entre portas
Para alguém apaixonado por arquitectura, conhecer o “Entre-Portas”, torna-se imediatamente mais do que a simples experiência de visitar um restaurante. Em pleno centro histórico da cidade de Pinhel, entre o Município e o Posto de Turismo, numa casa antiga mas onde a modernidade espreita, é lá que o encontramos. Num primeiro vislumbre, o enquadramento parece-nos perfeito, numa morada que de alguma forma parece abraçar o coração desta cidade-falcão. O dia está brutalmente frio, mas tudo o que os olhos alcançam obriga ao esquecimento das temperaturas que se fazem sentir, porque o que os olhos alcançam é acima de tudo, um postal de inacreditável beleza. Existem sítios assim, mas não em grande número. Sítios onde o frio parece pintar a paisagem nos tons certos, como se aquela estação do ano lhe pertencesse e de forma natural lhe equilibrasse a luminosidade e as sombras. Foi sob esta atmosfera de um certo encantamento, que Francisco António Santos abriu as portas do seu “Entre-portas” e por estranho que pareça, o melhor estava ainda por vir.
Francisco Santos nasceu em Pinhel e foi ali que cresceu e viveu, tendo apenas deixado este lugar temporariamente enquanto esteve na tropa. Numa das suas primeiras frases, surge uma afirmação que se tem tornado comum aos Pinhelenses que fui conhecendo, sempre soube que queria viver aqui. Este sentimento vai muito além de uma noção de pertença, este sentimento denota sempre de forma bastante clara, uma verdadeira vontade de permanecer, e essa vontade não é de forma alguma redutora, muito pelo contrário, mas já lá voltaremos. Francisco, que muitos tratam carinhosamente por “Tá”, esteve desde muito cedo ligado à área da hotelaria. Durante vinte anos esteve à frente de um bar, que geria juntamente com um sócio e que se chamava “A Fábrica”, mas trabalhou também numa das primeiras residenciais que existiram na cidade. Foi desta forma, que durante muitos anos conheceu por dentro muitas das funções ligadas a esta área, tendo trabalhado em receção, bar, discoteca e finalmente, restaurante. Como muitas vezes acontece, chegou um momento em que sentiu vontade de criar alguma coisa diferente, e foi aí, que com o apoio dos seus cunhados, decidiu investir na cidade e projetar o que viria a ser o “Entre-Portas”.
A casa onde hoje encontramos o restaurante, estava há já vários anos abandonada, após ter funcionado enquanto estação de autocarros e táxis. Com a colaboração do coletivo depA Architects, cujo trabalho era já bastante reconhecido na cidade, sendo um dos exemplos óbvios, a “Casa da Cultura”, decidiu avançar. A recuperação da casa, que durou quase três anos, teve em todos os momentos o cuidado de manter elementos que de alguma forma lhe pertenciam, como as paredes de pedra e a cobertura de madeira. Contudo, o projeto que ali nasceu foi muito além de tudo o que seria esperado e consequentemente, o resultado colocou-o na mira de importantes revistas internacionais de arquitetura contemporânea, como a Wallpaper ou a Archdaily. De traços modernos e ousados mas ao mesmo tempo funcionais, nasceu assim em 2017, um espaço onde funcionava restaurante e bar. Francisco conta que o processo de arranjar um cozinheiro foi desafiante e cheio de peripécias, mas que acabou por ser uma das partes mais interessantes do projeto. Com um sorriso rasgado, partilha dias em que passaram horas infinitas dentro da cozinha, ele, Ivo, que é a pessoa atualmente responsável pela cozinha e Jorge, um seu amigo, que o ajudou enquanto consultor na criação das ementas.
Durante toda a conversa vai-se tornando evidente a paixão que Francisco detém não só por este espaço, mas por tudo o que de alguma forma envolve esta área. É com grande prazer que recebe os seus clientes e que procura perceber o que os trouxe até ali, de forma a poder oferecer-lhes as indicações e as recomendações certas. Francisco é acima de tudo, um grande embaixador não só da sua cidade como do território onde a mesma se insere e tem a constante preocupação de a dar a conhecer aos outros, processo esse que lhe é bastante fácil pelo amor que lhe tem. Outro grande exemplo disso mesmo, é a garrafeira onde de forma orgulhosa faz brilhar os vinhos de Pinhel, faço não só questão de lhes dar a provar os nossos vinhos, como de lhes recomendar que visitem a Adega Cooperativa e que tenham a experiência de ir lá comprá-lo antes de se irem embora.
Em 2020 decidiu criar uma nova mudança no espaço, e desta vez terminou com a vertente de bar e alargou-a também para restaurante. Muitas vezes os clientes tinham de esperar por mesas, e aquele espaço estava vazio, pelo que lhe pareceu a decisão mais lógica e inclusive algo que já havia imaginado que um dia acabaria por acontecer. Para Francisco, a criação do “Entre-Portas” trouxe não só um novo fulgor ao centro histórico da cidade, como a presença de um espaço e de um tipo de oferta que ali ainda não existia. Ainda hoje, muitas das pessoas que o visitam, ficam admiradas por encontrar um lugar assim, num sítio que pode parecer improvável. No “Entre-Portas”, a expressão “os olhos também comem” ganha outra vida. A incrível luz natural que invade o espaço, cria-lhe uma atmosfera onde a estética e o conforto se misturam. Mas nem só de um hino à arquitetura contemporânea se escreve sobre este lugar, porque o que o torna realmente especial é o facto de essa beleza estar aliada aos seus maravilhosos pratos. Segundo Francisco, alguns dos mais aclamados são, a bochecha de porco confitada, a esmagada de favas com alheira de caça e ainda, o lascado de bacalhau com brandado de camarão, mas a lista poderia continuar.
O final desta agradável conversa, num espaço que dificilmente poderia ser mais fascinante do que este, culminou com uma espécie de declaração de amor de Francisco à sua cidade. Mais uma vez a noção de que ele é um grande embaixador de Pinhel saiu reforçada, bem como, a certeza de que é ali que o voltaremos a encontrar numa próxima visita. Francisco está plenamente consciente de que irão sempre existir novos desafios e obstáculos, mas a sua vontade de fazer mais e de fazer melhor, manter-se-à bastante mais forte do que qualquer contrariedade que possa advir. E foi com a certeza, de que enquanto existirem pessoas assim, estes lugares mágicos permanecerão nas mãos certas, que deixei este espaço, já com vontade de regressar e de trazer a família atrás na próxima visita. São segredos bons estes, que se encerram entre portas.
Dezembro 2020
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