VILA VELHA

Mértola, vila alentejana, colada ao Algarve, muito bonita e cheia de histórias para contar. Hoje a história é sobre o coração de Mértola. Todos os territórios têm o seu coração e não, não tem a ver com uma questão de centralidade, tem a ver com raízes, com início de tudo e, sobretudo, com as primeiras memórias. O coração é o primeiro orgão a ser formado no embrião que mais tarde ganhará outras formas e outros orgãos. Aqui o paralelismo é feito com a chegada dos primeiros homens e com a colocação das primeiras pedras. O coração de Mértola é o seu centro histórico, mais conhecido como Vila Velha. Todas as viagens por Mértola, deveriam começar neste lugar. Tudo será mais impactante e compreendido de uma outra forma. A minha viagem por Mértola começou aqui, é claro. É um lugar delicioso, ao nível daqueles que vão ficar para sempre nas minhas memórias, como se fizesse já parte da minha história, daquela parte que não se pode apagar. Vamos começar a viagem?

A minha viagem por Mértola começou há muitos anos atrás. Ou seja, as primeiras memórias que tenho de Mértola remontam quase ao inicio da minha vida. Sim, no inicio da minha vida, já que sofro de um “mal” (que é uma das minhas maiores virtudes) chamado memória eidética, que, no meu caso, me permite gravar, de uma forma detalhada, momentos da minha vida que de alguma forma me marcaram. Tenho memórias desde o tempo em que mal andava (daqui a uns tempos escrevo sobre esta minha característica muito particular). Pois bem, os meus pais, desde os meus dois anos, viajam sempre para Monte Gordo no Verão. Quase como uma espécie de destino sagrado. E o que Mértola e as minhas primeiras memórias têm a ver com isso? Mértola fica no caminho entre Abrantes e Monte Gordo (na altura, há 30 anos, provavelmente o único caminho), e mais importante que isso, como na altura das minhas primeiras viagens a estrada era muito má, a partida de Abrantes era feita durante a noite, com o objectivo de chegar a Monte Gordo no outro dia de manhã. Recordo tão bem essas épicas viagens, com um colchão colocado por cima das malas, onde eu tentava (tentava é a palavra certa) dormir. Mértola, mais do que um lugar de passagem, era um lugar de paragem. Quase que religiosamente. Ora para o meu Pai dormir um pouco, ora esticarmos as pernas. Recordo que muitas vezes dormíamos logo no início da vila, junto às bombas de gasolina. Recordo que muitas vezes parávamos no Café Guadiana, que depressa se tornou num clássico das para as viagens para o Algarve (o Café Guadiana ainda existe). E para além de lugar, religioso, de paragem, também funcionava como uma espécie de marco ou ponto de localização, ainda para mais para uma criança (numa altura em que não existia o famoso Google Maps). Chegar a Mértola significava que já faltava pouco para chegar (na verdade ainda ainda faltavam umas horas, mas para quem já seguia há muito no carro, pareciam minutos). Talvez por adorar as minhas férias de Verão em Monte Gordo, e por isso se transformar numa memória e num sentimento bom, sempre tive um grande carinho por Mértola, como uma parte importante das minhas férias de Verão e, também, da minha infância. Isto, apesar de apenas conhecer uma rua de Mértola. Mas, muitas vezes, as ligações entre pessoas e locais, têm tanto de sincero como de espontâneo. E a minha ligação a Mértola sempre foi muito sincera. Tão sincera, que já em versão adulto, sem os meus pais (mas muitas vezes para me encontrar com eles) e com a Liliana, as minhas viagens até Monte Gordo (que continuam num registo anual, não fico é lá um mês) incluem sempre uma paragem em Mértola. Entretanto, as viagens de meio dia, transformaram-se em viagens de poucas horas e deixou de existir a necessidade de dormir/descansar em Mértola. Mas não resisto a um gelado artesanal de nome Nicolau. Um senhor com um chapéu de cowboy que vende gelados “do antigamente” nas ruas de Mértola. É a minha memória recente, associada a Mértola e às minhas viagens até Monte Gordo. Mas a grande questão aqui, é a afinidade que tinha (e tenho) com Mértola e apenas conhecia a principal rua da vila. Acredito que muitos sofram do mesmo problema. Em Mértola e em outros locais. Pensar que se conhece, sem conhecer (quase) nada.

Fiquei tão feliz quando marquei a minha viagem a Mértola. No fundo sabia que a minha afinidade, resultava de um laço profundo e importante, mas que em termos de profundidade de conhecimento e vivência, era um laço quase nulo. Cheguei à Vila Velha, num inicio de tarde de final de Inverno, para ficar de armas (máquina fotográfica, papel e caneta) e bagagens (isso vocês já sabem o que é). Estabeleci como quartel general a Casa do Castelo. Como o nome indica, fica colada ao Castelo. Pousei as malas e saquei das armas. Comecei a explorar a Vila Velha. Muitas vezes temo e fujo das frases cliché. Assumo-me como alguém que escreve de coração e sem problemas em adjectivar o que sente, mas por vezes temo que possa cair na poça do exagero. Mas, neste caso, não tenho por onde fugir. Tenho de bater de frente com os clichés e ser o eterno romântico sonhador, de sempre. Não digo que, mal comecei a andar pelas ruas empedradas da Vila Velha, sofri de imediato desse “mal” chamado de “amor à primeira vista”. Ok, era primeira vez que caminhava por ali. Ok, estava completamente encantado com o estava viver. Mas não me sentia em algo novo. Sentia-me num lugar onde, apesar de ser a primeira vez que ali estava, que me era próximo. Uma afinidade difícil de explicar. Acredito que grande parte da culpa, seja do que descrevi em cima. Mas vivia curioso com o que estava a sentir. Quase como me sentir imediatamente em casa, num lugar estranho. Talvez pelo frio e pela chuva, e pela hora do dia (dia de semana e hora de trabalho), as ruas da vila estavam desertas. Caminhava sozinho, muitas vezes a ouvir vozes a sair dentro das casas, muitas vezes eram vozes da rádio que ecoavam por uma janela aberta. Coisas de pequena aldeia e lugar genuíno. Quase sempre vou em busca de contacto humano, mas estava a sentir-me bem na pele de ser invisível a assistir a um dia normal da vila, sem me intrometer. Meninos a chegar da escola, senhoras a estender à pressa a roupa na rua, aproveitando momentâneos raios de sol ou assistir a conversas ligeiras. Estava na minha missão de observação/imaginação. Imaginava nomes e vidas, numa espécie de “quem é quem” baseado em posturas e acções. Gosto muito deste jogo. Mas com o desenrolar da minha caminhada, fica difícil concentrar-me no banal. Esta Vila Velha ou centro histórico de Mértola também é muitas vezes chamada de Vila Museu. Não por ter uma infinidade de museus, para por, toda ela, na sua plenitude, ser uma espécie de museu disfarçado de vila (ou vice-versa). Não um museu carregado de quadros interactivos, mas um espaço real, carregado de conteúdo interessante, que não preciso muito para perceber a sua dimensão história. Esta sobranceira vila alentejana, no profundo Baixo-Alentejo, no passado sofreu influências de diferentes povos, como Iberos, Fenícios, Gregos, Cartaginenses ou Romanos. Foi Islâmica e Cristã. Toda esta multiculturalidade, não só se conta, sente-se e vê-se. Começando pela sua Igreja Matriz, de culto cristão, mas que no passado foi uma Mesquita. E aquilo que poderia ser “apenas” uma bonita história, de no mesmo local terem sido edificados objectos de diferentes cultos, aqui vê-se. A actual Igreja Matriz, mesmo com muitas intervenções sofridas ao longo dos anos, não consegue esconder o ser lado exótico, com destaque para o restaurado mirhab (que indica a direcção da cidade de Meca) que ainda ali existe. Facto único, que faz deste lugar e edifício, algo de extraordinariamente belo e interessante. Conseguem imaginar o conjunto de histórias que passaram pela minha cabeça ao estar diante de um edifício, que é uma igreja, mas que também é conhecido como Antiga Mesquita? Resposta fácil. Muitas e boas histórias. Talvez a história mais fácil de imaginar, seja a de Ibn Quasi (figura histórica ligada à vila, que tem uma estátua, em cima de seu cavalo, em frente ao Castelo), muçulmano, e D.Afonso Henriques, cristão. Segundo consta, eram amigos. Isto numa época de difícil convivência entre seres de diferentes religiões. Diz-se que dessa amizade, até foi construída uma aliança ao jeito de irmandade. Deste quase “acaso” histórico, onde a improbabilidade reina, é bastante fácil, para mim, estabelecer um paralelo, entre esta relação improvável e a Igreja Matriz/Antiga Mesquita. Muito fácil, imaginar os dois, nos seus cavalos a estabelecer leis e estratégias em frente a este lugar. Se calhar até aconteceu. Seguindo a caminhada, toda a Vila Velha segue este registo. Da riqueza cultural, feita de relações improváveis. Com por exemplo e voltando a Ibn Quasi, o muçulmano amigo de D.Afonso Henriques, que tem uma estátua em frente a um castelo de traço cristão (uma estátua muçulmana, em frente a um castelo cristão, percebem?) ou o Bairro Islâmico da Alcáçova, “plantado” ao lado de um cemitério cristão.

Duas das principais razões deste interesse em Mértola, pelos conquistadores do passado, ainda são bem visíveis no presente. A primeira é a localização, aliada ao rio Guadiana. Este ponto fez de Mértola um dos principais portos de interior da Europa, muito por culpa de ser o mais ocidental porto do Mediterrâneo. Todos queriam ter o domínio desta rota comercial. Mais uma vez a minha imaginação começa a funcionar. Imagino todas as trocas comerciais que ali aconteceram, vindas de diferentes latitudes e carregadas de produtos exóticos. A exploração do rio, enquanto meio de transporte, acabou ser uma constante ao longo da vida de Mértola, terminando essa exploração há pouco mais de 50 anos, com o fecho da Mina de São Domingos. Ligado à Mina de São Domingos (que já tem uma história no Meu Escritório e é um dos meus lugares favoritos), também está a razão número dois pelo elevado interesse em Mértola. A história da Mina, começa há cerca de 150 anos, com a descoberta de antigas galerias romanas, que indicavam a presença de minério no local e uma antiga exploração romana. Portanto, a posse de Mértola, implicava também a posse de um importante recurso, que acredito que fosse desejado por muitos. Dos vestígios da Mértola antiga ainda tenho de destacar a Torre do Relógio. Um dos grandes símbolos da Mértola de hoje, que foi construído no séc. XVI. Quase como um farol que anunciava a chegada a Mértola.

Esta minha descoberta da Vila Velha, fez-se entre mundos paralelos e constantes “vai e vem” entre o passado e o presente. Existem lugares em que só aqueles que têm imaginação fértil, como eu, conseguem fazer este “vai e vem”. Em Mértola, e em particular na sua Vila Velha, é muito fácil, para todos. Hoje, não lamento não ter conhecido esta Vila Velha, e verdadeira Mértola, antes. Foi bom ir alimentando este laço, de uma forma muito particular, para depois conseguir atingir esta apoteose de sentimentos por este lugar especial. Hoje, quando penso em Mértola, penso na mesma na sua rua principal e em todas as viagens que fiz para o Algarve e por ali parei. Mas agora, vejo a rua do lado esquerdo, logo a seguir ao emblemático Café Guadiana, como a entrada para um universo paralelo ou um lugar encantado. Como um portal de tantas vezes se vê nos filmes de fantasia, que eu tanto gosto, que serve de entrada para aqueles lugares onde a magia acontece. Vejo-o como uma espécie de segredo, que espero, de coração, que não seja só meu.

A próxima visita à “minha” Vila Velha já está marcada. Mértola deixou de ser o meu querido lugar de passagem. Agora, é para ficar. E para ficar devagar.

Mértola, vila alentejana, colada ao Algarve, muito bonita e cheia de histórias para contar. Hoje a história é sobre o coração de Mértola. Todos os territórios têm o seu coração e não, não tem a ver com uma questão de centralidade, tem a ver com raízes, com início de tudo e, sobretudo, com as primeiras memórias. O coração é o primeiro orgão a ser formado no embrião que mais tarde ganhará outras formas e outros orgãos. Aqui o paralelismo é feito com a chegada dos primeiros homens e com a colocação das primeiras pedras. O coração de Mértola é o seu centro histórico, mais conhecido como Vila Velha. Todas as viagens por Mértola, deveriam começar neste lugar. Tudo será mais impactante e compreendido de uma outra forma. A minha viagem por Mértola começou aqui, é claro. É um lugar delicioso, ao nível daqueles que vão ficar para sempre nas minhas memórias, como se fizesse já parte da minha história, daquela parte que não se pode apagar. Vamos começar a viagem?

A minha viagem por Mértola começou há muitos anos atrás. Ou seja, as primeiras memórias que tenho de Mértola remontam quase ao inicio da minha vida. Sim, no inicio da minha vida, já que sofro de um “mal” (que é uma das minhas maiores virtudes) chamado memória eidética, que, no meu caso, me permite gravar, de uma forma detalhada, momentos da minha vida que de alguma forma me marcaram. Tenho memórias desde o tempo em que mal andava (daqui a uns tempos escrevo sobre esta minha característica muito particular). Pois bem, os meus pais, desde os meus dois anos, viajam sempre para Monte Gordo no Verão. Quase como uma espécie de destino sagrado. E o que Mértola e as minhas primeiras memórias têm a ver com isso? Mértola fica no caminho entre Abrantes e Monte Gordo (na altura, há 30 anos, provavelmente o único caminho), e mais importante que isso, como na altura das minhas primeiras viagens a estrada era muito má, a partida de Abrantes era feita durante a noite, com o objectivo de chegar a Monte Gordo no outro dia de manhã. Recordo tão bem essas épicas viagens, com um colchão colocado por cima das malas, onde eu tentava (tentava é a palavra certa) dormir. Mértola, mais do que um lugar de passagem, era um lugar de paragem. Quase que religiosamente. Ora para o meu Pai dormir um pouco, ora esticarmos as pernas. Recordo que muitas vezes dormíamos logo no início da vila, junto às bombas de gasolina. Recordo que muitas vezes parávamos no Café Guadiana, que depressa se tornou num clássico das para as viagens para o Algarve (o Café Guadiana ainda existe). E para além de lugar, religioso, de paragem, também funcionava como uma espécie de marco ou ponto de localização, ainda para mais para uma criança (numa altura em que não existia o famoso Google Maps). Chegar a Mértola significava que já faltava pouco para chegar (na verdade ainda ainda faltavam umas horas, mas para quem já seguia há muito no carro, pareciam minutos). Talvez por adorar as minhas férias de Verão em Monte Gordo, e por isso se transformar numa memória e num sentimento bom, sempre tive um grande carinho por Mértola, como uma parte importante das minhas férias de Verão e, também, da minha infância. Isto, apesar de apenas conhecer uma rua de Mértola. Mas, muitas vezes, as ligações entre pessoas e locais, têm tanto de sincero como de espontâneo. E a minha ligação a Mértola sempre foi muito sincera. Tão sincera, que já em versão adulto, sem os meus pais (mas muitas vezes para me encontrar com eles) e com a Liliana, as minhas viagens até Monte Gordo (que continuam num registo anual, não fico é lá um mês) incluem sempre uma paragem em Mértola. Entretanto, as viagens de meio dia, transformaram-se em viagens de poucas horas e deixou de existir a necessidade de dormir/descansar em Mértola. Mas não resisto a um gelado artesanal de nome Nicolau. Um senhor com um chapéu de cowboy que vende gelados “do antigamente” nas ruas de Mértola. É a minha memória recente, associada a Mértola e às minhas viagens até Monte Gordo. Mas a grande questão aqui, é a afinidade que tinha (e tenho) com Mértola e apenas conhecia a principal rua da vila. Acredito que muitos sofram do mesmo problema. Em Mértola e em outros locais. Pensar que se conhece, sem conhecer (quase) nada.

Fiquei tão feliz quando marquei a minha viagem a Mértola. No fundo sabia que a minha afinidade, resultava de um laço profundo e importante, mas que em termos de profundidade de conhecimento e vivência, era um laço quase nulo. Cheguei à Vila Velha, num inicio de tarde de final de Inverno, para ficar de armas (máquina fotográfica, papel e caneta) e bagagens (isso vocês já sabem o que é). Estabeleci como quartel general a Casa do Castelo. Como o nome indica, fica colada ao Castelo. Pousei as malas e saquei das armas. Comecei a explorar a Vila Velha. Muitas vezes temo e fujo das frases cliché. Assumo-me como alguém que escreve de coração e sem problemas em adjectivar o que sente, mas por vezes temo que possa cair na poça do exagero. Mas, neste caso, não tenho por onde fugir. Tenho de bater de frente com os clichés e ser o eterno romântico sonhador, de sempre. Não digo que, mal comecei a andar pelas ruas empedradas da Vila Velha, sofri de imediato desse “mal” chamado de “amor à primeira vista”. Ok, era primeira vez que caminhava por ali. Ok, estava completamente encantado com o estava viver. Mas não me sentia em algo novo. Sentia-me num lugar onde, apesar de ser a primeira vez que ali estava, que me era próximo. Uma afinidade difícil de explicar. Acredito que grande parte da culpa, seja do que descrevi em cima. Mas vivia curioso com o que estava a sentir. Quase como me sentir imediatamente em casa, num lugar estranho. Talvez pelo frio e pela chuva, e pela hora do dia (dia de semana e hora de trabalho), as ruas da vila estavam desertas. Caminhava sozinho, muitas vezes a ouvir vozes a sair dentro das casas, muitas vezes eram vozes da rádio que ecoavam por uma janela aberta. Coisas de pequena aldeia e lugar genuíno. Quase sempre vou em busca de contacto humano, mas estava a sentir-me bem na pele de ser invisível a assistir a um dia normal da vila, sem me intrometer. Meninos a chegar da escola, senhoras a estender à pressa a roupa na rua, aproveitando momentâneos raios de sol ou assistir a conversas ligeiras. Estava na minha missão de observação/imaginação. Imaginava nomes e vidas, numa espécie de “quem é quem” baseado em posturas e acções. Gosto muito deste jogo. Mas com o desenrolar da minha caminhada, fica difícil concentrar-me no banal. Esta Vila Velha ou centro histórico de Mértola também é muitas vezes chamada de Vila Museu. Não por ter uma infinidade de museus, para por, toda ela, na sua plenitude, ser uma espécie de museu disfarçado de vila (ou vice-versa). Não um museu carregado de quadros interactivos, mas um espaço real, carregado de conteúdo interessante, que não preciso muito para perceber a sua dimensão história. Esta sobranceira vila alentejana, no profundo Baixo-Alentejo, no passado sofreu influências de diferentes povos, como Iberos, Fenícios, Gregos, Cartaginenses ou Romanos. Foi Islâmica e Cristã. Toda esta multiculturalidade, não só se conta, sente-se e vê-se. Começando pela sua Igreja Matriz, de culto cristão, mas que no passado foi uma Mesquita. E aquilo que poderia ser “apenas” uma bonita história, de no mesmo local terem sido edificados objectos de diferentes cultos, aqui vê-se. A actual Igreja Matriz, mesmo com muitas intervenções sofridas ao longo dos anos, não consegue esconder o ser lado exótico, com destaque para o restaurado mirhab (que indica a direcção da cidade de Meca) que ainda ali existe. Facto único, que faz deste lugar e edifício, algo de extraordinariamente belo e interessante. Conseguem imaginar o conjunto de histórias que passaram pela minha cabeça ao estar diante de um edifício, que é uma igreja, mas que também é conhecido como Antiga Mesquita? Resposta fácil. Muitas e boas histórias. Talvez a história mais fácil de imaginar, seja a de Ibn Quasi (figura histórica ligada à vila, que tem uma estátua, em cima de seu cavalo, em frente ao Castelo), muçulmano, e D.Afonso Henriques, cristão. Segundo consta, eram amigos. Isto numa época de difícil convivência entre seres de diferentes religiões. Diz-se que dessa amizade, até foi construída uma aliança ao jeito de irmandade. Deste quase “acaso” histórico, onde a improbabilidade reina, é bastante fácil, para mim, estabelecer um paralelo, entre esta relação improvável e a Igreja Matriz/Antiga Mesquita. Muito fácil, imaginar os dois, nos seus cavalos a estabelecer leis e estratégias em frente a este lugar. Se calhar até aconteceu. Seguindo a caminhada, toda a Vila Velha segue este registo. Da riqueza cultural, feita de relações improváveis. Com por exemplo e voltando a Ibn Quasi, o muçulmano amigo de D.Afonso Henriques, que tem uma estátua em frente a um castelo de traço cristão (uma estátua muçulmana, em frente a um castelo cristão, percebem?) ou o Bairro Islâmico da Alcáçova, “plantado” ao lado de um cemitério cristão.

Duas das principais razões deste interesse em Mértola, pelos conquistadores do passado, ainda são bem visíveis no presente. A primeira é a localização, aliada ao rio Guadiana. Este ponto fez de Mértola um dos principais portos de interior da Europa, muito por culpa de ser o mais ocidental porto do Mediterrâneo. Todos queriam ter o domínio desta rota comercial. Mais uma vez a minha imaginação começa a funcionar. Imagino todas as trocas comerciais que ali aconteceram, vindas de diferentes latitudes e carregadas de produtos exóticos. A exploração do rio, enquanto meio de transporte, acabou ser uma constante ao longo da vida de Mértola, terminando essa exploração há pouco mais de 50 anos, com o fecho da Mina de São Domingos. Ligado à Mina de São Domingos (que já tem uma história no Meu Escritório e é um dos meus lugares favoritos), também está a razão número dois pelo elevado interesse em Mértola. A história da Mina, começa há cerca de 150 anos, com a descoberta de antigas galerias romanas, que indicavam a presença de minério no local e uma antiga exploração romana. Portanto, a posse de Mértola, implicava também a posse de um importante recurso, que acredito que fosse desejado por muitos. Dos vestígios da Mértola antiga ainda tenho de destacar a Torre do Relógio. Um dos grandes símbolos da Mértola de hoje, que foi construído no séc. XVI. Quase como um farol que anunciava a chegada a Mértola.

Esta minha descoberta da Vila Velha, fez-se entre mundos paralelos e constantes “vai e vem” entre o passado e o presente. Existem lugares em que só aqueles que têm imaginação fértil, como eu, conseguem fazer este “vai e vem”. Em Mértola, e em particular na sua Vila Velha, é muito fácil, para todos. Hoje, não lamento não ter conhecido esta Vila Velha, e verdadeira Mértola, antes. Foi bom ir alimentando este laço, de uma forma muito particular, para depois conseguir atingir esta apoteose de sentimentos por este lugar especial. Hoje, quando penso em Mértola, penso na mesma na sua rua principal e em todas as viagens que fiz para o Algarve e por ali parei. Mas agora, vejo a rua do lado esquerdo, logo a seguir ao emblemático Café Guadiana, como a entrada para um universo paralelo ou um lugar encantado. Como um portal de tantas vezes se vê nos filmes de fantasia, que eu tanto gosto, que serve de entrada para aqueles lugares onde a magia acontece. Vejo-o como uma espécie de segredo, que espero, de coração, que não seja só meu.

A próxima visita à “minha” Vila Velha já está marcada. Mértola deixou de ser o meu querido lugar de passagem. Agora, é para ficar. E para ficar devagar.

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