praga, a capital da república checa.
Ainda hoje, com o devido distanciamento de um pós-viagem, consigo avaliar com certeza o meu sentimento em relação a Praga, capital da República Checa. É uma cidade bonita? É, sem dúvida. Tem uma arquitetura e uma melancolia que lhe conferem uma imagem sóbria e inquietante. É uma cidade com história? É, sem dúvida. Basta olhar para o passado recente. Só nos últimos 100 anos passou por 3 estados. Império Austro-húngaro, Checoslováquia e República Checa. Viveu de forma presente a 2ª Grande Guerra Mundial, ainda vive com resquícios de uma era comunista e tem traços fortes de uma comunidade judaica. Mas, com tudo isto, tudo pontos muito interessantes, existiu uma espécie de barreira entre mim e esta cidade. Durante a viagem, a barreira, que me pareceu intransponível no início, foi-se esbatendo e no final da viagem acabei a sentir-me muito mais confortável a fazer deste lugar, o meu lugar. Talvez tenha de voltar. Acredito que será uma experiência diferente. Existem lugares e viagens assim, nem sempre é um amor à primeira vista. Mas, no final de todas as contas, uma relação atribulada no início pode resultar num amor sincero. Acredito que isso pode acontecer entre mim e Praga. Talvez tenha que voltar.
O meu diário, durante a viagem:
//dia 1
“…estou em Praga. Pela primeira vez.
Por aqui vou continuar os próximos dias, sem grande programa. Vou seguir a maré da cidade.
O dia de hoje foi para criar ambiente. Mal dormi, voo atrasado pelo mau tempo e poucas horas de luz do sol para aproveitar. Mas, para já, estou a gostar. Uma cidade cheia de gente jovem, bonita, a cerveja é boa e o frio, apesar do termómetro impressionar (-1°C), tolera-se, com um casaco quente e uma gorro na cabeça. Amanhã vou-me aventurar pelas muitas sugestões que me deram. Confesso-me bastante curioso sobre algumas. Só o vinho quente é que não me entusiasmou. Só vejo os turistas a beber a coisa. Os checos, com cara de espertos, parecem gostar mais de um branquinho, fresquinho, alentejano. Mas talvez ainda prove o tal vinho, para acompanhar uma salsicha de meio metro.
Bem, vou dormir (nem janto).”
//dia 2
“Entretanto em Praga.
Praga é uma cidade de movimento fácil. Hoje já levo quase 8km nos meus pés, sem grande esforço. É, sem dúvida, uma bonita e monumental cidade. Percebe-se, com facilidade, a riqueza da sua história. No entanto, e no momento, confesso que estou a viver uma relação agridoce com Praga. Por um lado encantado, por outro lado meio expectante por algum rasgo que faça este lugar figurar nos lugares que deixam saudades. Ainda não aconteceu, mas estou de braços abertos para que aconteça. Sim, eu sei. Só estou há dois dias em Praga. Mas já me apaixonei por lugares em duas horas. Talvez seja por ainda não ter conseguido chegar às pessoas. Talvez mais logo, ao balcão de uma qualquer tasca, a beber uma cerveja local. Vamos ver.”
//dia 3
“Muitas vezes esta coisa de viajar pode ser uma verdadeira encruzilhada. Talvez a sua graça seja essa, uma incerteza no caminho, que nos leva a estar sempre no caminho.
Não morri de amores por Praga, assim na primeira vista. Talvez por eu querer que Praga fosse uma coisa que ela não é. Tornou-se frustrante e o caminho meio desagradável. Não sei se pela minha experiência em viagem, não sei se por ser mesmo assim, esta viagem. No meio da minha frustração, esperei. Esperei por Praga. Ainda não a encontrei, mas já me encontrei a mim em Praga. Sai do centro, deixei de procurar por palácios, deixei de querer que os checos me contassem coisas sobre a forma como vivem, deixei de olhar para o relógio e de ter um plano. Sim, neste momento estou a viver Praga como se vivesse lá. E estou a gostar.”
//dia 4
“Já começo a ver como isto funciona em Praga. Como já disse ontem, acho que já encontrei o meu lugar por aqui. E começo a gostar verdadeiramente disto.
Ontem o dia esteve impossível, sempre a chover, o que, a juntar ao frio, torna difícil o movimento. Procurei um bar fora do centro, assim com boa pinta, para criar raízes. Encontrei um bar chamado Cobra, que parecia ter sido feito para mim. Fiquei umas 3 horas. A comer, beber cerveja e a ver a vida Checa a acontecer. Mais tarde, e porque o prato típico daqui é joelho de porco (!?), e porque estava a apetecer-me comer com satisfação, procurei um restaurante italiano (shame on me). Encontrei um mesmo italiano (os italianos são uma espécie de canivete suíço do mundo gastronómico, são uma salvação ou uma benção, não sei).
Hoje está um frio dos diabos (não sinto o dedo mindinho há duas horas), mas está sol. E por um bom pedaço sol talvez abdique do dedo mindinho (estou a brincar, calma). E o checos parecem-me ser como as flores. Um bocadinho de sol e todos para a rua. É sempre bom ver checos na República Checa. Já fiz alegres passeios à beira rio, já fugi de aglomerados de pessoas (turistas asiáticos) e já comi uma coisa chamada trdelnik. Só para não morrer na estupidez, já que toda a gente anda com uma coisa daquelas na mão (não é mau, mas também não é bom).
Agora estou num mercado de rua, rodeado de checos com a sua marmita, a beber uma cervejas (muito boas).
Um brinde a Praga!”
//dia 5
“Agora que começo a gostar disto, a viagem acaba. Amanhã já volto para casa.
Intrigante esta Praga, capital da República Checa. Começo, de coração, a simpatizar com esta rapaziada do centro da Europa. Não são muito dados, mas são super educados e parece-me que bondosos. Fazem cervejas maravilhosas, mas mal os vejo a beber (ao contrário dos meus amigos irlandeses que bebem as deles e as dos outros). Já me disseram que esta forma de ser e de estar tem a ver com o seu passado recente meio conturbado. Queda do império Austro-Húngaro, 2ª Guerra Mundial, Comunismo, separação da Checoslováquia. Enfim, tudo isto em menos de 100 anos. Isto em história, é o mesmo que ainda estar no mesmo livro dos problemas. O que transforma a falta de palavras em “muito bem superaram eles tantos problemas”.
Depois, Praga é um postal. Impossível fugir a isso. Cada canto, cada rua, cada pormenor, a organização da cidade, parece ter sido feito para caber na máquina de filmar de filme de época, daqueles bonitos, quase perfeitos. Tirando o frio, e nem quero imaginar quando chegar o Inverno, parece-me ser uma bela cidade para uma pessoa viver. Além disso, limpa (muito) e super segura (pareceu-me).
Bem, vou beber uma última cerveja. Com o entusiasmo de quem sabe que ainda lhe faltam provar 1735 cervejas checas, e que até agora tem sido uma melhor que a outra.”
Ainda hoje, com o devido distanciamento de um pós-viagem, consigo avaliar com certeza o meu sentimento em relação a Praga, capital da República Checa. É uma cidade bonita? É, sem dúvida. Tem uma arquitetura e uma melancolia que lhe conferem uma imagem sóbria e inquietante. É uma cidade com história? É, sem dúvida. Basta olhar para o passado recente. Só nos últimos 100 anos passou por 3 estados. Império Austro-húngaro, Checoslováquia e República Checa. Viveu de forma presente a 2ª Grande Guerra Mundial, ainda vive com resquícios de uma era comunista e tem traços fortes de uma comunidade judaica. Mas, com tudo isto, tudo pontos muito interessantes, existiu uma espécie de barreira entre mim e esta cidade. Durante a viagem, a barreira, que me pareceu intransponível no início, foi-se esbatendo e no final da viagem acabei a sentir-me muito mais confortável a fazer deste lugar, o meu lugar. Talvez tenha de voltar. Acredito que será uma experiência diferente. Existem lugares e viagens assim, nem sempre é um amor à primeira vista. Mas, no final de todas as contas, uma relação atribulada no início pode resultar num amor sincero. Acredito que isso pode acontecer entre mim e Praga. Talvez tenha que voltar.
O meu diário, durante a viagem:
//dia 1
“…estou em Praga. Pela primeira vez.
Por aqui vou continuar os próximos dias, sem grande programa. Vou seguir a maré da cidade.
O dia de hoje foi para criar ambiente. Mal dormi, voo atrasado pelo mau tempo e poucas horas de luz do sol para aproveitar. Mas, para já, estou a gostar. Uma cidade cheia de gente jovem, bonita, a cerveja é boa e o frio, apesar do termómetro impressionar (-1°C), tolera-se, com um casaco quente e uma gorro na cabeça. Amanhã vou-me aventurar pelas muitas sugestões que me deram. Confesso-me bastante curioso sobre algumas. Só o vinho quente é que não me entusiasmou. Só vejo os turistas a beber a coisa. Os checos, com cara de espertos, parecem gostar mais de um branquinho, fresquinho, alentejano. Mas talvez ainda prove o tal vinho, para acompanhar uma salsicha de meio metro.
Bem, vou dormir (nem janto).”
//dia 2
“Entretanto em Praga.
Praga é uma cidade de movimento fácil. Hoje já levo quase 8km nos meus pés, sem grande esforço. É, sem dúvida, uma bonita e monumental cidade. Percebe-se, com facilidade, a riqueza da sua história. No entanto, e no momento, confesso que estou a viver uma relação agridoce com Praga. Por um lado encantado, por outro lado meio expectante por algum rasgo que faça este lugar figurar nos lugares que deixam saudades. Ainda não aconteceu, mas estou de braços abertos para que aconteça. Sim, eu sei. Só estou há dois dias em Praga. Mas já me apaixonei por lugares em duas horas. Talvez seja por ainda não ter conseguido chegar às pessoas. Talvez mais logo, ao balcão de uma qualquer tasca, a beber uma cerveja local. Vamos ver.”
//dia 3
“Muitas vezes esta coisa de viajar pode ser uma verdadeira encruzilhada. Talvez a sua graça seja essa, uma incerteza no caminho, que nos leva a estar sempre no caminho.
Não morri de amores por Praga, assim na primeira vista. Talvez por eu querer que Praga fosse uma coisa que ela não é. Tornou-se frustrante e o caminho meio desagradável. Não sei se pela minha experiência em viagem, não sei se por ser mesmo assim, esta viagem. No meio da minha frustração, esperei. Esperei por Praga. Ainda não a encontrei, mas já me encontrei a mim em Praga. Sai do centro, deixei de procurar por palácios, deixei de querer que os checos me contassem coisas sobre a forma como vivem, deixei de olhar para o relógio e de ter um plano. Sim, neste momento estou a viver Praga como se vivesse lá. E estou a gostar.”
//dia 4
“Já começo a ver como isto funciona em Praga. Como já disse ontem, acho que já encontrei o meu lugar por aqui. E começo a gostar verdadeiramente disto.
Ontem o dia esteve impossível, sempre a chover, o que, a juntar ao frio, torna difícil o movimento. Procurei um bar fora do centro, assim com boa pinta, para criar raízes. Encontrei um bar chamado Cobra, que parecia ter sido feito para mim. Fiquei umas 3 horas. A comer, beber cerveja e a ver a vida Checa a acontecer. Mais tarde, e porque o prato típico daqui é joelho de porco (!?), e porque estava a apetecer-me comer com satisfação, procurei um restaurante italiano (shame on me). Encontrei um mesmo italiano (os italianos são uma espécie de canivete suíço do mundo gastronómico, são uma salvação ou uma benção, não sei).
Hoje está um frio dos diabos (não sinto o dedo mindinho há duas horas), mas está sol. E por um bom pedaço sol talvez abdique do dedo mindinho (estou a brincar, calma). E o checos parecem-me ser como as flores. Um bocadinho de sol e todos para a rua. É sempre bom ver checos na República Checa. Já fiz alegres passeios à beira rio, já fugi de aglomerados de pessoas (turistas asiáticos) e já comi uma coisa chamada trdelnik. Só para não morrer na estupidez, já que toda a gente anda com uma coisa daquelas na mão (não é mau, mas também não é bom).
Agora estou num mercado de rua, rodeado de checos com a sua marmita, a beber uma cervejas (muito boas).
Um brinde a Praga!”
//dia 5
“Agora que começo a gostar disto, a viagem acaba. Amanhã já volto para casa.
Intrigante esta Praga, capital da República Checa. Começo, de coração, a simpatizar com esta rapaziada do centro da Europa. Não são muito dados, mas são super educados e parece-me que bondosos. Fazem cervejas maravilhosas, mas mal os vejo a beber (ao contrário dos meus amigos irlandeses que bebem as deles e as dos outros). Já me disseram que esta forma de ser e de estar tem a ver com o seu passado recente meio conturbado. Queda do império Austro-Húngaro, 2ª Guerra Mundial, Comunismo, separação da Checoslováquia. Enfim, tudo isto em menos de 100 anos. Isto em história, é o mesmo que ainda estar no mesmo livro dos problemas. O que transforma a falta de palavras em “muito bem superaram eles tantos problemas”.
Depois, Praga é um postal. Impossível fugir a isso. Cada canto, cada rua, cada pormenor, a organização da cidade, parece ter sido feito para caber na máquina de filmar de filme de época, daqueles bonitos, quase perfeitos. Tirando o frio, e nem quero imaginar quando chegar o Inverno, parece-me ser uma bela cidade para uma pessoa viver. Além disso, limpa (muito) e super segura (pareceu-me).
Bem, vou beber uma última cerveja. Com o entusiasmo de quem sabe que ainda lhe faltam provar 1735 cervejas checas, e que até agora tem sido uma melhor que a outra.”








































