Pormenores da vida da Vila de Oleiros
Situada num vale profundo, rodeada por enormes serranias, existe uma vila que sobrevive sob o nome de Oleiros. Pertencente à região centro e à sub-região da Beira Baixa, a vila de Oleiros conta com 10 freguesias. Semeada por entre montanhas e vales profundos, como muralhas invioláveis que encerram um lugar de abrigo, e banhada por rios, ribeiras e albufeiras, esta vila é um monumento natural. Deverá a sua toponímia à derivação do latim, da palavra olla, que significa, “oleiro de louça grossa”, o que poderá ser explicado pela abundância da argila-xisto, pela lenha e pela água, que facilitariam esse fabrico. Outra das teorias, remete para a palavra olheiros, que significa “olhos de água”, também reportando para a abundância de nascentes no local.
O seu encaixe geográfico tão particular, fez com que durante muito tempo, se mantivesse esquecida, fechada sobre si mesma e condenada ao isolamento, por se encontrar praticamente inacessível. Como um segredo. Outrora terra de castanha, facto que pode ainda ser comprovado pela existência em casas mais antigas, do “caniço”, onde se secavam as castanhas, que se apanhavam nos soutos. Hoje dominada pelo pinheiro-bravo, árvore-rei deste concelho. A presença do Rio Zêzere, transporta nas suas encostas, as árvores de nome “azereiros”, nome que certamente derivará do próprio rio, e que hoje se encontram em vias de extinção. Parte da beleza que ali encontramos, deve-se em grande parte, aos meandros do Zêzere, cujo traço sinuoso e serpenteante, marca uma paisagem inigualável de exuberantes silhuetas.
A primeira notícia que se encontra sobre Oleiros, remonta ao ano de 1194, fazendo dela uma povoação antiga. Esse foi o ano em que D. Sancho I e D. Dulce doaram Oleiros, entre outros lugares, a D. Afonso Pelágio, Prior da Ordem de Malta, uma instituição religiosa-militar, criada em 1100, em Jerusalém. Apesar da sua falta de acessibilidade, Oleiros recebe as Invasões Espanholas, por volta de 1762. Entre outras pilhagens, conta-se que os soldados roubaram o maior sino da torre da igreja. Diz a tradição que esse sino havia sido consagrado à Nossa Senhora da Conceição (padroeira da vila), e que no alto da serra, o sino parecia ter criado raízes, e não mais saiu desse lugar. Embora os espanhóis tivessem tentado por todos os meios retirá-lo de lá, os seus esforços foram em vão, e o povo de Oleiros, orgulhoso, conseguiu finalmente recuperá-lo. Esta é uma daquelas histórias cuja veracidade dos factos pouco importa. O simbolismo que a ela está associado, é em si a mensagem, que de forma bastante evidente, mostra a força não só deste território, como das gentes que o compõem.
A gastronomia é também ela, bastante singular em Oleiros. Dentro dos sabores do pinhal, temos que destacar os maranhos, que são aqui confecionados da forma mais tradicional da gastronomia portuguesa, e claro, o cabrito estonado, exclusivo de Oleiros, uma autêntica iguaria, e um ritual e uma tradição que vão passando de geração em geração. Mas a par destes dois pratos tão simbólicos deste lugar, existem ainda, as papas de milho, a perdiz assada ou as trutas grelhadas, o que acrescenta a quem a visita, uma verdadeira viagem pelo mundo dos sabores da terra. Outra particularidade que aqui encontramos, é o famoso Vinho Callum. Feito a partir de uma casta única com o mesmo nome, este é um vinho branco, leve e de baixo teor alcóolico, cujas vinhas habitam nas linhas de água, tolerantes à humidade. Este “tesouro antropológico” é uma viagem a um passado medieval, o que faz dele um vinho histórico, muito próximo do biológico, pela forma como ainda hoje é ali produzido. Não é por isto de estranhar, que tanto o cabrito estonado, como o vinho Callum, tenham dado nome a um festival, que ocorre na vila anualmente.
Também o património religioso de Oleiros, é um ponto digno de destaque e foi em consequência da sua relevância, que foi criada “A Rota do Religioso” em 2018. Este percurso circular, de baixo nível de dificuldade, passa pela Capela do Espírito Santo, pelas capelas de São Sebastião, Santa Margarida, Nossa Senhora das Candeias, Santo António, Igreja Matriz, capelas do Senhor dos Passos e a de Nossa Senhora da Guadalupe, Igreja da Misericórdia e Capela de Nossa Senhora Mãe dos Homens. Digna de destaque, a Igreja Matriz, classificada em virtude do seu interesse público, apresenta uma fachada sóbria de estilo manuelino, que não faz prever a magnificência do seu interior, decorado em estilo barroco. Para este percurso foi criada também, uma sinalética singular e diferenciadora, ilustrada por uma marca que tem como símbolo histórico-religioso, o ilustre padre António de Andrade, o símbolo da Ordem dos Jesuítas, a que o mesmo pertencia, e também o pinheiro, tão característico do concelho.
António de Andrade, nascido em Oleiros em 1581, mais do que um padre jesuíta, foi um explorador. Ficaria conhecido de forma célebre, como o primeiro português no Tibete. Foi ainda enquanto noviço, que no ano de 1600, partiu para a Índia, onde viria a finalizar os seus estudos, na cidade de Goa. Findos os seus estudos no Colégio de São Paulo, é enviado em missão para Mogol em Agra. É em 1627 que chega ao Tibete, depois de uma viagem que durou mais de três meses, uma autêntica expedição, onde enfrentou muitas dificuldades, pela agressividade do clima e pela falta de alimento. A missão foi em parte bem sucedida, tendo sido lá construída uma pequena igreja, e havendo algumas conversões. Contudo, a política do rei em favorecer uma religião estrangeira, era extremamente impopular e a missão acabou por ser destruída e os cristãos expulsos. Andrade deixa o Tibete em 1629, e é nomeado o Provincial de Goa no ano seguinte, função que desempenhou até 1633, e em seguida retomou o seu antigo cargo de Reitor do Colégio de S. Paulo, sendo exatamente na reitoria do Colégio, que em 1634, morre envenenado.
Este filho da terra, é por todas as razões, um motivo de orgulho para as gentes de Oleiros. A sua resiliência, coragem e espírito de missão, são valores que falam muito sobre a essência e a genuinidade das pessoas que fazem de Oleiros o lugar que é. Mas é a sinergia entre uma série de elementos diferentes, que vão desde a riqueza paisagística, à gastronomia, à história e também às suas pessoas, que transformam a visita a Oleiros numa viagem no sentido literal da palavra. A perfeita comunhão entre o homem e Natureza que é ali tão generosa, os cenários que lembram filmes de fantasia, e os sons tão distintos, desde o vento, à água, desde os pássaros, à vida quotidiana dos seus habitantes. Tão mágico, como o é a própria história deste lugar, guardada na Serra do Moradal, e com mais de duzentos milhões de anos. A ligação a um supercontinente, anterior à existência do Homem, que teve aqui a sua origem, e que o Oceano viria a separar. São estas várias peças, que criam esta maravilhosa manta de retalhos, e que fazem deste lugar, um lugar ideal para o deleite dos sentidos.
Destes retalhos sobre história, origem e construção de Oleiros, pouco se pretende concluir. Muito se pretende inspirar. Um lugar que pode ser imponente pela graça da sua localização, mas nunca imediato, seguindo os padrões de destino turístico, pela sua singularidade, que impede uma relação imediata com um outro qualquer destino. Um lugar para se viver, sem tempo, em que cada um pode construir a sua própria definição, conquistando o seu lugar, ali. Foi, com este espectro, que estacionei o meu carro junto à Praça do Município e, simbolicamente, iniciei a minha viagem pelo território de Oleiros. Começando pela ruas e ruelas da sua vila, conhecendo os pequenos hábitos das suas boas gentes e elevando os pormenores da sua arquitectura.
Setembro 2020
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