Cultura de vinho em Pinhel e as Casas Altas

A ligação entre a tradição vínica e o território de Pinhel não é apenas inegável, é também evidente a qualquer um que decida explorar este lugar, e está presente em tantos pequenos pormenores, que se torna quase palpável a um olhar mais atento. A cultura do vinho em Pinhel, remonta ao ano de 1500, quando o Rei D. Manuel I, o Venturoso, concedeu uma série de regalias e privilégios em favor dos vinhos ali produzidos. A excelência dos vinhos que dali nasciam, começou a dar que falar e as colheitas nos anos 40, eram tão abundantes que se começava a tornar difícil conseguir escoar tanta produção. Foi como consequência deste fenómeno, que a Junta Nacional do Vinho, instalou em Pinhel uma caldeira móvel de destilação, à qual rapidamente se juntou outra para que ambas pudessem estar constantemente a trabalhar. A qualidade das aguardente vínicas era tão elevada que quando as mesmas chegavam aos armazéns da Mealhada, em vez de serem misturadas com outras provenientes de outras áreas, eram colocadas em depósitos separados.

Em 1951 nasce a Adega Cooperativa de Pinhel, como consequência evidente não só da quantidade de vinho que era ali produzido, mas acima de tudo pela qualidade do mesmo. Apesar de ser essa a data oficial da criação da Adega, foi em 1947 que foram construídos ali, os seis primeiros lagares em granito, e que foi feita a primeira laboração, ainda através de métodos artesanais. Com mais de 50 anos de história e tendo começado apenas com pouco mais de 30 cooperantes, hoje conta com perto de 1500 e chegou já a ter mais de 2000. Quando pensamos nessa ligação quase embrionária entre este território e o vinho, surge este espaço de forma quase imediata, como se fosse o centro dessa própria ligação, ou ainda, o seu berço e o lugar que o viu crescer.

Foi nesta imersão pelo mundo dos vinhos neste território, que cheguei à fala com o Dr. José Madeira Afonso. Nascido e criado em Coimbra, foi na freguesia de Souropires que desde a infância passou sempre os seus Verões, em casa da sua avó materna. Uma casa muito especial, que terá sido reconstruída em meados do século XIX, após as invasões Francesas e que terá sido feita pelos seus tetravós. O mais velho dos seus quatro irmãos, José sempre foi o que deteve maior afinidade com Souropires, e recorda não só a excelente relação que tinha com a sua avó, quem considera uma das mulheres da sua vida, como a paixão por aquele lugar, por aquele mundo e por todo aquele imaginário. Embora seja médico de profissão, a paixão pelo vinho e por tudo o que o envolve, foi-se sempre intensificando, e após o falecimento da sua avó nos anos oitenta, e a pedido do seu pai, decidiu ajudar no desenvolvimento das vinhas, que desde sempre haviam possuído. 

Foi entre 1992 e 1993 que decidiram experimentar fazer o seu próprio vinho, e em 1994 produziram então o primeiro tinto, a partir de uvas de vinhas plantadas há pouco tempo e também de vinhas velhas. A primeira marca criada chamava-se “Rogenda”, nome que vinha de um pintor das Invasões Francesas que por ali havia estado, mas acabou por não correr tão bem como era esperado e decidiram criar outra. Foi assim que nasceu a marca que ainda hoje usam “Casas Altas”. Este é o nome de um antigo Solar dos Távoras, cuja ruína existe ainda em Souropires. Foi ainda nos anos 90, que consciente desta sua paixão, José decidiu começar a dedicar as suas férias a esta mesma temática, visitando lugares como Borgonha, Alsácia, Toscana e Bordéus, sendo o seu fascínio por Borgonha por demais evidente na forma como a descreve. O vinho é muito mais do que a paixão, é muito mais um vício, um jogo em que a gente todos os anos aposta e acha que este ano é que vai ser o ano extraordinário e se não é, apostamos no seguinte.

Começou com uma pequena adega, e ao longo dos anos foi fazendo sempre novos investimentos, muitos deles inspirados por essas mesmas viagens que foi sempre fazendo por diversas regiões de vinhos. Durante toda a conversa é notório o grande conhecimento que foi adquirindo sobre este tema, partilhando inclusive algumas curiosidades, como por exemplo, a mudança de hábitos de consumo em relação ao vinho, que decorreu com o regresso dos retornados após o 25 de abril, vinham com o hábito de beber cerveja, e são eles quem provoca a mudança radical, do vinho para a cerveja nas tabernas. Embora hoje em dia ainda continue a exercer a sua profissão, o número de horas que lhe dedica é incomparavelmente menor ao das horas que passa aqui, na sua quinta em Souropires. Confessa que é para si uma espécie de paraíso, poder dedicar ali o seu tempo, o trabalho nas vinhas, a mente ocupada e as conversas agradáveis com os seus empregados, não trocaria isto por coisa nenhuma.

Apesar dos tempos de incerteza que vivemos, é com optimismo que vê o futuro dos vinhos “Casas Altas”. A sua filha parece ter herdado esta mesma paixão, que partilha com o seu marido, e ambos já lhe confessaram a vontade de pegar no projeto daqui a alguns anos. Entretanto não conseguindo estar parado, já tem outros projetos em mente, como a criação de uma loja na propriedade, e também de uma sala grande onde possa fazer provas de vinhos. Fruto das suas variadas experiências vínicas, compreende que é hoje de suma importância para muitos clientes, poderem conhecer de perto quem são os produtores, o lugar onde os vinhos são produzidos e partilhar dessa experiência, podendo para sempre associar a memórias desses momentos ao próprio sabor dos vinhos, eternizando-os. Outro dos seus grandes objetivos é o de poder a nível associativo, levar outros produtores da região, a ter também a experiência de conhecer esses lugares que tanto o fascinam e de onde recolhe sempre novos estímulos e novas ideias.

Souropires transformou-se assim, em mais uma nova morada onde o território de Pinhel se elevou pela força das suas pessoas. O amor que o “Doutor das Casas Altas” nutre pelo lugar onde vive e pelos vinhos que ali produz, faz dele um dos grandes embaixadores que ali fui conhecendo. No mesmo sentido, os vinhos “Casas Altas” nunca mais serão para mim os mesmos, porque passarei a ter sempre presente na minha memória, aquela conversa, aquelas vinhas e o futuro daquele projeto que fui desenhando na minha cabeça, enquanto o José o ia descrevendo. Existem conversas que têm o sabor de brindes que se fazem com vontade, e esta foi certamente uma dessas conversas.

Dezembro 2020

HISTÓRIAS RELACIONADAS

HISTÓRIAS RELACIONADAS

póvoa e meadas

castelo de vide

mina de são domingos

outras histórias

facebook  /  instagram

O Meu Escritório é lá Fora!, todos os direitos reservados © 2020