Padre Nuno, pároco de Constância. 38 anos, natural de Bemposta, freguesia do concelho de Abrantes. Como curiosidade, frequentou a mesma escola que eu. Penso que não nos chegámos a cruzar nos corredores, quando um estava a entrar, o outro estava a sair. Conversei com o Padre Nuno num destes dias, numa tarde chuvosa, na sua igreja, localizada no topo da vila de Constância. Uma igreja muito bonita com vista para os rios Tejo e Zêzere. Quando cheguei já estava o Padre Nuno à porta, de chapéu de chuva em punho, pronto para me receber. Um cumprimento sentido e a fugir da chuva. Entrámos no interior da igreja.
Como é que um pessoa escolhe ser Padre? É uma pergunta que sempre me fiz. E nem a coloco com um foco negativo ou julgador. Coloco-a com um foco de admiração. A figura de padre perde-se na história, como figura central de muitas histórias. Em tempos acredito que seria um gosto, tradição ou imposição familiar. Nos tempos do Padre Nuno e no caso do Padre Nuno, parece-me uma questão de vocação. Sim, tal como a minha vocação é ser criativo, a vocação do Padre Nuno é ser padre. Existe uma simplicidade romântica nesta coisa da vocação. Existem momentos importantes, que podem ser conversas ou ações, mas não existe uma equação que explique tudo. Em conversa e enquanto caminhávamos pela igreja, pelo paralelismo inesperado das nossas vidas, começo a perceber perfeitamente a questão do “como?” (ser padre) e começo a perceber que as nossas histórias se cruzam muito mais do que a partilha do mesmo corredor de escola. Tal como eu, o Padre Nuno passou um processo de experiências, até decidir ser padre. Foi militar e só com 23 anos decidiu entrar no seminário. Mais ou menos na mesma idade que eu decidi ser criativo. Tal como eu, estudou em Coimbra. Tal como eu, gosta de viajar. Tal como eu, gosta das palavras comunidade e partilha. Tal como eu, gosta de fazer os Caminhos de Santiago. Tal como eu, gosta de jogos de tabuleiro. Como já devem estar a perceber, a nossa conversa perdeu-se no tempo.
Falámos sobre as nossas viagens a Jerusalém, e como aquele lugar nos marcou. Falámos sobre a nossa terra e a nossa infância. Falámos sobre a sua vida no seminário em Coimbra e da proximidade com uma “carreira” de estudos tradicional. Falámos sobre a vida, família e amigos. Falámos sobre convivência, proximidade e partilha. Falámos sobre história e sobre o faz de nós diferentes. Sobre a figura do padre na sociedade e também sobre o papel de alguém como eu. Uma conversa, na tranquilidade da igreja e ao som da chuva que não dava tréguas lá fora. Tão agradável, que a desejei ter mais vezes, mesmo sem ter terminado.
Outro dos pontos foco da nossa conversa foi o poder de uma boa história. Algo que nos inspira, nos faz viajar e nos traz esperança. Aplicada na igreja, no turismo ou onde quer seja. No meio de algumas histórias, o Padre Nuno contou-me a história da sua casa. A história de São Julião, o padroeiro de Constância, que é mais ou menos assim (não me levem a mal se me empolgar e acrescentar mais um ponto, adoro histórias): “São Julião, ao regressar a casa depois de uma caçada, vê na sua cama um homem e uma mulher. Ao pensar que a sua mulher o estaria a trair, atira sobre os dois para matar. Até que aparece a sua mulher, Santa Bassilisa, e São Julião percebe que tinha morto os seus pais por engano, que estariam de visita a sua casa. Para se redimir deste crime, ele e sua mulher fizeram um voto de castidade, retirando-se para a vila de Punhete (antigo nome de Constância), onde, entre outras coisas, estabeleceu um hospital e passou uma vida a ajudar os mais necessitados. Já no final da sua vida, recebeu a visita de um anjo que lhe conferiu o final da sua penitência, transformando-se assim no padroeiro da vila”. Sempre que visitar Constância, vou-me lembrar de São Julião e da sua história.
O melhor conceito de visitação é este. Onde a experiência e a sua genuinidade, fazem lei naquilo que são as nossas memórias. Todos fazemos parte deste processo, tão simples, feito de conversas e momentos genialmente banais, que originam as melhores das memórias. Acredito que, quem quer que passe pela igreja de Constância, religioso ou não, vai adorar ouvir as histórias do Padre Nuno, e vai ser muito bem recebido na sua bonita igreja. Com isto, percebo que o romantismo de quem escolhe ou recebe uma profissão por vocação, nos faz ter mais um ponto em comum. Não temos um trabalho das 9h às 17h. O Padre Nuno até de férias continua a ser padre. E eu, até a dormir continuo a ser criativo. Mais uma vez assumo que é o coração que faz mover o mundo.
Com o final da nossa conversa, terminou a chuva. Já a caminho do carro e com rio Tejo no horizonte, entre desafios para jogos de tabuleiro no futuro, o Padre Nuno aponta em frente e diz-me: “estás a ver aquele ponto branco no meio do verde das árvores? É uma capela, muito simples, erguida pela família de Santo António. Todo aquele terreno lhes pertencia e o Santo António passou aqui algumas temporadas”. Percebem o poder das histórias? (os meus olhos brilharam e este final soa muito a “a história não acaba aqui” )
coordenadas: 39.477564, -8.338121
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Esta história pertence ao projeto Retratos do Centro de Portugal. Vão ser construídos 365 retratos, 365 pequenas histórias, sobre toda a grande Região Centro de Portugal. Podem consultar todos os retratos aqui.