Algures no inicio dos anos 90, por volta das 16h, num qualquer dia de semana (de preferência com sol), dava por terminada a jornada escolar na escola da minha terra. Bons tempos. Saía das escola, muitas vezes com uma bola debaixo do braço e com sorte tinha calçadas as minhas Reebook que piscavam. À minha espera, como sempre, estava a minha querida avó. Debruçada no muro da capela e sempre com um sorriso maravilhoso (indescritível) para mim. Saía da escola, passava pela minha avó e ela seguia a minha passada. Podíamos conversar (claro que o fazíamos sempre), mas não podíamos demorar, o Tom Sawyer estava a começar.
Naquela altura não havia televisão por cabo, ou por satélite, ou internet, é assim, vistas bem as coisas não existia quase nada (e a verdade é que não sentia falta de nada). Existia uma televisão sem comando e uma antena. Tal como um ritual, deitava-me no sofá de casa da minha avó, ligava a televisão e preparava o corpo e a mente para assistir às grandes aventuras do Tom. Era assim que o tratava, como um amigo. Nessa preparação, a minha avó preparava o meu lanche. Parece que ainda a consigo imaginar. Todos os dias me perguntava o que queria, todos os dias lhe respondia o mesmo. Cortava-me um queijinho caseiro comprado na vizinha do lado, acompanhado com pão também ele caseiro ainda a cheirar a quente e um sumo de laranja natural. Colocava um banco alaranjado (que às vezes também servia como minha mota imaginária) ao lado do sofá, um toalha de renda por cima e o meu banquete em cima. Se alguma coisa falhasse, nem o resto da semana me corria bem. Mas nunca falhou. Começava o Tom Sawyer, os meus olhos brilhavam e as minhas pernas tremiam. A minha avó sabia que não podia falar comigo naquele momento. É engraçado como anos (muitos anos) mais tarde descobri que o Tom Sawyer, a série completa, tem 49 episódios com cerca de 20 minutos cada. É incrível a noção do tempo ou como o tempo passava mais devagar. Para mim o Tom Sawyer não durou uma estação do ano (o tempo de serem emitidos os 49 episódios), durou a minha infância. Por volta das 17h terminava o Tom Sawyer. A minha avó já sabia o que iria acontecer a seguir. Não era tempo de jogar à bola, nem de fazer os trabalhos da escola, era tempo de ir viver aventuras.
Porta fora, pela porta das traseiras. Estava a caminho da horta dos meus avós. Hoje, aquilo que é um espaço com pouco mais de 50 metros de comprimento, na altura, para mim, era do tamanho de uma floresta, com esconderijos e cheia coisas novas para descobrir. Tinha o meu lugar em cima da árvore e ainda pensei em pedir ao meu avô para me ajudar a construir lá uma casa. Sim, como a do Tom Sawyer. Só que aquilo que para mim era uma árvore gigante, na verdade era uma pequena oliveira, não tinha arcaboiço para ser uma “árvore que tinha uma casa”. Enfim, tudo aquilo que o Tom Sawyer vivia eu tentava replicar. Só não andava descalço. Ainda hoje o tento acompanhar em alguns momentos, sobretudo no valor da liberdade e na busca dos sonhos, sendo que os melhores sonhos não são, objetivamente, os mais rebuscados. Nem envolvem dinheiro, nem é preciso ir até ao outro lado do mundo. Às vezes basta ir até ao outro lado da aldeia.
Em 2018, casado, dono de uma empresa com um nome parece uma brincadeira e pai de uma filha, ainda me consigo rever na criança do início dos anos 90. Às vezes precisamos de ir ao baú para não nos esquecermos do que somos feitos. Acho que ainda quero ser como o Tom Sawyer.