gente nem sabe que eu tenho um blog, e que tenho não sei quantos seguidores, e que a minha conta de Instagram é bonita. Isso é coisa de outro Mundo. Para eles sou, simplesmente, uma visita. E como tal tenho de ser bem recebido. Muito bem recebido. Fácil e encantador. 

Com o aproximar do final do dia, deixámos as estradas compactas e entrámos nas dunas. Estávamos na majestosa Erg Chebbi. As grandes dunas de Merzouga. Deixámos os jipes, e o transporte passou a ser o icónico dromedário. Caminhávamos lentamente para um verdadeiro anfiteatro de pôr do sol. Assistir ao pôr do sol no deserto, nas dunas, atinge aquele patamar muitas vezes apelidado de beleza poética. É tão gracioso, que o Sol, o gigante Sol, faz parte “só” daquele cenário. Parece que foi feito só para aquelas dunas, tal é a perfeição e até uma certa leveza com que encaixam um no outro. Num ápice dou por mim a pensar na vida e na sorte que tenho, para aquilo que escolhi ser a minha vida. Acredito que somos do tamanho das nossas histórias e das nossas memórias. E finalizar o dia assim, depois de tudo o que já tinha visto e vivido, é muita sorte, quase como me sentir de certa forma abençoado. Não por ser de alguma forma especial, mas por conseguir valorizar estes pequenos, grandes momentos de uma beleza que tem tanto de rara, como de crua e genuína. 

Numa estrada que não é uma estrada. Fiquei (ainda) mais preso a Marrocos. No bom sentido da palavra preso. Aquele sentido que está relacionado com admiração, afeto e respeito. Marrocos, e o seu deserto, é um lugar especial. 

(ah!!…no final disto tudo, ainda fui jantar num acampamento (assim ao estilo luxo) no meio de deserto, ao melhor estilo dos banquetes que estava habituado a ver nos filmes. Sim, nesta parte sou mesmo um sortudo).

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