“Pinhel Falcão, Guarda-Mor de Portugal”
É na região centro do país, pertencente ao distrito da Guarda, na província da Beira Alta e sub-região das Beiras e Serra da Estrela, que vamos encontrar a cidade de Pinhel. Esta cidade é também conhecida como a Cidade-Falcão, um elogio à relevância do seu passado histórico, e à união e força dos Pinhelenses. Fazem parte do concelho de Pinhel, 18 freguesias, e o mesmo é banhado pelos Rios Côa e Massueime, para além da ribeira das Cabras e da ribeira da Pêga. A beleza paisagística de Pinhel é dominada pelas colinas, planaltos, montes e claro, a imponente Serra da Marofa, ponto mais alto das terras de Riba-Côa, cujo cume atinge os 975 metros de altitude. A sua toponímia como já seria de esperar, deriva da grande quantidade de pinheiros existentes nesta zona, demarcando de forma muito evidente, não só a paisagem, como a própria identidade deste lugar. Pinhel é uma daquelas cidades onde ainda não se perdeu aquela familiaridade que é geralmente própria de sítios mais pequenos, e isso faz com que a visita se torne imediatamente mais serena, como se estivéssemos de regresso, mesmo que na verdade, a estejamos a pisar pela primeira vez.
Percorrer o centro histórico da cidade, reforça uma atmosfera de uma vida simples. Simples no sentido de estar alheada da azáfama a que normalmente associamos os centros urbanos, e bem mais perto da ideia de uma vida mais leve, que ainda promove a proximidade entre quem nela vive e a beleza das rotinas do dia a dia. Aliado a tudo isto, existe ali um pendor histórico que se sente de forma imediata e constante. Ao deambularmos pelas ruas estreitas, é visível o seu passado histórico e a forma como o mesmo continua presente não só na memória coletiva, como na vida que ali se respira. A origem desta cidade é atribuída aos Túrdulos, por volta do ano 500 a.C, mas não existem grandes certezas se assim terá realmente sido. Contudo, apesar da incerteza da sua origem, o encontro com este lugar, eleva a convicção do quão longínqua será a sua existência, e consequentemente, a força e a importância da sua história, ainda ali tão latente.
Foi no ano de 1209, que o concelho de Pinhel recebeu o foral por parte de D. Sancho I, já a reedificação do Castelo de Pinhel, e a construção da histórica muralha que rodeava a vila da época, e onde hoje se encontra a zona histórica, deveu-se a D. Dinis. A muralha é constituída por seis portas: Santiago, Vila, S. João, Marrocos, Marialva e Alvacar, sendo que apenas a Vila já não se encontra de pé, tendo sido demolida em 1838. A simbologia do falcão, presente no seu brasão, e que dá a denominação de Cidade-Falcão, é também um importante retrato da sua história e principalmente, das suas gentes. O falcão vigilante, simboliza assim, o amor à pátria dos habitantes de Pinhel, que lutaram pela defesa da independência nacional, numa época em que estes se uniram ao movimento patriótico do Mestre de Avis, e em que Portugal estava sob ataques de Castela. Foi nesses tempos idos medievais, mais propriamente no ano de 1385, enquanto os espanhóis se retiravam derrotados na Batalha de Aljubarrota, que os corajosos pinhelenses capturaram o falcão de estimação do rei de Castela. Este acto de bravura, levou o rei português a descrever a cidade como “Pinhel Falcão, Guarda-Mor de Portugal”.
Caminhar pelo centro histórico é provavelmente a melhor forma de imersão direta na fervilhante história que ainda por ali se passeia, em cada canto e recanto, em cada rua estreita, em cada rugosidade de cada parede e em cada recorte da própria paisagem que do alto se deixa ver. Na atual Rua de Santa Maria por exemplo, ainda se conservam um interessante conjunto de marcas cruciformes, que atestam a presença judaica que terá ali residido. Outro dos elementos visuais que chama à atenção, é a quantidade de solares espalhados por esta zona mais antiga da cidade, dos séculos XVI e XVII e que se distinguem do restante traço, pela sua grandiosidade. O Castelo aparece-nos erguido no topo de uma colina, estando rodeado por uma muralha com cerca de 800 metros de perímetro, sendo que dispersas por essa cintura amuralhada foram edificadas seis torres. Datado do século XIII, supõe-se que a sua construção terá tido início no século anterior pela mão de D. Sancho I que promoveu o repovoamento desta zona fronteiriça e lhe concedeu foral em 1209 como acima já referido. Esta estrutura defensiva foi particularmente importante pela sua proximidade geográfica com Espanha, o que fez dela um dos pontos chave dentro de um sistema fortificado mais alargado, onde também figuravam outros Castelos vizinhos.
Assumindo a profundidade do património histórico que está associado a este lugar, não é por isso de estranhar que o mesmo também seja rico em lendas que vão passando de boca em boca e de geração em geração, ganhando sempre novos contornos e floreados. Uma dessas histórias está associada à “Casa Grande”. Este solar do século XVIII, pertencente aos condes de Pinhel, segundo dizem os populares, foi construído por diabretes, sim diabretes. Conhecido como “Casa Grande”, diz-se que terá tantas janelas e portas como os dias do ano, e a génese desta história, dita que a certa altura da sua construção, a pedra terá começado a faltar, motivo que levou à “aparição” dos tais diabretes. Tendo o mestre de obras adoecido, usou então um livro tenebroso, de onde saltaram os servos do demo, que usou como ajudantes. O edifício ainda lá está, em frente ao pelourinho, e ainda hoje se diz, que foram o diabo e os seus demónios que ajudaram à sua construção.
Além da já por demais evidente riqueza histórica, cultural e patrimonial, Pinhel guarda ainda outros segredos, e o vinho, é certamente um deles. Com um passado histórico vitivinícola que remonta à fundação da nacionalidade portuguesa, sendo certo que já nos princípios do ano 1500, o Rei D. Manuel I, o Venturoso, concedeu diversas regalias e privilégios em favor dos vinhos de Pinhel. Esta sub-região de vinhos de Pinhel, constitui assim uma zona de vinhos de altitude, com um clima bastante agreste, onde os meses de inverno extremamente frios e os de verão bastante quentes e secos, já os solos são arenosos e de origem granítica. Pinhel é o concelho com maior área plantada de vinhas da Beira Interior e é pela mistura de vários factores como o clima, o solo e ainda, a sua diversidade de castas, que dali resulta a produção de vinhos de extraordinária qualidade. Precisamente este ano de 2020, Pinhel assinala os seus 250 anos da sua elevação à categoria de Cidade e assume também, o título de Cidade do Vinho.
Em 1863, Camilo Castelo Branco publicava o seu livro “O Bem e o Mal”, onde descrevia os Pinhelenses, como “gentes boas de Pinhel” e esta afirmação, firmada por alguém que se tornou um dos grandes vultos da literatura portuguesa, encerra em si uma simples, mas nem por isso menos valiosa verdade. Neste lugar cujas origens remontam ao período calcolítico, e onde existem vestígios ainda mais antigos, nomeadamente as pinturas e gravuras rupestres do Vale do Côa, eleva-se acima de qualquer outro elogio, as suas pessoas. Essa verdade é cabal pela força tanto da sua história, como das suas lendas, mas também como da própria familiaridade que ali se sente. Por entre as ruas estreitas, onde facilmente nos perdemos, por entre referências diversas que vão de tempos medievais a tempos modernos, existe uma espécie de musicalidade que nos convoca a querer estar ali e a viver aquele lugar. Talvez exista até um certo esoterismo nesta reflexões, mas é apenas fruto da viagem que Pinhel incita em quem a visita, impedindo que alguém possa partir dali sem uma imediata nostalgia, uma prematura saudade até. Uma cidade cujos encantos se parecem engrandecer no exato momento em que a deixamos, como se fosse necessário digeri-los de alguma forma, para melhor os poder guardar na memória.
Novembro 2020
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