Paço do sousa

Cheguei a Paço de Sousa e ao Solar Egas Moniz num final de tarde de Domingo, a pensar que ia ficar num pequeno hotel. Eu adoro pequenos hotéis. Mas quando cheguei, não senti que tivesse chegado sequer a um hotel. Senti que tinha chegado a casa de uma família e que essa família estava ansiosa por bem me receber. Senti-me especial. Se isto não é a coisa mais importante do turismo, então não ando cá a fazer nada. Paço de Sousa é uma pequena vila e freguesia do concelho de Penafiel. Terra de vinhos, pertencente à região do Vinho Verde, mais concretamente à sub-região de Sousa. Fica praticamente, como se diz na minha terra, “a paredes meias” com a região demarcada dos vinhos do Douro, recebendo múltiplas influências, quer nos seus vinhos, quer na sua cultura. Outro ponto interessante deste território, é o legado românico, em forma de monumentos, mas também sob forma de toda uma cultura associada. 

Muitas vezes vivemos reféns das expectativas que criamos acerca de determinado lugar. Pelo menos, afecta o entusiasmo da partida. Pensámos antecipadamente o que vamos viver, o que vamos fotografar e, sobretudo, as memórias que vamos criar. Recordo, por exemplo, a primeira vez que entrei no Coliseu em Roma. Sou louco por história. Antes da partida para Roma, cheguei a pensar que quando entrasse no Coliseu ia chorar, de tamanha emoção. Depois pensei que iria ouvir o som das espadas dos gladiadores e o rugido dos leões que lhe dificultavam a vida. Na verdade, tive 4 horas numa fila para entrar no Coliseu e assim que entrei quase que fui atropelado por um bando de turistas chineses em desespero total para gastar toda a bateria da sua máquina fotográfica no mesmo plano. É claro que foi especial e imponente. É claro que guardei memórias, boas. Mas se foi o que eu imaginei? É claro não. Porquê? Porque não foi genuíno. E, o gigante, e cheio de histórias para contar, Coliseu, não passou, naquele momento, de paredes. Paredes especiais é claro, mas pouco mais que isso. No sentido inverso, Poucas expectativas criei acerca da pequena vila de Paço de Sousa e da sua região em volta. Não sonhei com a chegada, nem pensei o que iria ver e viver no durante. Com a minha vida e a experiência que vou acumulando, sei que existem pequenos nadas, muitos fora do mapa, cheios de valor. Chamo a isto o turismo real. Aquele feito de emoções, que nos faz rir, criar memórias e sentir saudades. Sem grandes adereços ou encenações. No futebol, chama-se talento. Aqui, em jeito de comparação, talvez se qualifique de genuinidade. Foi com essa genuinidade, que fui recebido, no tal final de tarde de Domingo, no Solar Egas Moniz. Sem pressa, com sorrisos e gestos de boa vontade. Gente boa, deu para sentir logo. Senti que estava a chegar, também, a minha casa. E quando isso acontece, meus amigos, é ouro. Fiquei 3 dias.

Como cheguei já perto do final do dia, saí para jantar pouco tempo depois chegar. Segui para Quintandona, uma aldeia de xisto recentemente recuperada. Fica a cerca de 10 minutos de carro do Solar. Segui para lá porque me recomendaram um wine bar, chamado Casa da Viúva. Ficava bem no centro da aldeia. Mais uma vez a questão nas expectativas. Uma constante nesta viagem. A aldeia, minúscula, com ruas apertadas e escuras. Os sensores de estacionamento apitavam por todo o lado. A aldeia tinha tanto de fofinha (toda em xisto), como de remota. Talvez resultado da pouca luz, assumindo quase um papel de sombria. Após algumas curvas e manobras, lá avisto a placa da Casa da Viúva. Nome que ajuda ao lado sombrio da coisa. Entro por um pequeno portão, estaciono o carro e caminho para o Wine Bar. Um conjunto de casas (bem) recuperadas formavam um pequeno jardim, com uma pipa gigante a marcar a entrada. Ao entrar, o lado sombrio e frio de uma aldeia vazia de pessoas, deu lugar a um ambiente quente, cheio de pinta e de pessoas bonitas. Pensei, com surpresa: “bem, este lugar cabe em qualquer grande cidade do Mundo”. Estava cheio, com as pessoas e mesas a dividirem-se por várias pequenas salas do espaço. Várias pessoas circulavam, com copos de vinho na mão, com o ponto de encontro de muitos, talvez entre pratos, a ser junto ao balcão e à lareira da sala principal. O espaço interior é todo ele em madeira e pedra, com o tecto muito baixo. Também este foi daqueles lugares, em que não precisei de muito para me ambientar. Aqui, o grande destaque, são mesmo os vinhos. Não é um wine bar a fingir. A comida evoca a partilha e as conversas à mesa. Que falta me fez a minha Liliana. Ela ia gostar disto com certeza. Comi e bebi de acordo com ambiente da casa, onde o bom gosto imperou. Vinho Verde, acompanhado de uma série de pequenos deliciosos pratos, que iam e vinham da minha mesa à velocidade certa. No final jantar estava bastante satisfeito com o resultado e sempre a pensar, como é incrível um espaço destes resultar numa aldeia pequena e relativamente longe de uma grande cidade. Acho maravilhoso, estes novos conceitos terem sucesso em pequenos e remotos lugares (ficam já avisados, ir à Casa da Viúva, só com reserva, aquilo enche, meus amigos). Já desconfiava do motivo, bate sempre no mesmo. As pessoas, motivadas, fazem magia. Na saída, passei pela sala principal, aquela do balcão e da lareira, em jeito de despedida. Nesse momento conheci o Paulo, o dono do wine bar. Estava atrás do balcão e tratava quase todos os clientes pelo nome. Perguntou se queria café, disse-lhe que não bebo, ao que saiu um natural: “então tem que beber um Porto, sente-se aí!”. Perante tão firme afirmação, nem pestanejei, sentei-me ao balcão. Serviu-me o Porto, do lado de lá do balcão, e aí começou a nossa conversa. Eram 21h. Às 21h15 já tinha percebido, este é sonhador como eu. Falámos de vinhos, à medida que mudávamos a região o vinho no copo mudava. Falámos de sonhos, falei-lhe nos meus projetos, e ele falou-me como criou a Casa da Viúva e como a fez evoluir. Quase com a mesma naturalidade que eu criei um Escritório Lá Fora. Até me fez parecer que foi fácil, mesmo sabendo que não foi. Voltámos a falar de vinhos. Falámos sobre o futuro. E voltámos a falar de vinhos, agora misturado com viagens. Resultado, era meia noite, o restaurante já só tinha os empregados a jantar, fechou às 22h, e eu no balcão, já com o Paulo do lado de cá também, a beber vinho e a falar da vida. Saí do wine bar com uma caixa cheia de vinho, resultado das viagens pelas regiões que fomos fazendo. Onde o Paulo dizia: “levas esta para depois beberes com a Liliana”. Repetiu a frase mais meia dúzia de vezes. Saí da Casa da Viúva, a rir, não pelo vinho que tinha bebido, mas de satisfação pelo bom momento que passei. Lugares como este, até na China tinham muito sucesso. Lá está, aquele talento que no turismo se chama genuinidade, que aliada a outras competências fazem…magia acontecer.

8h00. Já estava acordado no meu quarto no Solar Egas Moniz. O quarto, segue o mesmo rumo da delicadeza do Solar. Cheio de pormenores, de cantos e recantos, e frases bonitas. Gostei particularmente da janela em vidral colorido, que iluminava de várias cores um cantinho do quarto. Muito bonito (claro que pensei: “gostava de ter um destes em minha casa”). Segui para o pequeno almoço, cheio de coisas boas e a cheirar a casa. Ia fazer uma caminhada nessa manhã. Ia percorrer as ruas de Paço de Sousa até encontrar o Castro de Monte Mozinho. Sem grande pressa de chegar, lá parti. Pelo caminho fui assistindo à vida das pessoas que vivem por ali. Idas ao mini-mercado local para comprar pão, senhoras a estender a roupa, senhores a trabalhar o campo, crianças a ir para a escola. Rotinas que nos ligam a lugares distantes. Caminhei entre ruas, quintais, vinhas e bosques, até, 7km depois, lá chegar ao Castro Mozinho. Que é, muito basicamente, os vestígios de uma antiga aldeia romana, com mais 2000 anos de existência. Muito interessante, após caminhos apertados de bosque, desembocar num grande espaço como este. É claro que assim cheguei ao Castro, comecei a viajar automaticamente. Uma viagem de 2000 anos, onde imaginei como seria a vida daquela gente naquela altura. Para começar, e quase sem solução possível, a imaginar: “como esta gente trazia água do rio para este Monte!?”. Fiquei cerca de uma hora lá. Sentado, sozinho, sentado num pequeno muro, que outrora teria sido a parede de uma casa, a comer um pequeno lanche que as amáveis pessoas do Solar me tinham preparado (lá está, família), a viajar com os meus pensamentos. Quando senti a viagem completa, saí do meu muro e caminhei em direção ao Centro de Interpretação do Castro. Fica a cerca de 100m. Aí confirmei algumas histórias das minhas viagens, com a Dra. Rosário, que amavelmente me recebeu. Conheci outras histórias, voltei a subir ao Castro, falámos também da vida e de outras viagens. Acabei por receber uma boleia da Dra. Rosário até ao Solar. Muito gentil e muito simpática. Comecei a assumir que é uma constante por aqui, ser-se muito simpático. Sentia-me bem.

14h30. Entre conversas e caminhadas, eram 14h30 quando saí do Solar para almoçar. Segui em direção ao IPI (Instituto Plural Interior) em Penafiel. Mais uma vez segui recomendações, mais uma vez sem expectativas (que dizer, nesta altura já não era bem assim). Comecei por achar estranho o nome. Quase soava a uma repartição pública e não a um restaurante. E na verdade não é um simples restaurante. É um espaço criativo. Como eu tanto gosto. Mais uma vez, senti-me em casa. Início da história, uma empresa de decoração e criação de interiores, tem a sua sede numa casa com traços históricos, tem os seus escritórios e espaços de criação no piso superior, mas ainda lhes resta o piso inferior e terraço. O que estas mentes critativas decidem fazer? Uma cantina do IPI!. Um restaurante que serve comida a toda hora, de uma forma criativa, com uma cozinha aberta (sim, daquelas em que vemos o chef a cozinhar) e, como não podia deixar de ser, com muito bom aspecto (design de interiores, lembram-se!?). Ali estive até 17h. Sim, mais uma refeição prolongada. Entre conversas com o Ricardo, o dono, mais uma vez com temas a oscilarem entre sonhos e viagens. Estava tão bem por ali, que, provavelmente, se não fosse esta coisa do tempo ter limite, ficaria por lá mais um tempo, talvez para um copo de vinho antes de jantar. Mas não poderia sair de Penafiel sem conhecer a Quinta da Aveleda. 

17h30. Chego à Quinta da Aveleda (sim, essa mesmo. Dos vinhos Quinta da Aveleda e Casal Garcia). Sinceramente, fui por ser uma marca prestigiada. Por ser de Penafiel. Isto já parece cliché. E longe de mim, estar a querer cometer exageros. Mas muito longe de esperar encontrar o que encontrei. Não encontrei uma adega ou fábrica de engarrafar vinhos. Quer dizer, também encontrei isso. Mas encontrei muito, muito mais do que isso. Encontrei um jardim, que mais parece um bosque encantado. Gigante. Quase a fazer lembrar o Parque Terra Nostra na ilha de São Miguel. Cheio de pequenos jardins e pequenas casinhas. Muitas em lagos e em pequenos recantos, quase a lembrar o Shire (sim, a terra do Frodo). Pelo meio ainda existem pequenos santuários e árvores gigantes. Um dos santuários, este não religioso, é a cave onde repousam as pipas das aguardentes Adega Velha. Um lugar, meu Deus (se calhar é mesmo ligado a uma religião). Os cheiros, as cores, as texturas, as primeiras garrafas expostas quase como que de santos se tratasse. É claro que também existem as vinhas e uma majestosa casa de família. Que não é um museu, é mesmo a casa da família, da família Guedes, que ainda hoje gere este negócio que começou em 1870. Portanto, para além dos encantos da Quinta, a cada rua do jardim, a cada lago, a cada pé de vinha, a cada garrafa, existe uma história com mais de 100 anos, a ser contada em todos os momentos. Terminei a minha visita, como não podia deixar de ser, a beber um vinho e a comer um queijo. Com a muito simpática Chantal. Mais uma vez, a falar sobre sonhos, viagens e vinhos. Uma constante por aqui, portanto. Agora já sem surpresas.

21h00 Chego ao restaurante O Farela. Já tinha mesa marcada (mais uma vez recomendado pelo pessoal do Solar Egas Moniz). Para as 20h30. Sim, já eram 21h. O restaurante ficava bem perto da Quinta da Aveleda. Mas como o meu dia, entre caminhadas, comida, conversas e vinhos, tudo se foi atrasando. Entro no restaurante, dirijo-me a um senhor de bigode que estava atrás do balcão, que me pareceu ser o dono. Digo quem sou e que tenho uma reserva. Ele dá-me um aperto de mão e diz-me: “Isto é que são horas!?”, só pensei que toda a simpatia desta gente tinha acabo ali. Fiquei quase sem cor e sem voz, durante 5 segundos. Até que o sr. Adolfo, o tal senhor de bigode, que é mesmo o dono, me diz: “estava brincar, vai-te sentar que eu já lá vou ter contigo, eu janto contigo!”. Lá me fui sentar, meio a rir, e pensar: “vem aí mais uma experiência das boas”. Para não variar muito o sr. Adolfo é um amante de vinhos. Falar em vinhos com ele é tocar-lhe no coração, não fosse ele de Peso da Régua. Começámos logo bem, mesa cheia de comida boa, servida pela, muito simpática, mulher do sr. Adolfo. Chega a vez do vinho, o sr. Adolfo só me diz: “este que vou abrir nunca o bebi, vou prová-lo pela primeira vez contigo…e o que vem a seguir também”. Juro, tocou-me. É um gesto simples. Mas senti-o de uma generosidade tão grande. Percebi que era sincero. Quando chegou o primeiro prato, Polvo (que adoro, e estava muito bom), já me sentia em casa e em família. E por falar em família, este restaurante tem um ponto muito particular. Tem uma mesa grande, bem no meio do restaurante, onde se senta a família e amigos, e comem o que os donos comem e no final, como o sr. Adolfo diz: “pagam uma multa”. Uma espécie de divisão de conta. A mesa nessa noite estava cheia. Acredito que seja assim quase todos os dias. Achei muito engraçado. A conversa e o jantar foram andando. Sinto que se não tivesse eu muito cansado, corria o risco de sair deste belo restaurante familiar a horas indecentes, a provar vinhos com o sr. Adolfo. Saí do restaurante, por volta da meia noite e meia. Não sem antes provar uma Cachena da Peneda, carne certificada com origem no Gerês. Uma maravilha, garanto-vos.

Mais uma vez volto a sorrir para o Solar. A pensar no sr. Adolfo e na sua simpática família, na Chantal e na história da Quinta da Aveleda, no Ricardo que tem uma cantina por baixo do seu atelier de design de interiores e na simpática Dr. Rosário que até uma boleia me deu. Ainda recordo o meu comparsa sonhador Paulo, grande conhecedor de vinhos. E sem esquecer, sendo que ainda não falei nos seus nomes, mas que são das personagens principais desta história, a Iva e a Filipa, irmãs e mentes do Solar Egas Moniz. E toda a sua simpática equipa. Deito-me na minha cama do Solar, para a minha última noite. Com toda esta gente no pensamento. Assim é fácil gostar disto.

No dia seguinte acordo, mais uma vez com a luz multicor do vidral a entrar no meu quarto. Estava de partida para Peso da Régua, em busca do coração do Douro. Desço para o pequeno almoço. Tomo o pequeno almoço com o Pai da Iva e da Filipa, em família. Mais uma boa conversa. Assim é fácil gostar disto. 

Cheguei a Paço de Sousa e ao Solar Egas Moniz num final de tarde de Domingo, a pensar que ia ficar num pequeno hotel. Eu adoro pequenos hotéis. Mas quando cheguei, não senti que tivesse chegado sequer a um hotel. Senti que tinha chegado a casa de uma família e que essa família estava ansiosa por bem me receber. Senti-me especial. Se isto não é a coisa mais importante do turismo, então não ando cá a fazer nada. Paço de Sousa é uma pequena vila e freguesia do concelho de Penafiel. Terra de vinhos, pertencente à região do Vinho Verde, mais concretamente à sub-região de Sousa. Fica praticamente, como se diz na minha terra, “a paredes meias” com a região demarcada dos vinhos do Douro, recebendo múltiplas influências, quer nos seus vinhos, quer na sua cultura. Outro ponto interessante deste território, é o legado românico, em forma de monumentos, mas também sob forma de toda uma cultura associada. 

Muitas vezes vivemos reféns das expectativas que criamos acerca de determinado lugar. Pelo menos, afecta o entusiasmo da partida. Pensámos antecipadamente o que vamos viver, o que vamos fotografar e, sobretudo, as memórias que vamos criar. Recordo, por exemplo, a primeira vez que entrei no Coliseu em Roma. Sou louco por história. Antes da partida para Roma, cheguei a pensar que quando entrasse no Coliseu ia chorar, de tamanha emoção. Depois pensei que iria ouvir o som das espadas dos gladiadores e o rugido dos leões que lhe dificultavam a vida. Na verdade, tive 4 horas numa fila para entrar no Coliseu e assim que entrei quase que fui atropelado por um bando de turistas chineses em desespero total para gastar toda a bateria da sua máquina fotográfica no mesmo plano. É claro que foi especial e imponente. É claro que guardei memórias, boas. Mas se foi o que eu imaginei? É claro não. Porquê? Porque não foi genuíno. E, o gigante, e cheio de histórias para contar, Coliseu, não passou, naquele momento, de paredes. Paredes especiais é claro, mas pouco mais que isso. No sentido inverso, Poucas expectativas criei acerca da pequena vila de Paço de Sousa e da sua região em volta. Não sonhei com a chegada, nem pensei o que iria ver e viver no durante. Com a minha vida e a experiência que vou acumulando, sei que existem pequenos nadas, muitos fora do mapa, cheios de valor. Chamo a isto o turismo real. Aquele feito de emoções, que nos faz rir, criar memórias e sentir saudades. Sem grandes adereços ou encenações. No futebol, chama-se talento. Aqui, em jeito de comparação, talvez se qualifique de genuinidade. Foi com essa genuinidade, que fui recebido, no tal final de tarde de Domingo, no Solar Egas Moniz. Sem pressa, com sorrisos e gestos de boa vontade. Gente boa, deu para sentir logo. Senti que estava a chegar, também, a minha casa. E quando isso acontece, meus amigos, é ouro. Fiquei 3 dias.

Como cheguei já perto do final do dia, saí para jantar pouco tempo depois chegar. Segui para Quintandona, uma aldeia de xisto recentemente recuperada. Fica a cerca de 10 minutos de carro do Solar. Segui para lá porque me recomendaram um wine bar, chamado Casa da Viúva. Ficava bem no centro da aldeia. Mais uma vez a questão nas expectativas. Uma constante nesta viagem. A aldeia, minúscula, com ruas apertadas e escuras. Os sensores de estacionamento apitavam por todo o lado. A aldeia tinha tanto de fofinha (toda em xisto), como de remota. Talvez resultado da pouca luz, assumindo quase um papel de sombria. Após algumas curvas e manobras, lá avisto a placa da Casa da Viúva. Nome que ajuda ao lado sombrio da coisa. Entro por um pequeno portão, estaciono o carro e caminho para o Wine Bar. Um conjunto de casas (bem) recuperadas formavam um pequeno jardim, com uma pipa gigante a marcar a entrada. Ao entrar, o lado sombrio e frio de uma aldeia vazia de pessoas, deu lugar a um ambiente quente, cheio de pinta e de pessoas bonitas. Pensei, com surpresa: “bem, este lugar cabe em qualquer grande cidade do Mundo”. Estava cheio, com as pessoas e mesas a dividirem-se por várias pequenas salas do espaço. Várias pessoas circulavam, com copos de vinho na mão, com o ponto de encontro de muitos, talvez entre pratos, a ser junto ao balcão e à lareira da sala principal. O espaço interior é todo ele em madeira e pedra, com o tecto muito baixo. Também este foi daqueles lugares, em que não precisei de muito para me ambientar. Aqui, o grande destaque, são mesmo os vinhos. Não é um wine bar a fingir. A comida evoca a partilha e as conversas à mesa. Que falta me fez a minha Liliana. Ela ia gostar disto com certeza. Comi e bebi de acordo com ambiente da casa, onde o bom gosto imperou. Vinho Verde, acompanhado de uma série de pequenos deliciosos pratos, que iam e vinham da minha mesa à velocidade certa. No final jantar estava bastante satisfeito com o resultado e sempre a pensar, como é incrível um espaço destes resultar numa aldeia pequena e relativamente longe de uma grande cidade. Acho maravilhoso, estes novos conceitos terem sucesso em pequenos e remotos lugares (ficam já avisados, ir à Casa da Viúva, só com reserva, aquilo enche, meus amigos). Já desconfiava do motivo, bate sempre no mesmo. As pessoas, motivadas, fazem magia. Na saída, passei pela sala principal, aquela do balcão e da lareira, em jeito de despedida. Nesse momento conheci o Paulo, o dono do wine bar. Estava atrás do balcão e tratava quase todos os clientes pelo nome. Perguntou se queria café, disse-lhe que não bebo, ao que saiu um natural: “então tem que beber um Porto, sente-se aí!”. Perante tão firme afirmação, nem pestanejei, sentei-me ao balcão. Serviu-me o Porto, do lado de lá do balcão, e aí começou a nossa conversa. Eram 21h. Às 21h15 já tinha percebido, este é sonhador como eu. Falámos de vinhos, à medida que mudávamos a região o vinho no copo mudava. Falámos de sonhos, falei-lhe nos meus projetos, e ele falou-me como criou a Casa da Viúva e como a fez evoluir. Quase com a mesma naturalidade que eu criei um Escritório Lá Fora. Até me fez parecer que foi fácil, mesmo sabendo que não foi. Voltámos a falar de vinhos. Falámos sobre o futuro. E voltámos a falar de vinhos, agora misturado com viagens. Resultado, era meia noite, o restaurante já só tinha os empregados a jantar, fechou às 22h, e eu no balcão, já com o Paulo do lado de cá também, a beber vinho e a falar da vida. Saí do wine bar com uma caixa cheia de vinho, resultado das viagens pelas regiões que fomos fazendo. Onde o Paulo dizia: “levas esta para depois beberes com a Liliana”. Repetiu a frase mais meia dúzia de vezes. Saí da Casa da Viúva, a rir, não pelo vinho que tinha bebido, mas de satisfação pelo bom momento que passei. Lugares como este, até na China tinham muito sucesso. Lá está, aquele talento que no turismo se chama genuinidade, que aliada a outras competências fazem…magia acontecer.

8h00. Já estava acordado no meu quarto no Solar Egas Moniz. O quarto, segue o mesmo rumo da delicadeza do Solar. Cheio de pormenores, de cantos e recantos, e frases bonitas. Gostei particularmente da janela em vidral colorido, que iluminava de várias cores um cantinho do quarto. Muito bonito (claro que pensei: “gostava de ter um destes em minha casa”). Segui para o pequeno almoço, cheio de coisas boas e a cheirar a casa. Ia fazer uma caminhada nessa manhã. Ia percorrer as ruas de Paço de Sousa até encontrar o Castro de Monte Mozinho. Sem grande pressa de chegar, lá parti. Pelo caminho fui assistindo à vida das pessoas que vivem por ali. Idas ao mini-mercado local para comprar pão, senhoras a estender a roupa, senhores a trabalhar o campo, crianças a ir para a escola. Rotinas que nos ligam a lugares distantes. Caminhei entre ruas, quintais, vinhas e bosques, até, 7km depois, lá chegar ao Castro Mozinho. Que é, muito basicamente, os vestígios de uma antiga aldeia romana, com mais 2000 anos de existência. Muito interessante, após caminhos apertados de bosque, desembocar num grande espaço como este. É claro que assim cheguei ao Castro, comecei a viajar automaticamente. Uma viagem de 2000 anos, onde imaginei como seria a vida daquela gente naquela altura. Para começar, e quase sem solução possível, a imaginar: “como esta gente trazia água do rio para este Monte!?”. Fiquei cerca de uma hora lá. Sentado, sozinho, sentado num pequeno muro, que outrora teria sido a parede de uma casa, a comer um pequeno lanche que as amáveis pessoas do Solar me tinham preparado (lá está, família), a viajar com os meus pensamentos. Quando senti a viagem completa, saí do meu muro e caminhei em direção ao Centro de Interpretação do Castro. Fica a cerca de 100m. Aí confirmei algumas histórias das minhas viagens, com a Dra. Rosário, que amavelmente me recebeu. Conheci outras histórias, voltei a subir ao Castro, falámos também da vida e de outras viagens. Acabei por receber uma boleia da Dra. Rosário até ao Solar. Muito gentil e muito simpática. Comecei a assumir que é uma constante por aqui, ser-se muito simpático. Sentia-me bem.

14h30. Entre conversas e caminhadas, eram 14h30 quando saí do Solar para almoçar. Segui em direção ao IPI (Instituto Plural Interior) em Penafiel. Mais uma vez segui recomendações, mais uma vez sem expectativas (que dizer, nesta altura já não era bem assim). Comecei por achar estranho o nome. Quase soava a uma repartição pública e não a um restaurante. E na verdade não é um simples restaurante. É um espaço criativo. Como eu tanto gosto. Mais uma vez, senti-me em casa. Início da história, uma empresa de decoração e criação de interiores, tem a sua sede numa casa com traços históricos, tem os seus escritórios e espaços de criação no piso superior, mas ainda lhes resta o piso inferior e terraço. O que estas mentes critativas decidem fazer? Uma cantina do IPI!. Um restaurante que serve comida a toda hora, de uma forma criativa, com uma cozinha aberta (sim, daquelas em que vemos o chef a cozinhar) e, como não podia deixar de ser, com muito bom aspecto (design de interiores, lembram-se!?). Ali estive até 17h. Sim, mais uma refeição prolongada. Entre conversas com o Ricardo, o dono, mais uma vez com temas a oscilarem entre sonhos e viagens. Estava tão bem por ali, que, provavelmente, se não fosse esta coisa do tempo ter limite, ficaria por lá mais um tempo, talvez para um copo de vinho antes de jantar. Mas não poderia sair de Penafiel sem conhecer a Quinta da Aveleda. 

17h30. Chego à Quinta da Aveleda (sim, essa mesmo. Dos vinhos Quinta da Aveleda e Casal Garcia). Sinceramente, fui por ser uma marca prestigiada. Por ser de Penafiel. Isto já parece cliché. E longe de mim, estar a querer cometer exageros. Mas muito longe de esperar encontrar o que encontrei. Não encontrei uma adega ou fábrica de engarrafar vinhos. Quer dizer, também encontrei isso. Mas encontrei muito, muito mais do que isso. Encontrei um jardim, que mais parece um bosque encantado. Gigante. Quase a fazer lembrar o Parque Terra Nostra na ilha de São Miguel. Cheio de pequenos jardins e pequenas casinhas. Muitas em lagos e em pequenos recantos, quase a lembrar o Shire (sim, a terra do Frodo). Pelo meio ainda existem pequenos santuários e árvores gigantes. Um dos santuários, este não religioso, é a cave onde repousam as pipas das aguardentes Adega Velha. Um lugar, meu Deus (se calhar é mesmo ligado a uma religião). Os cheiros, as cores, as texturas, as primeiras garrafas expostas quase como que de santos se tratasse. É claro que também existem as vinhas e uma majestosa casa de família. Que não é um museu, é mesmo a casa da família, da família Guedes, que ainda hoje gere este negócio que começou em 1870. Portanto, para além dos encantos da Quinta, a cada rua do jardim, a cada lago, a cada pé de vinha, a cada garrafa, existe uma história com mais de 100 anos, a ser contada em todos os momentos. Terminei a minha visita, como não podia deixar de ser, a beber um vinho e a comer um queijo. Com a muito simpática Chantal. Mais uma vez, a falar sobre sonhos, viagens e vinhos. Uma constante por aqui, portanto. Agora já sem surpresas.

21h00 Chego ao restaurante O Farela. Já tinha mesa marcada (mais uma vez recomendado pelo pessoal do Solar Egas Moniz). Para as 20h30. Sim, já eram 21h. O restaurante ficava bem perto da Quinta da Aveleda. Mas como o meu dia, entre caminhadas, comida, conversas e vinhos, tudo se foi atrasando. Entro no restaurante, dirijo-me a um senhor de bigode que estava atrás do balcão, que me pareceu ser o dono. Digo quem sou e que tenho uma reserva. Ele dá-me um aperto de mão e diz-me: “Isto é que são horas!?”, só pensei que toda a simpatia desta gente tinha acabo ali. Fiquei quase sem cor e sem voz, durante 5 segundos. Até que o sr. Adolfo, o tal senhor de bigode, que é mesmo o dono, me diz: “estava brincar, vai-te sentar que eu já lá vou ter contigo, eu janto contigo!”. Lá me fui sentar, meio a rir, e pensar: “vem aí mais uma experiência das boas”. Para não variar muito o sr. Adolfo é um amante de vinhos. Falar em vinhos com ele é tocar-lhe no coração, não fosse ele de Peso da Régua. Começámos logo bem, mesa cheia de comida boa, servida pela, muito simpática, mulher do sr. Adolfo. Chega a vez do vinho, o sr. Adolfo só me diz: “este que vou abrir nunca o bebi, vou prová-lo pela primeira vez contigo…e o que vem a seguir também”. Juro, tocou-me. É um gesto simples. Mas senti-o de uma generosidade tão grande. Percebi que era sincero. Quando chegou o primeiro prato, Polvo (que adoro, e estava muito bom), já me sentia em casa e em família. E por falar em família, este restaurante tem um ponto muito particular. Tem uma mesa grande, bem no meio do restaurante, onde se senta a família e amigos, e comem o que os donos comem e no final, como o sr. Adolfo diz: “pagam uma multa”. Uma espécie de divisão de conta. A mesa nessa noite estava cheia. Acredito que seja assim quase todos os dias. Achei muito engraçado. A conversa e o jantar foram andando. Sinto que se não tivesse eu muito cansado, corria o risco de sair deste belo restaurante familiar a horas indecentes, a provar vinhos com o sr. Adolfo. Saí do restaurante, por volta da meia noite e meia. Não sem antes provar uma Cachena da Peneda, carne certificada com origem no Gerês. Uma maravilha, garanto-vos.

Mais uma vez volto a sorrir para o Solar. A pensar no sr. Adolfo e na sua simpática família, na Chantal e na história da Quinta da Aveleda, no Ricardo que tem uma cantina por baixo do seu atelier de design de interiores e na simpática Dr. Rosário que até uma boleia me deu. Ainda recordo o meu comparsa sonhador Paulo, grande conhecedor de vinhos. E sem esquecer, sendo que ainda não falei nos seus nomes, mas que são das personagens principais desta história, a Iva e a Filipa, irmãs e mentes do Solar Egas Moniz. E toda a sua simpática equipa. Deito-me na minha cama do Solar, para a minha última noite. Com toda esta gente no pensamento. Assim é fácil gostar disto.

No dia seguinte acordo, mais uma vez com a luz multicor do vidral a entrar no meu quarto. Estava de partida para Peso da Régua, em busca do coração do Douro. Desço para o pequeno almoço. Tomo o pequeno almoço com o Pai da Iva e da Filipa, em família. Mais uma boa conversa. Assim é fácil gostar disto. 

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