3 de Outubro de 2016, Ilha do Pico – 4º dia nos Açores

Era dia de subir ao topo da Montanha do Pico, ponto mais alto de Portugal, com uma altitude de 2351m. Tudo isto numa ilha com cerca de 40km de comprimento. Dá um bocado nas vistas 🙂 . Não é bem como subir ao topo ao topo da Serra da Estrela, onde a subida é muito mais gradual (até pode ser feita de carro). Na Montanha do Pico, é sempre muito inclinado, por caminhos estreitos e com alterações climáticas constantes.

Acordei dor volta das 6h30, no Whale’come, em Lajes do Pico. Sabia que subir esta montanha não era o fim do mundo e que provavelmente até já tinha tido desafios mais complexos. Mas não há como evitar aquele frio na barriga, aquela ansiedade de quem não consegue dominar por completo o que vem por aí. Acho que é esse pequeno medo e incerteza que move todos os aventureiros, e o sucesso de cada um, independentemente da escala da sua aventura, está na sua capacidade de o dominar. Numa primeira fase, na coragem de aceitar o desafio e numa fase posterior, o imediatamente antes do desafio e o durante, conseguir controlar o medo, aquele que se sente no desconhecido, e com controlo, desfrutar da aventura. O pós desafio, é história, em que quem o concluí, com maior ou menor dificuldade, é uma espécie de herói. Portanto, às 6h30 sofria de um misto de curiosidade e pequeno medo pelo que vinha aí. Até porque este seria o meu 4º dia entre as ilhas do Pico e Faial e constantemente estava a levar com a imponência da Montanha do Pico. Já tinha percebido que não era o mesmo que subir umas escadas. Muitos me tinham dito que era dificílimo, outros que era fácil e outros que chamam de maluco a quem só pensa em subir aquilo. Como diria o outro: “só de elevador”. Enfim, estava meio baralhado.

Como o pequeno almoço apenas iria abrir às 7h30 e a partida estava marcada para 7h15, esperei tipo ninja pela chegada das senhoras do pequeno almoço. Mesmo à porta da cozinha para me verem bem. Não foi preciso chorar muito, muito simpaticamente me alimentaram, tal como se coloca gasolina num carro antes de uma grande viagem, fora da hora de trabalho. Ainda era noite nas Lajes, mas a temperatura estava agradável e o dia parecia ir nascer limpo. O Serge seria a minha boleia até o ponto de partida para a subida e comigo já esperava um casal de alemães, todo artilhado, quase que parecia que iriam subir o Evereste. Entretanto o Serge chegou e partimos para uma viagem de cerca de meia hora em direção à montanha. 

Entretanto o dia nasceu. O dia bonito junto à costa, transformou-se numa espécie de filme de terror com o aproximar da montanha. Micro clima a funcionar a toda a toda a velocidade. Chegamos à Casa da Montanha. Localizada a cerca de 1000m de altitude e porta de entrada para quem sobe a montanha. É literalmente a porta de entrada (tem mesmo uma porta para a montanha 😉 ), sendo obrigatório a todos os montanhistas passarem por ali, deixarem os seus dados, e no caso de se aventurarem sozinhos, sem um guia especializado, levam consigo um GPS localizador, com uns botões de alerta, caso a coisa dê para o torto. No meu caso, estava à minha espera na Casa da Montanha a Cecília, guia encarregue de me conduzir até ao topo. A mim e ao casal de alemães, iria juntar-se, um austríaco, uma canadense e duas inglesas. O tempo do lado de fora da Casa da Montanha estava horrível, muito frio, chuva e nevoeiro. Assistimos a um pequeno video de segurança, mais um pequeno briefing e partimos em direção ao topo da montanha. O tempo estimado seriam 4 horas para subir, 4 horas para descer.

A Cecília disse-nos que a primeira fase, cerca de 30 minutos, seria o aquecimento. Terreno mais plano, com um abrigo no final. No final dessa primeira fase, cada um deveria avaliar o seu estado, pois a partir daquele ponto, se alguém voltasse para trás, todo o grupo voltaria. Começamos a andar. Confesso que ainda não tinha tirado bem a pinta, dos restantes elementos do grupo. Estava em modo absorção do meio que me rodeava (e os elementos novos eram muitos). Mas logo após os primeiros metros de caminho, era impossível não reparar na senhora inglesa que seguia à minha frente. Seguia vestida com roupa de quem se levanta no domingo de manhã para arrumar a casa, leggings, camisola de malha, sapatilhas, mochila de pano e um impermeável que mais parecia um saco plástico gigante, de tão frágil que era. Com chuva que caía e o frio que estava, só pensei “vais sofrer tanto”. Passados 5 minutos de caminhada, o meu pensamento já era outro “com esta senhora, nem à hora de jantar chegamos lá acima”. Acho que não fazia a mínima ideia ao que ia, se a roupa era má, sofria mais um pouco, escorregava mais um pouco, mas poderia ter sucesso, mas com a condição física de quem “nem para a missa vai a pé” a coisa poderia tonar-se impossível. Se no inicio fiquei um pouco transtornado a pensar como alguém assim se mete numa coisa destas, colocando até os outros em risco, depois fiquei até com um pouco de pena. A senhora acho que se apercebeu onde estava metida e seguia cheia de medo. No final de 15 minutos de caminhada já seguia afastada do grupo e com alguma dificuldade. Ainda tentei ajudar, mas estava num terreno perigoso e tinha de garantir primeiro a minha segurança. Lá chegamos ao final da primeira fase, a de aquecimento. Chovia muito e seguimos para dentro de um pequeno abrigo. Aí o silêncio era total, já se tinham apercebido que estaria ali um problema e que com o estado do tempo e com dificuldade a aumentar, o mais certo era voltarmos para trás. A Cecília perguntou como estavam todos. Todos disseram que estavam bem. Ficámos mais um pouco no abrigo, uns comiam, outros vestiam mais qualquer coisa. Na hora da partida, eis que a outra senhora inglesa ganha coragem e diz que não tinham condições para continuar, que iriam prejudicar o grupo. Todos respiraram de alívio. É sempre muito chato alguém desistir e ficar para trás. Mas neste caso foi o melhor para todos. As duas senhoras inglesas voltaram para a Casa da Montanha e o resto do grupo partiu em conquista da montanha.

Rapidamente me apercebi que a primeira fase, era mesmo só o aquecimento. Não é que seja impossível ou muito difícil, mas com chuva, vento e nevoeiro, torna cada passo, um passo, ou seja, temos de pensar a cada passo, movermo-nos mais devagar do que o normal, temos de fazer mais força para não escorregar, o corpo segue frio da chuva e o não ver 2 metros à frente, aumenta a sensação de insegurança, tudo isto acumulado a uma escalada constante, sem qualquer plano horizontal. Mas apesar deste desconforto sentia-me bem, acho que uma dose de sofrimento é sempre necessária para uma experiência deste género ser completa. Como ninguém seguia completamente confortável, todos a olhar constantemente onde metiam os pés, apesar de todos seguirem bem, as conversas na subida não foram muitas. Sensivelmente a meio da subida encontrámos um monte de pedras, com uma forma pouco natural, a Cecília disse-nos que era um monte dos desejos. Deveríamos lançar 3 pedras e pedir 3 desejos. Segundo a Cecília, apenas no caso de sermos muito boas pessoas, a montanha iria conceder tais desejos. A rapariga do Canadá, enquanto lançava a pedra, revelou o seu desejo, o tempo melhorar, pelo sim pelo não, pediu o mesmo desejo 3 vezes, não fosse alguma pedra falhar. Todos desejaram que ela fosse boa pessoa. Eu não sou muito dado ao misticismo, mas de vez em quando, tenho de pensar nisto. Não é que as nuvens se foram, a chuva acabou e levamos com um Sol que quase me obrigou a despir o casaco. Isto nem demorou 5 minutos desde o lançamento da pedra. Levamos logo com uma vista incrível para o mar e para a ilha do Faial. Lindíssimo. Aquela vista que vemos a partir da pequena janela do avião, mas desta vez estava com os pés bem assentes na terra. Imaginei como seria subir com céu limpo. A dificuldade iria cair para metade, o que não é objetivamente bom (pelo que expliquei em cima), mas a vista seria fabulosa. Iria demorar muito tempo a completar a tarefa, de tanta foto que iria tirar. E foi com este tempo que chegamos à cratera da Montanha do Pico. Nesta cratera devemos estar a uma altitude a rondar os 2000m, aqui muitos acampam para ver o nascer do sol (sim, sobem o Pico de noite). Esta coisa da montanha e da altitude (e mais tenho vertigens) tem um encanto especial. Percebo que se aventura a escalar até aos pontos mais altos do Mundo e depois apenas está no topo alguns minutos e volta a descer. Tem algo de especial, faz-nos sentir maiores. Após uns minutos a admirar a cratera, seguimos para última escalada. Subir ao piquinho. Pequena montanha muito íngreme, onde aí sim, estaria o topo da montanha e ponto mais alto de Portugal. Aqui é mesmo a escalar, mãos na rocha e toca a subir. É impossível esconder o sorriso quando se chega ao topo. Ok, não foi o fim do mundo para chegar aqui, mas senti-me quase como um super herói, cheguei onde muitos não chegaram, fui por instantes a pessoa “mais alta” de Portugal e acima de tudo estava num lugar absolutamente fabuloso. Infelizmente as nuvens não nos deixavam ver além da cratera. O tempo lá em cima estava bom, mas estávamos acima das nuvens e essas não nos deixavam ver o mar, nem as restantes 4 ilhas do grupo central, que com céu limpo, poderiam ser avistadas deste ponto. Só pensava “que fotos poderia tirar a partir daqui”. Tenho de voltar mais vezes 🙂 .

A Cecília, encarregou-se de não “adormecermos” no topo da montanha. Era tempo voltar, antes que o mau tempo voltasse. E na verdade não demorou muito a voltar. Começamos a descida, já com um nevoeiro cerrado, sem chuva, mas mais denso que o que encontrámos na subida. Na descida o grupo seguia mais descontraído, do género “já chegámos ao topo e isso já ninguém nos tira”. Mas a descida, embora menos rigorosa fisicamente, implica redobrada atenção, principalmente em terreno molhado. As escorregadelas eram constantes entre o grupo, eu tive direito a duas, uma delas quase que parecia a entrada num qualquer escorrega do Slide & Splash. O resultado foi apenas chapa e lá segui satisfeito da vida. 

Muitos fugiram ao mau tempo, encontrámos mais cabras da montanha que pessoas. O que faz com que, mais uma vez, o mau tempo (sem ser excessivo) não é completamente mau, ter a montanha (quase) só para nós, é um privilégio e calculo que uma experiência completamente diferente de apanhar uma pequena multidão na montanha. O grupo, com aquelas baixas iniciais, ficou bastante homogêneo, todos seguiam ao mesmo ritmo, sob a batuta da simpática Cecília. Mais rápido do que pensávamos, chegamos ao abrigo. Sabíamos que em poucos minutos estávamos na Casa da Montanha. É uma espécie de caminhada triunfal, estes últimos metros, apesar a “cereja estar no topo do bolo”, neste caso no topo da montanha, o sentimento só fica completo quando acaba a descida, uma vez que não existe nenhum teleférico ou algo parecido que nos traga para baixo, é preciso ainda um bom par de horas (no meu caso, foram 3 horas) a caminhar com inclinação negativa.

Por fim cheguei à porta, neste caso de saída, da Casa da Montanha. Muito satisfeito por tão gratificante experiência. Recebi um diploma a atestar o meu sucesso, despedi-me dos meus colegas de aventura e segui novamente para Lajes do Pico. Foi rápida a despedida da montanha, quase como quando um familiar nos deixa no aeroporto e o avião já está a partir. Parece que fica a faltar algo. Senti o mesmo aqui. Acho que precisava de mais tempo na base da montanha a olhar para o topo da montanha, e pensar no que tinha acabado de fazer. Mas rapidamente segui para o meu cantinho ao pé da baleias, o bom tempo voltou, voltei o ver o, agora, “meu pico”, imponente, mas bem ao longe. Olhei, a partir das Lajes, para o piquinho acima das nuvens e senti-me bem pequenino. Vou voltar. É estranha esta saudade da montanha.

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