adega cooperativa de pinhel e o seu lugar na história de um território
Corria o ano de 1951, quando a Adega Cooperativa de Pinhel foi fundada. Contudo, a ligação entre este concelho e a produção de vinho é bastante mais longínqua. Em 1500, o Rei D. Manuel I, o Venturoso, concedia um foral, onde atribuía privilégios e regalias a quem produzisse vinhos em Pinhel. Em parte, tantos anos de história passados, explicam a profundidade desta ligação, entre este território e os vinhos ali produzidos, mas a mesma não se finde aí, vai muito mais além. Existe uma infinidade de razões que contribuem para a importância da vinha neste lugar, e todas elas marcam de forma bastante evidente as suas vivências, a sua paisagem e acima de tudo, as suas pessoas. Em Pinhel todos são tocados, direta ou indiretamente, em maior ou menor grau, pelos vinhos que ali nascem e isso faz com que eles não sejam apenas parte da história daquele lugar, mas de todas as pequenas histórias dos que nele vivem.
Foi Agostinho Monteiro, atual Presidente da Adega Cooperativa de Pinhel, o anfitrião não só deste lugar, como da viagem através da sua história. Curiosamente, umas das suas primeiras confissões foi a casualidade de como chegou até aqui, sendo que nas suas palavras “nem gostava muito da vinha”. Assumimos aí, que o relato que dali seguiria, não faria o retrato de um amor à primeira vista, mas é importante que isso não nos desmotive, porque nem todas as histórias de amor, começam ao primeiro encontro. Apesar disto, Agostinho admite que as vivências do vinho fizeram parte da sua vida desde sempre, sendo que os seus pais sempre o produziram e, aliado a isso, nasceu em Pala, uma freguesia do concelho de Pinhel que é uma das que mais vinho produz nesta região.
Tal como a Adega Cooperativa de Pinhel, a grande maioria das Adegas Cooperativas em Portugal, foram igualmente criadas na década de 50. A razão para este facto prende-se com o trabalho desenvolvido pela Junta Nacional do Vinho. Já na década de 40, a qualidade dos vinhos de Pinhel começava a dar cartas e a destacar-se. Quando os vinhos de Pinhel chegavam à Mealhada, um dos pontos onde chegavam grande parte das produções da região Centro, era separado dos outros exatamente em consequência dessa qualidade que já o fazia sobressair. Agostinho conta que os vinhos dessa época eram bastante diferentes dos que hoje se produzem. Eram vinhos com outro perfil, mais abertos, principalmente pelo facto de resultarem de uma produção mista de uvas brancas e tintas. Também por essa razão, as próprias vinhas estavam plantadas de forma diferente, ou seja, as videiras brancas e tintas estavam misturadas, fenómeno que ainda existe em vinhas mais antigas. Essa heterogeneidade das uvas era logo consequência da vindima, já que na década de 50, quando a adega abriu, não se separaram as uvas, a não ser que existisse necessidade de produzir uma pequena quantidade de vinho branco, caso contrário, eram sempre misturadas. A mistura daí resultante, produzia vinhos muito aromáticos e saborosos, com um baixo teor alcoólico e com uma elevada frescura, frescura essa que vinha precisamente do terroir. O facto das vinhas estarem plantadas acima dos 600m de altitude, aliado ao facto de o solo ser granítico ou argiloso, e consequentemente um solo ácido por natureza, permitia criar esse vinho que era já bastante diferente dos outros que existiam a nível nacional.
Consciente da grande qualidade dos vinhos produzidos em Pinhel, a Junta Nacional dos Vinhos decide incentivar a criação de uma cooperativa, cedendo assim parte das suas instalações, onde hoje encontramos a Adega. Apesar da fundação da Adega Cooperativa de Pinhel ter ocorrido apenas em 1951, as suas primeiras vindimas aconteceram nos dois anos anteriores, o que faz dela uma das mais antigas em todo o país. No momento da fundação, conta Agostinho, existiam aproximadamente 100 associados, sendo que na década de 60 esse número aumentou para 500 e assim foi crescendo até atingir quase 2200. O volume de associados é também consequência da vasta área de abrangência da Adega, incluindo assim, sócios de Almeida, Trancoso, Meda, entre outros, e claro, em maior número, do concelho de Pinhel. Embora com o passar dos anos, muitos tenham falecido ou simplesmente abandonado as vinhas, ocorreu um evento interessante, o decréscimo de sócios não equivaleu ao decréscimo da área da vinha ou da quantidade de uvas. Isto é, embora certos sócios fossem deixando de o ser, muitos entregaram essas vinhas a familiares, ou existiram simplesmente outras pessoas que as foram adquirindo e juntando parcelas. Não é por isso de estranhar que no passado ano de 2019, Pinhel tenha sido a Adega do país com mais área de vinha aprovada para reconversão, exatamente no mesmo ano em que ganha o estatuto de “Cidade do Vinho 2020”.
Após uma introdução bastante detalhada do que foi o nascimento e o crescimento da Adega, Agostinho conta finalmente o que trouxe até ali. A sua vida profissional foi dedicada ao ensino da filosofia, e foi enquanto professor que na década de 90, foi destacado para dar aulas nesta zona, mais especificamente no município de Almeida. Incentivado por outros membros, Agostinho começa a fazer parte da direção da Adega e desenvolve essas funções durante 3 mandatos, até acabar por sair. É nesse momento que a Adega começa a viver um momento bastante difícil a nível financeiro, e de alguma forma esse momento despoleta em si, a vontade de poder fazer algo para poder reverter essa situação, acreditando que uma casa com aquela importância merecia encontrar um novo rumo. É no ano de 2006 que assume finalmente a Presidência, e é também a sua entrada que marca um processo de viragem na história da Adega. Inicia-se assim uma reestruturação financeira e também uma forte modernização dos equipamentos, métodos e capacidade da Adega. Os resultados de toda esta reestruturação foram de tal forma excepcionais, que levaram outras empresas a deslocar-se até lá para perceberem melhor de que forma essa evolução foi conseguida e também, a que esta direção fosse elogiada em diversos fóruns locais e regionais.
De uma pessoa cujo amor pela vinha parecia não existir de forma natural, hoje Agostinho é alguém apaixonado por este mundo dos vinhos e tudo o que ele envolve, tanto o é, que após o falecimento do seu pai, decidiu aumentar a sua área de vinha. Eu costumo dizer que nós quando nascemos devemos deixar a nossa marca, não vimos cá só para libertar carbono para a atmosfera e deixar a nossa pegada ecológica. Neste sentido, Agostinho acredita que está a deixar a sua marca e o seu nome, através do trabalho que tem desenvolvido na Adega, através não só da reestruturação financeira que levou a cabo e da modernização das suas instalações, mas do que acredita ter sido uma revolução em termos da qualidade do vinho ali produzido. A quantidade de prémios que os vinhos de Pinhel têm recebido ao longo dos últimos anos, corrobora de forma bastante clara as suas palavras, sendo que o Reserva D. Manuel I, recebeu a Medalha de Ouro no Concurso de Bruxelas no presente ano de 2020.
Agostinho acredita que a Adega Cooperativa de Pinhel, além do seu papel enquanto motor económico na região, exerce uma forte função social. Nas suas palavras, se não fosse a existência da Adega não haveria vinho em Pinhel já que estando tão longe dos centros de consumo, os produtores não teriam capacidade de fazer com que o seu vinho chegasse lá e consequentemente, ninguém hoje estaria a gastar dinheiro para tratar a sua vinha sem saber o que iria fazer a esse vinho no final do ano. Embora a Adega não crie muitos postos de trabalho de forma direta, contando com cerca de 20 funcionários no quadro, cria muitos postos indiretamente. Hoje em dia a vinha ocupa sete meses do ano, começando com a poda em Novembro que dura até ao final de Março, depois o atar em Maio e o desarrumar das videiras, e finalmente a vindima, implicando sempre a contratação de mais pessoas. Esse desarrumar das videiras é um método bastante tradicional e que está associado ao facto de não usarem herbicidas nem glifosatos na vinha, havendo nestas escolhas uma forte consciência ambiental.
Quando questionado sobre o envolvimento das novas gerações no futuro dos vinhos em Pinhel, Agostinho admite estar plenamente consciente da dificuldade de atrair gente nova para o Interior. Apesar de existirem ali alguns jovens agricultores, é ainda a população mais idosa quem prevalece mais envolvida. A vinha é um complemento extremamente importante para um grande número de pessoas que estão dependentes de reformas bastante diminutas e claramente insuficientes para a manutenção de uma vida digna, pelo que a existência desse complemento é vital. Muitos dos residentes ali, estão hoje reformados e ali regressados após anos em que trabalharam e viverem em centros urbanos de maior dimensão, onde encontraram outras oportunidades e regressam numa idade que ainda lhes permite dar muito à agricultura. Agostinho acredita na possibilidade de uma mudança de paradigma que traga os jovens para esta área, mas até lá não duvida de que serão os mais velhos a assegurar a continuidade.
Esta foi uma daquelas conversas que fluiu como se de uma viagem se tratasse. Em cada pequena história, descrição e relato, foi evidente de forma constante e crescente, a forte ligação que existe entre Pinhel e os vinhos que ali se produzem. É sem dúvida de uma relação umbilical que falamos, onde o desenvolvimento e a evolução de cada uma das partes influencia de forma inequívoca o desenvolvimento da outra, numa simbiose quase perfeita. Visitar Pinhel e não conhecer os seus vinhos é perder parte do que é a essência e a própria identidade deste lugar, e a Adega Cooperativa é de facto a Casa dos Vinhos de Pinhel.
Novembro 2020
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