6 de Outubro de 2016, 7º dia nos Açores
Caminhava para a última noite nos Açores com aquele sentimento de dever cumprido. Estava a ser uma experiência arrebatadora. Acordei por volta das 8h no Caldeira Surfcamp na mágica Fajã da Caldeira de Santo Cristo. Tinha combinado no dia anterior com o Luís da Aventour, ir-me buscar no dia de hoje, por volta das 13h, na Fajã dos Cubres, saída Noroeste da Fajã da Caldeira. Seria cerca de 1h de caminhada (+- 5km), junto ao mar. Tinha tempo para aproveitar mais um pouco do paraíso onde estava.
Fui dos últimos a levantar. Grande parte dos meus colegas de Surfcamp já tinham saído para o mar (e para as ondas). Tomei o pequeno almoço no local do jantar (do dia anterior), no exterior do Surfcamp. Na manhã da Fajã, o escuro deu lugar a uma vista maravilhosa para o mar e para a enorme “parede” verde escura que a limita. Nem me lembro do que comi, mas com aquele envolvimento, nem importa a comida, será sempre uma refeição maravilhosa.
Dediquei aquela manhã a uma absorção final. Caminhei junto ao mar. Observei os surfistas sentado no muro da igreja. Falei com Aires e com o Manel sobre pesca. Fui vê-los a pescar na lagoa. Caminhei novamente junto ao mar. Por um lado, queria sair da Fajã, queria contar aos meus sobre o lugar maravilhoso onde estava (ali a rede de telemóvel, internet, etc, é zero!), já estava há alguns dias longe de casa e amanhã seria o dia do regresso. Por outro lado, quase que como uma ligação magnética, sentia que poderia viver ali para sempre. Sentia-me numa espécie de aquário, onde existia um mundo diferente, quase como se tratasse de uma realidade paralela, com uma beleza singular e sem muitos dos males do outro mundo (do real).
Por volta das 11h30m fiz a despedida final. Desejos de boa sorte e um até à próxima aos presentes, e um caminhar lento, pelos pequenos caminhos da Fajã da Caldeira. Estava a tirar fotos e a adicioná-las à pasta destinada aos lugares especiais, no grande disco rígido da minha memória. Passei a lagoa e fiquei a olhar, sem me mover, os últimos 30 segundos para a Fajã. Quase como se despede de alguém no aeroporto, que parte para uma longa temporada longe dos nossos olhos. Sei que vou voltar, mas a primeira visita é sempre especial, sei que esta vou recordar para sempre. Queria registar tudo, bem registado, na minha cabeça.
Comecei a caminhar (sem voltar a olhar para trás) em direção a Fajã dos Cubres. Ao contrário da Fajã da Caldeira a Fajã dos Cubres tem acesso de carro, pormenor que faz dela a principal porta (de entrada e saída) para a Fajã da Caldeira. Ao contrário do desnivelado caminho a começar (ou acabar) na Serra da Topo, este caminho é sempre junto ao mar e sempre plano. Não é tão bonito como o acesso pela Serra do Topo, que eleva os padrões de beleza para um patamar quase inatingível, mas se não fosse este (injusto) objeto de comparação, era (e é) também um caminho de cortar a respiração.
Caminhei lentamente, para aproveitar cada segundo. Cruzei-me com vários locais e visitantes temporários das duas Fajãs. Quando me cruzava com alguém não local, que seguia em direção à Fajã da Caldeira, o pensamento era sempre o mesmo “nem sonhas o que vais encontrar”. O primeiro “embate” com a Fajã da Caldeira é digno de ser filmado, tipo aqueles filmes de youtube que captam a reação das pessoas a elementos surpresa. Vendar os olhos de alguém e largá-lo no meio da Fajã da Caldeira, e aí tirar a venda, 8 em cada 10 abria a boca instintivamente. Então se alguém saísse de Nova Iorque ou de Paris e aterrasse de olhos vendados neste pedaço de terra, assim que lhe tirassem a venda, desmaiava. Acho que aconteceria o mesmo a alguém que vivesse toda a vida na Fajã da Caldeira e aterrasse de olhos vendados nos Champs Elysées às 6h da tarde. Seria quase o mesmo que ter óleo ao lume e atirar-lhe um balde de água para cima.
Após umas 300 paragens para fotos lá cheguei a Fajã dos Cubres. Apesar de bonita, sem o encanto da sua vizinha. Junto à igreja já estava o Luís à minha espera. Foi comer qualquer coisa, no único café da Fajã, em frente à igreja, e seguir caminho na sua carrinha. Para o dia de hoje estava destinado um mini tour por São Jorge. Sem andar, nem subir montanhas. Tinha uma tarde para conhecer alguns dos pontos mais interessantes de São Jorge. Ao contrário do que vivi no dia anterior, onde caminhei sem relógio e vivi o máximo que consegui de um só lugar, o dia hoje, poder-se-ia considerar uma versão express de São Jorge, com o Luís, um nativo, a guiar-me. Sem espaço para grandes aventuras, era ir lá tirar uma foto e seguir caminho. Está muito longe, de ser esta a minha forma favorita de conhecer novos destinos, ainda por cima paradisíacos e com tanto para oferecer como este. Mas considerei ser esta a melhor opção, tendo em conta o tempo que me restava.
Saímos de Fajã dos Cubres, em direção à famosa Fajã do Ouvidor. Muito conhecida pelas suas piscinas naturais. Também é possível o acesso a esta Fajã por carro, de longe a mais habitada e “industrializada”, em comparação com as duas anteriores. As piscinas são sem dúvida lindíssimas. Apesar do mar estar um pouco agitado e já não ser Verão, era impossível não pensar num mergulho (não passou do pensamento). A cor verde da água límpida da piscina a contrastar com a cor azul do mar, é digno de postal. A ausência de pessoas no restaurante local, em hora de almoço, dá para perceber que o Verão já tinha acabado e era tempo de caminhar (e descansar) lentamente até ao Inverno, para aí, começar a preparar a nova temporada.
Vistas as piscinas seguimos em direção ao ponto mais alto da ilha, o Pico da Esperança. Nesse momento, concluí uma espécie de mini desafio, estar no ponto mais alto de cada uma das três ilhas do triângulo atlântico. As vistas ali são de cortar a respiração. Entre pequenos picos e crateras de pequenos vulcões, dá para perceber o porquê de ser chamada de ilha do Dragão (existem outras histórias associadas). Ao olhar, a partir do ponto mais alto, para a silhueta da ilha, é muito semelhante ao dorso de um enorme dragão verde. Uma imagem muito engraçada e imponente. Deste ponto, para além de grandes vistas mar, conseguimos avistar com facilidade as ilhas do Pico e da Terceira (sendo a esta, a primeira vez, que lhe coloquei a vista em cima). Lentamente descemos do Pico da Esperança. Em seguida seguimos em direção ao extremo Noroeste da ilha, a Ponta dos Rosais, seguindo quase sempre com vista mar. Na Ponta Rosais, grande falésia, 200m acima do mar, encontra-se um farol abandonado, que dá um certo ar místico a este lugar. Perguntei ao Luís o porquê de estar abandonado, ao que ele me respondeu, que tinha sido o forte abalo provocado pelo terramoto de 1980 (o mesmo que deixou a Fajã da Caldeira quase que inacessível), que deixou o farol extremamente (ou definitivamente) danificado nas suas estruturas. Sendo que a falésia onde está apoiado, é uma espécie de areia movediça, e que qualquer dia vem parar cá abaixo. Nesse momento pensei, “ok, isto é bonito, mas não vou lá à ponta”. A vista é realmente incrível. Vi pela primeira vez a ilha da Graciosa, e ainda com mais facilidade se vêem as ilhas do Pico e Faial. Ainda reforçando a beleza do momento, o dia caminhava para o seu fim, e cor do pôr do sol, dava a este lugar um encanto digno dos melhores quadros naturais.
Terminado este momento, já com a noite a espreitar, foi seguir para Velas. Onde iria dormir e iria partir, no dia seguinte, em direção ao Faial, para apanhar o avião de regresso a casa. Já a soar a despedida, lapas grelhadas e queijo de São Jorge para o jantar, e um gin tónico (bebida típica de marinheiros e muito comum por aqui..na sua versão old school, esqueçam copos balão pepinos e canelas..aqui é gin barato, água tónica, uma rodela de limão e licor de anis, servido num copo de cerveja. Impecável!), na tasca ao lado do restaurante, como sobremesa.
Amanhã, seria o dia do regresso e final desta incrível (daquelas que deixam saudades) aventura.