Abrantes é a minha casa. Muitas vezes digo, meio a brincar, mas com um orgulho desmedido: “sou o viajante mais caseiro do Mundo!”. Podia viver em qualquer parte do planeta (desde que tivesse acesso à internet). Escolhi viver em Abrantes para sempre. Adoro viajar. Talvez adore ainda mais voltar.
Existem várias razões para adorar (a minha) Abrantes. A primeira razão é obvia. Em Abrantes estão as pessoas que mais gosto. Mas na análise mais fria que consigo fazer ao meu quente coração, consigo perceber que essa não é a única razão. Existe mais do que uma razão umbilical, racionalizada pelo amor familiar. Existe também uma genuína paixão por um território, muitas vezes incompreendido, mas que aos meus olhos tem rasgos de genialidade. Quero acreditar, que essa mesma genialidade, foi interpretada da mesma forma, pelos primeiros povos que por aqui assentaram, criaram família e prosperaram. Talvez as palavras da interpretação não sejam as mesmas. Ao que os meus antepassados chamaram de fertilidade, eu chamo de diversidade, ao que eles chamaram de segurança, eu chamo de rio Tejo, e ao que chamaram de mobilidade, eu, hoje, chamo de centralidade. Creio que as palavras e os objetivos sejam diferentes, mas creio, de coração, que o olhar tenha sido o mesmo.
Abrantes, no seu território de hoje, a Norte é Beira-Baixa e a Sul é Alentejo, como se diz nos velhos ditados, e em ambos os casos, “de cara e coração”. A paisagem do pinhal a Norte, onde se comem maranhos e se pesca no Zêzere, é um oposto quase extremo, da paisagem do montado a Sul, onde se comem migas e (ainda) se vive da lavoura. Ao centro, muito por culpa do rio Tejo e das suas adjacentes terras férteis, tem traços da Lezíria do Ribatejo. Apenas para complicar as coisas, no que à identidade desta terra diz respeito. Isto tudo em pouco mais de 30 quilómetros, numa linha recta vertical. Esta diversidade, que muitos podem apelidar de crise de identidade, é, para mim, o primeiro traço de genialidade desta terra. Porque para mim é genial um território tão pequeno compreender tão diferentes formas de cultura, provocadas por uma fertilidade dos seus recursos naturais diversificada. A tal fertilidade, que fez brilhar o olhar dos meus antepassados. Apesar desta diversidade secular, todos, de Norte a Sul, chamam de Abrantes a sua “casa”.
Outro do pontos fortes deste território, quer do passado, quer do presente (e creio que do futuro), é a sua centralidade. Abrantes é o município mais central do país. Está sensivelmente à mesma distância de Lisboa, Espanha, Coimbra, Évora, do mar ou da neve. Mas longe o suficiente, para não pertencer a nenhum destes territórios. A esta centralidade, se juntarmos o rio Tejo, isto no passado, leva a uma análise económica e estratégica cuidada, pois Abrantes estava num ponto central e com um rio que desaguava na capital e principal cidade do país, que necessitava de recursos do interior. Este factor tornou Abrantes no maior porto interior do país e para esse porto caminhavam pessoas e seus recursos, do Alentejo e das Beiras, para serem transportados, via rio Tejo, para Lisboa. A esta riqueza geográfica do passado é fácil transportar até riqueza industrial do presente. Muito ligada a uma genética comercial, intrínseca a este povo. Estou a recuar umas centenas de anos para interpretar o olhar mercantil dos meus antepassados. Mas para confundir o meu olhar com o olhar dos primeiros povos, não vou invocar razões logísticas/geográficas de transporte de mercadorias. Interpreto o rio Tejo, em primeiro lugar, como uma literal fonte de sobrevivência. Nos primeiros povos como água para beber e para cultivo das terras, e nos tempos dos primeiros reis, também como barreira e primeira “muralha” de segurança que impediria ou complicaria a vida a qualquer um (ou provavelmente uns) que tentassem invadir Abrantes pelo lado Sul. Mais um traço de genialidade. A proximidade, que hoje se traduz em 1 hora de caminho para pontos que têm tanto de interessante como de diferente entre si, é de um valor turístico inestimável. Numa era em a mobilidade não é um capricho ou uma necessidade, é simplesmente algo que “faz parte”, algo já incorporado no “chip” do presente. Também numa análise do presente, é fácil invocar o rio Tejo algo de muito importante, não só a nível paisagístico, mas sobretudo a nível cultural. Este rio, o maior da Península Ibérica, carrega em si um peso histórico maior que o tamanho do seu leito. É por este rio passar por onde passa, que esta cidade existe. É por isso que ali se fixaram os primeiros povos. Quantas e quantas histórias não viveu já este rio. Eu que sou um contador de histórias, olho para o “meu” rio sempre com aquele olhar ternurento, de quem olha para alguém que admira e que tem histórias sem fim para contar.
Ao juntarmos recursos e fertilidade, a um rio importante, no ponto mais central do país, e baixarmos a uma época que a terra era de quem tinha mais força, é fácil perceber a construção do Castelo no topo uma colina, paredes meias com o rio. Sendo esse o topo da pirâmide da cidade que hoje se conhece. O Castelo “desagua” nas ruas apertadas da cidade, que aliviam com bonitas praças. Acredito que fosse um Castelo difícil de tomar de assalto. Só ao nível de um D. Afonso Henriques, na sua melhor forma, que conquistou Abrantes aos Mouros em 1148.
Hoje ao começar uma viagem pela minha Abrantes, com inicio no Castelo, viajo entre viagens, entre diferentes épocas, passando pelas bonitas ruas da cidade, percorrendo muitos edifícios centenários, onde viveu gente muito interessante, com tanto em comum comigo e com a minha família. A nossa terra era a mesma. Certamente até, em tempos diferentes, falámos sobre os mesmos assuntos e olhámos para as mesmas coisas. Provavelmente até existiriam por aqui sonhadores como eu, apenas a época era diferente. Tudo isto, sempre com o Tejo debaixo de olho e com atenção, e sorriso constante, para as diferenças culturais presentes na mesma terra, facto que acho, quase ao mesmo nível, interessante e apaixonante. Ao olhar para tudo isto consigo mais uma vez cruzar o meu olhar com o olhar dos primeiros povos, tenho a certeza que o nosso olhar brilhou da mesma forma e que viu as mesmas coisas, apenas lhe deu nomes e objetivos diferentes.
Que a minha vida nunca leve o meu olhar para longe da minha terra.
Factos históricos (e interessantes)*:
. O município de Abrantes, outrora, abrangeu as vilas de Constância (Punhete no passado), Sardoal, Mação, Alter do Chão e Ponte de Sor
. Tubucci foi primeiro nome de, a hoje conhecida, Abrantes. Diz-se que de origem Celta, sendo este povo os seus fundadores
. Em 1552 existiam 180 barcos “registados” no porto de Abrantes. 80 de carreira e 100 de pesca
. Os corvos surgem no brasão da cidade, representando simbolicamente S. Vicente, sendo estes fieis companheiros do santo patrono da cidade
. Em 1807 Abrantes é ocupada pelo General Junot, durante as Invasões Francesas
. Em 1859 casaram-se 166 pessoas em Abrantes
. Em 1859 o preço médio de uma pipa de vinho, em Abrantes, era de 30 escudos.
. Abrandes foi elevada a cidade no dia 14 de Junho de 1916
*in Memória Histórica da Notável Vila de Abrantes