a nova vida da aldeia do juízo
A aldeia do Juízo fica na freguesia do Vale do Côa, no concelho de Pinhel e pertence ao distrito da Guarda. A sua curiosa toponímia vem da suposta presença de um juiz que ali residia, e assim ficou. Esta aldeia pitoresca, tipicamente beirã, é um lugar que alberga uma autenticidade única, o que faz com que exista ali uma atmosfera muito diferente, quase bucólica. Num passado bastante mais longínquo, foi uma villa romana, tendo chegado aos dias de hoje, vários vestígios que o comprovam, como pedras, fornos e lagares. Aqui o silêncio impera, mas estranhamente é um silêncio que não cria constrangimento, nem lhe denota uma melancolia triste. De alguma forma é como se esse silêncio encerrasse em si uma espécie de homenagem à beleza tão particular que ali vemos, ou melhor dizendo, sentimos.
Em 2014, na aldeia do Juízo, nasce um projeto de turismo rural de nome “Casas do Juízo”. Assumimos um avançar na história, concluindo o sucesso do projeto, que muito mais do que um “negócio hoteleiro”, reconstruiu diversas casas, de uma forma concreta, e reconstruiu a esperança de um lugar remoto. Hoje, são quase 10 as casas que fazem as “Casas do Juízo”, projeto que já se confunde com a própria aldeia do Juízo. É nesta mistura, entre as “Casas do Juízo” e Aldeia do Juízo, que vamos avançar na história.
José Pinto Guerra é a pessoa por detrás da criação deste turismo rural. Depois de concluir os seus estudos na Guarda, e de uma vida inteira de trabalho, passada essencialmente na Marinha Grande, José reforma-se e decide regressar à Aldeia do Juízo, o lugar que o viu nascer. Dispondo ali de várias casas de família, embora em decadência e já sob o domínio de silvas e sabugueiros, viu ali a oportunidade de combater o esquecimento de que via a sua aldeia padecer, o que de alguma forma incitou em si, a vontade de recuperar e transformar essas mesmas casas, para um projeto turístico. O começo de tudo isto não foi de todo fácil. Principalmente por ser uma área na qual não detinha experiência prévia, mas também por a Aldeia do Juízo não figurar nos mapas dos habituais roteiros e fluxos turísticos. Contudo, não foram essas questões que o fizeram baixar os braços, muito pelo contrário. Apesar de todos os obstáculos que foi encontrando ao longo deste caminho, hoje consegue ver acima de tudo possibilidades, Em seis anos, regularmente, as “Casas do Juízo” triplicam a população da aldeia com os seus hóspedes, assumindo entre os residentes (fixos) a normalidade das caras novas e das chegadas e das partidas constantes. No meio do sucesso de uma “casa” cheia, também se conclui um sucesso social para projetos como este. Do lado do José, este sucesso também revela como forma de esperança, novos e confiança no futuro da sua aldeia. Em breve, as “Casas do Juízo”, vão ter uma nova casa que funcionará enquanto alojamento artístico. Um espaço pensado para artistas que apreciem o interior e o sossego que ali podem encontrar para desenvolverem os seus trabalhos, deixando também a sua marca na aldeia.
Além do feito de dar nova vida à sua aldeia de nascimento com as suas Casas, o José também trouxe uma nova vida ao Juízo, sob a forma literal de vida. Para trabalhar no projeto “Casas do Juízo” trouxe caras novas para viver a aldeia. As próximas personagens desta história.
A Daniela e o André não são naturais da aldeia do Juízo, mas já se sentem hoje parte dela, e essa é uma verdade que se torna palpável durante toda a nossa conversa, como se de alguma forma se fosse materializando na maneira como descrevem a sua vivência ali e a ligação que criaram não só com este lugar, mas acima de tudo com as suas pessoas. A Daniela é natural de uma pequena freguesia chamada Numão, pertencente ao concelho de Vila Nova de Foz Côa, e licenciou-se em Turismo. Com 25 anos, em 2015, decidiu responder a um anúncio para trabalhar como recepcionista em part-time nas “Casas do Juízo”. Por sua vez, o André é natural de Trancoso, e na sequência de ter acompanhado a Daniela na sua primeira entrevista, acabaria também por se juntar ao projeto. Desde há 5 anos, quando chegaram à aldeia, que foram assistindo ao crescimento deste lugar, não só no número de casas do alojamento, mas também na criação de um espaço de restauração, a “Taberna do Juiz”, do qual são hoje responsáveis. Neste sentido, esse crescimento foi em grande parte também resultado do trabalho que ali foram desenvolvendo, mas acima de tudo, do amor que foram criando por esta aldeia.
Às vezes olhamos para estas paredes e parece que elas falam connosco. É este o amor que se ouve e se vê na voz da Daniela. Confessa que nem tudo foram rosas, conta que a maioria dos seus amigos os apelidou de loucos quando decidiram abraçar desta forma o projeto, mas não existe o menor arrependimento. Sente-se de uma forma que não precisava de palavras. A Daniela e o André acreditam ser detentores do que na sua visão é o ingrediente chave, o bem receber, o atendimento personalizado e a experiência única que oferecem a cada um dos seus clientes. Para eles, tanto a gestão do restaurante como do turismo rural, são hoje muito mais do que um trabalho, são parte das suas vidas, e uma parte muito importante para ambos. O que começou como um quase fruto do acaso, é hoje um projeto do qual muito se orgulham de fazer parte, e acima de tudo, na forma como contribuem para a sua evolução, divulgação e perspectiva de futuro. É por entre gargalhadas que assume, “Nós queremos continuar, agora só mesmo se o Sr. José nos mandar embora.”
Se este lugar é naturalmente bonito, nas palavras da Daniela, essa beleza ganha novos contornos. Embora ela conte que de alguma forma “caiu ali de pára-quedas”, ouvindo a forma como descreve esta aldeia, o desenho do seu sorriso e a própria dinâmica dos seus gestos, mostram de forma inequívoca que este lugar lhe estava destinado. Existe tanto na Daniela como no André, uma grande consciência da importância que este alojamento foi ganhando para as pessoas que ainda ali residem. As “Casas do Juízo” permitiram criar uma ligação entre os residentes da aldeia e os turistas, havendo assim uma troca de experiências, que trouxe uma nova vida aquelas pessoas, que de alguma forma estavam esquecidas. Falamos assim de um turismo de proximidade, que permite a quem ali fica hospedado, a oportunidade de verdadeiramente viver aquele lugar. É por isto natural chegarem à Taberna e encontrarem já um saco de legumes encostado ao beiral da porta. Sim, foi a sua vizinha que lá o deixou.
Descobrir a aldeia do Juízo e ficar nas “Casas do Juízo”, é assumir que se quer ter muito mais do que um lugar para pernoitar. A entrada aqui oferece um passaporte para algo que não podemos denominar de mera visita, mas antes de viagem, de experiência. Aqui ainda podemos acordar e ver a Dona Maria Adília nas suas funções de pastora, o pão acabado de fazer a sair do forno comunitário, e principalmente, sentir uma familiaridade que parece estar hoje em vias de extinção, e que faz com que ninguém se poupe nos cumprimentos e nos sorrisos. Este conjunto de casas com uma arquitetura tradicional em pedra, onde a traça original foi preservada, formam assim o coração desta aldeia de jeito serrano, onde a arte de bem receber se transforma no seu melhor cartão de visita. Embora tenham passado mais de 30 anos desde a última vez que nasceu uma criança nesta aldeia, e hoje não permaneçam ali mais de 15 pessoas a viver em permanência, é incrível como este permanece um lugar com vida e isso em muito se deve à vida que este turismo rural lhe trouxe, ou de alguma forma, lhe devolveu.
Talvez faça sentido terminar com esta conclusão, afinal quem verdadeiramente tinha juízo era esse tal juiz que dá nome a este lugar e que percebeu primeiro que todos nós, a beleza e o privilégio de viver num lugar assim.
Dezembro 2020
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