isna: a aldeia que vive no meio da floresta
Isna é uma freguesia portuguesa, bem no interior do país, pertencente ao concelho de Oleiros. Situada a sul de Oleiros, Isna é considerada freguesia desde 1793, sendo um aglomerado populacional muito antigo. Esta pequena aldeia da Isna, está situada numa pequena bacia, na Serra De Alvéolos, e numa área de terrenos férteis, onde os cursos de água são abundantes. Um desses exemplos é a Ribeira da Isna, que nasce na Serra do Cabeço da Rainha, até desaguar no Zêzere. Até meio do século XX, esta aldeia esteve condenada a um quase total isolamento, devido à sua posição geográfica e consequentemente, às péssimas vias rodoviárias que ali existiam. Embora nos dias de hoje a situação seja tremendamente diferente, terá ficado desse tempo, um silêncio e uma serenidade, que parecem anular o passar do tempo, ou pelo menos fazê-lo correr a um compasso bastante mais lento. O facto de deter uma baixa densidade populacional, não o transforma numa paisagem desabitada ou feita de ausências, pelo contrário. Esse vazio funciona antes enquanto elemento apaziguador, criando na pessoa que a visita, uma sensação de refúgio, de porto de abrigo.
Voltando ao isolamento do seu passado, não é por isso de estranhar, que a sua toponímia possa derivar do latim isanu, o que significa, “lugar de difícil acesso”, contudo existem outras possibilidades como do grego, isana, que significa “lugar de ovelhas” ou ainda, novamente do latim igne, que significa “lugar de fogo.” Como forma de melhor compreender, o que seria o poder desse isolamento de que padeceu até meados do século XX, existe um momento no seu passado, bastante curioso e certamente revelador dessa verdade. Segundo reza a história, em novembro de 1901, o rei D. Carlos terá visitado a Isna a propósito da caça de javalis, e na sequência de um importante proprietário de Castelo Branco, lhe ter dado essa referência. Ao que parece não terá ficado muito bem instalado na Casa Ribeiro, já que durante a noite a cama se terá partido e ele terá caído ao chão. Apesar da noite mal dormida, o Rei foi recebido com grande entusiasmado por parte dos camponeses que o vieram esperar, vindos de todas as aldeias envolventes. A certa altura, um admirador terá chegado mais perto dele e terá gritado: “Viva El-Rei D. Miguel!” A comitiva do rei, indignada, chamou o homem, pedindo-lhe explicações, já que D. Miguel não era rei desde 1834, estava à data inclusivamente morto e haviam passado quase 70 anos, uma guerra civil e quatro monarcas. Qual não foi o seu espanto, quando perceberam que o homem julgava mesmo que o rei era ainda D. Miguel, porque ainda não tinha chegado à aldeia, a notícia da revolução e do atual regime constitucionalista. Ainda nessa mesma visita, o rei terá sido abordado por três mulheres, que lhe pediram que mandasse construir uma fonte onde pudessem encher os seus cântaros. Foi então edificada uma fonte, onde se poder ler “Esta fonte foi mandada construir pelo rei D. Carlos a pedido das mulheres desta aldeia em 1903”, e existe ainda um rua com o nome do rei.
Enquadrada na região denominada do Pinhal Interior, a região da Isna e da Serra de Alvéolos, está ligada à exploração do pinheiro bravo, embora fosse o castanheiro que antigamente dominava a sua paisagem, juntamente com as matas de medronheiros, azinheiras, carvalhos e sobreiros. É também ali relevante o sector da cinegética (caça), e cujo potencial remonta a épocas remotas, como prova a vinda do rei D. Carlos para a tal caçada real. A abundância de moinhos de água, explica a importância da cultura do milho na freguesia, sendo os mesmos usados para a moagem desse cereal. A broa de milho é por isso um elemento de grande importância, que não pode faltar à mesa, e o facto de as maçarocas ficarem no campo até estarem bem amadurecidas, é visto por muitos como o que marca a diferença e que faz com que a mesma apresente um sabor tão singular. Em consequência da altitude e do próprio clima, esta região é também conhecida pela sua produção de fumeiro de elevada qualidade, bem como do seu excelente queijo de cabra. Outra das especialidades gastronómicas desta zona são os típicos maranhos, uma iguaria que de certa forma marca o que é a tradicionalidade da gastronomia portuguesa.
No que concerne o património desta freguesia, e além da já mencionada Fonte das Mulheres, também conhecida como Fonte do Rei e cuja relevância é evidente após perceber todas as peripécias que estão na génese da sua construção, existem ainda outros elementos dignos de referência. Entre eles, a Igreja Matriz, também conhecida como Igreja da Nossa Senhora das Dores e pertencente ao século XVIII, a Capela sob o mesmo nome, datada de 1793, e claro as diversas pontes e moinhos, espalhados por toda a região. Se quando falamos em património, falamos de um conjunto de bens, materiais ou imateriais, reconhecidos pela sua importância cultural, seria no mínimo ingrato, finalizar essa enumeração aqui. A pequena aldeia da Isna e a região onde a mesma está inserida, acolhe em si mesma, um património natural que seria impossível traduzir, tal foi a generosidade com que a natureza o afortonou. Num retrato onde o xisto é ainda predominante, escondida entre vales, esta aldeia é um daqueles lugares onde os sons se tornam mais nítidos e onde o respirar se torna mais leve.
A Isna não é um destino de viagem evidente e o elogio dessa visita pode parecer sem grande propósito aos mais distraídos ou apenas mais céticos. Contudo, são exatamente estes lugares menos explorados, cujo lugar no mapa parece escapar-nos, onde verdadeiramente nos podemos surpreender. Aqui a noção de pressa não existe, a palavra stress é um mero conceito abstrato, e não existirão filas nem encontrões que possam atrapalhar a sua exploração. A aldeia da Isna é um passeio que pede para que sejamos vagarosos de forma consciente, observando e absorvendo em doses moderadas, sentido cada cheiro, cada contorno da sua paisagem, cada “bom dia” que nos é dirigido pelas suas gentes. Ali a ruralidade não é sinónimo de pequenez nem de alheamento, é uma ruralidade que acolhe e que traz uma familiaridade que nos faz sentir parte daquele cenário. Não será um amor à primeira vista, daqueles arrebatadoras. Mas será antes, um daqueles que deixa saudade, e a quem dá vontade de escrever uma carta, para que nada do que ali se viveu se possa perder. E que bem que lhe assenta a roupagem de Outono.
Novembro 2020
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