PINHÃO
Começamos a ficar deslumbrados com o Vintage House, muito antes de lá chegar. Qualquer que seja a forma, de carro, de comboio ou a pé. E qualquer que seja o caminho. Seja ele por Peso da Régua, São João da Pesqueira ou por Tua. É lindíssimo o caminho até lá. Quer seja lá no alto, com os vales que carregam infinitos alinhamentos de vinha, com o rio, azul intenso, a rasgar a terra e dividir regiões unidas pela mesma cultura. Quer seja bem junto ao rio, com a vinhas a surgirem como gigantes montanhas, a contrastar com o colorido dos barcos que navegam o rio. Muitos dizem que, tanto a estrada como a linha de caminho de ferro, são das mais bonitas do Mundo. Não me parece disparate. Onde o bonito não é vincado, unicamente, pela diferença daquilo que estamos habituados a ver como paisagem vinícola. A paisagem tem carácter. Sente-se o peso da história. Pelo menos, eu senti.
Chego ao Pinhão. Uma povoação pequena, penso que não terá mais do que 500 habitantes. É fácil dar conta da existência do Vintage House. Destaca-se entre os demais edifícios. Está alinhado junto rio, em simbiose quase perfeita (tudo é fácil conjugar com este rio), entre a ponte e a estação de comboios. Um pouco mais à frente, está o pequeno cais do Pinhão. Onde pequenos e grandes barcos, fazem as suas paragens. No momento da minha chegada, estava um barco cruzeiro a atracar. É fácil perceber a cara de entusiasmo de quem coloca os pés no Pinhão. Imagino como passaram, os seus tripulantes, as últimas horas de navegação. Certamente, entre conversas sobre vinho, a admirar uma paisagem ímpar e, talvez, a beber um belo vinho do porto. Tudo isto a uma velocidade cruzeiro e não a ver de fora. A ver de dentro, e a seguir o mesmo caminho que muitos bravos seguiram. Douro acima e Douro abaixo, a transportar pipas de vinho entre as quintas até V.N. de Gaia/Porto, nos saudosos barcos rabelo. E depois chegam a povoações como o Pinhão, envolvidas por pequenas montanhas de vinha. É fácil uma pessoa sentir-se abençoada. Para os que chegam pela primeira vez, e para mim, que me faz sentir um orgulho imenso, naquilo que também é um pedaço da minha história.
Deixo as minhas malas no hotel, e parto para uma caminhada. Sigo junto ao rio, em direção a uma pequena passagem pedonal, junto a uma, também pequena, ponte ferroviária que atravessa uma entrada de um afluente do Douro. Tudo é muito gracioso por aqui. Com pequenos barcos parados, nesta espécie de “garagem” do Douro, quase a fazer lembrar Veneza. Não pela arquitectura ou pelo simbolismo, mas muito pelo charme que estas águas carregam. Quase que pedia uma música italiana, para acompanhar os meus passos. Esta minha mania de cinematografar momentos.
O dia estava muito bonito, perfeito para caminhar. O objectivo seria subir até Casal de Loivos e descer novamente em direção ao Pinhão. Num percurso circular, com pouco mais de 10km. Nada melhor que andar, para melhor conhecer um lugar. Ofegante, depois de uma boa hora de caminhada entre vinhas, lá chego à aldeia. Só pensava no que sofria esta gente na vindima. Com o calor, com os desníveis, com o difícil e em muitos casos, impossível acesso de tractores para transportar a uva. Acho que esta dificuldade também dá carácter ao vinho. Não sei se os júris e entendidos, que premeiam, ano após ano, os vinhos do Douro, sentados numa confortável cadeira e num país distante, sentem a dificuldade desta gente. Eu sinto. A cada próximo vinho do Douro que beber, vou-me lembra desta subida e valorizar ainda mais o que estou a beber (até vou beber mais devagar).
Casal de Loivos é um anfiteatro natural para o Douro. Acho que não existe melhor forma de o descrever. Fica numa espécie de 15º andar em relação ao Pinhão e oferece uma vista incrível para a silhueta do rio e para as suas vinhas. Com as cores do Outono, a folhagem da vinha parece quase uma palete de cores, ora mais para o amarelo, ora mais para o laranja, e ainda sobram as que persistem em continuar a oferecer ao meu olhar a cor verde. Muito bonito. Não só para recuperar o fôlego, mas também em modo de contemplação, fico largos minutos, no miradouro, quase à saída do Casal junto ao ringue da aldeia. Tive, em silêncio, aquele quadro só para mim. Não é que eu seja egoísta. Mas existem momentos, que sabem tão bem ser vividos em silêncio. Sem distrações.
Volto ao caminho. Agora é sempre a descer, num ligeiro zigue-zague. Sem nunca perder o Vintage House de vista, demoro menos de um terço do tempo que demorei a subir, embora que tenha sido por outro caminho. Chego ao Vintage House, tomo um banho rápido e parto em direção à Quinta da Roêda. A casa do Porto Croft. Aqui não há espaço para vinhos tintos ou brancos. É só Porto. Fica a pouco mais de 2km do hotel, e sinceramente, é das mais bonitas quintas que visitei. Quando o nosso imaginário se alimenta de imagens sobre um lugar e depois, assim que lá chegámos e pensamos: “é mesmo isto”. É tão bom, quando isso acontece. Eu fico reconfortado. E aconteceu aqui. Uma verdadeira quinta do Porto clássico. Tantas histórias que se devem ter passado por aqui. Tal como quase todas as grandes quintas junto ao Pinhão, tem um cais, onde no passado atracavam os rabelo, para transportarem o vinho para amadurecer na caves em Gaia. Sinceramente, e depois de caminhar pela vinha, sempre com o Douro debaixo de olho, só me apetecia partir de barco, Douro abaixo. Quase até ao mar. Os navegadores não me saíam do pensamento, eles que nunca até então fizeram parte do meu imaginário dos vinhos do Douro, ganhavam, no momento, um palco que nunca esperei lhes atribuir. Quase como o papel de guardiões do tesouro. Um tarefa hercúlea, apenas destinada aos mais audazes. Se essa tarefa tivesse sido vivida numa época medieval, teriam sido feitas canções sobre estes homens.
Numa pequena casa, com uma mesa de madeira e uma abertura com vista para o rio, quase como uma torre de vigia de um castelo medieval, provo os vinhos da casa. Mais uma vez, sozinho e em silêncio. Mais uma vez, este momento pedia isso.
Volto já quase noite ao Pinhão. Caminho para cais para assistir ao pôr do sol, que prometia uma cor muito bonita, que iria cair numa abertura de rio vinda do lado de Peso da Régua. Acabo por ficar um bom par de horas. Num dos bares de beira rio, a ver os barcos a chegar e a partir. Já noite cerrada, volto para o Vintage House. Caminhado pelo seu bonito jardim, com traços de palacete antigo. Não sei quando este espaço tomou forma de hotel, mas consigo imaginar os inúmeros encontros e negócios vínicos que se terão feito por ali. Talvez até naquele jardim, com vista para o rio, entre charutos e vinhos. É fácil sonhar e imaginar por aqui.
Na manhã do dia seguinte, talvez impulsionado pelo palco que dei aos navegadores dos rabelo do passado, decido lançar-me à água (salvo seja) e embarcar numa réplica de um rabelo e navegar, não em direção a Gaia, mas numa pequena volta (2 horas) até Tua e voltar. Embarco com a Companhia Turística do Douro. Em relação a este passeio tenho uma coisa a dizer. Monumental. Na verdade não me senti como um navegador de rabelo do passado, senti-me como o Frodo e os seus amigos. Estranho, não é? Senti-me quase como se estivesse no filme Senhor dos Anéis, naquela cena, onde eles seguem de barco e contemplam gigantes figuras, que representam os Deuses antigos. Foi essa imponência e carga que eu senti, ao vislumbrar as grandes quintas de vinho, que iam apresentando ao longo das margens. Com um pequeno livro na mão ia identificando o nome das quintas e as suas famílias. Admirando-os, quase como Deuses. Marcou-me. Senti-me pequeno, perante a tamanha carga histórica, que estes pequenos santuários do vinho me lançaram. Ou enfeitiçaram. Estou uma espécie de wine addicted. Não pela bebida, mas pela história desta gente. Impressionante.
Volto ao cais do Pinhão, ainda meio aturdido, pelo que tinha vivido. Sinceramente, nem dei pelo tempo passar. Volto ao Vintage House, para um pequeno, mas sentido adeus. Estava na hora da partida. Iria seguir caminho, de comboio, para o Porto. Percorrendo as mesmas paisagens que os homens dos rabelo tantas vezes viram nas suas viagens até Gaia/Porto. Cada vez tenho mais presente em mim, que o Douro, não são um conjunto de produtores, garrafas e copos de vinho, ou até mesmo, simplesmente um rio bonito. É muito mais do isso. É algo grande e intenso, que podia dizer sem mentir, que todo esse conjunto forma uma grande história. Mas sinto que ainda é mais do que isso. Ainda não tenho a definição certa, mas também não a vou procurar. Acho que não é importante. O importante são as memórias que levo deste lugar, que vou reavivar a cada copo de vinho, desta terra, que irei beber. Seja em parte do Mundo for. Memórias tão boas, que vão sempre alimentar o meu desejo de voltar.
Começamos a ficar deslumbrados com o Vintage House, muito antes de lá chegar. Qualquer que seja a forma, de carro, de comboio ou a pé. E qualquer que seja o caminho. Seja ele por Peso da Régua, São João da Pesqueira ou por Tua. É lindíssimo o caminho até lá. Quer seja lá no alto, com os vales que carregam infinitos alinhamentos de vinha, com o rio, azul intenso, a rasgar a terra e dividir regiões unidas pela mesma cultura. Quer seja bem junto ao rio, com a vinhas a surgirem como gigantes montanhas, a contrastar com o colorido dos barcos que navegam o rio. Muitos dizem que, tanto a estrada como a linha de caminho de ferro, são das mais bonitas do Mundo. Não me parece disparate. Onde o bonito não é vincado, unicamente, pela diferença daquilo que estamos habituados a ver como paisagem vinícola. A paisagem tem carácter. Sente-se o peso da história. Pelo menos, eu senti.
Chego ao Pinhão. Uma povoação pequena, penso que não terá mais do que 500 habitantes. É fácil dar conta da existência do Vintage House. Destaca-se entre os demais edifícios. Está alinhado junto rio, em simbiose quase perfeita (tudo é fácil conjugar com este rio), entre a ponte e a estação de comboios. Um pouco mais à frente, está o pequeno cais do Pinhão. Onde pequenos e grandes barcos, fazem as suas paragens. No momento da minha chegada, estava um barco cruzeiro a atracar. É fácil perceber a cara de entusiasmo de quem coloca os pés no Pinhão. Imagino como passaram, os seus tripulantes, as últimas horas de navegação. Certamente, entre conversas sobre vinho, a admirar uma paisagem ímpar e, talvez, a beber um belo vinho do porto. Tudo isto a uma velocidade cruzeiro e não a ver de fora. A ver de dentro, e a seguir o mesmo caminho que muitos bravos seguiram. Douro acima e Douro abaixo, a transportar pipas de vinho entre as quintas até V.N. de Gaia/Porto, nos saudosos barcos rabelo. E depois chegam a povoações como o Pinhão, envolvidas por pequenas montanhas de vinha. É fácil uma pessoa sentir-se abençoada. Para os que chegam pela primeira vez, e para mim, que me faz sentir um orgulho imenso, naquilo que também é um pedaço da minha história.
Deixo as minhas malas no hotel, e parto para uma caminhada. Sigo junto ao rio, em direção a uma pequena passagem pedonal, junto a uma, também pequena, ponte ferroviária que atravessa uma entrada de um afluente do Douro. Tudo é muito gracioso por aqui. Com pequenos barcos parados, nesta espécie de “garagem” do Douro, quase a fazer lembrar Veneza. Não pela arquitectura ou pelo simbolismo, mas muito pelo charme que estas águas carregam. Quase que pedia uma música italiana, para acompanhar os meus passos. Esta minha mania de cinematografar momentos.
O dia estava muito bonito, perfeito para caminhar. O objectivo seria subir até Casal de Loivos e descer novamente em direção ao Pinhão. Num percurso circular, com pouco mais de 10km. Nada melhor que andar, para melhor conhecer um lugar. Ofegante, depois de uma boa hora de caminhada entre vinhas, lá chego à aldeia. Só pensava no que sofria esta gente na vindima. Com o calor, com os desníveis, com o difícil e em muitos casos, impossível acesso de tractores para transportar a uva. Acho que esta dificuldade também dá carácter ao vinho. Não sei se os júris e entendidos, que premeiam, ano após ano, os vinhos do Douro, sentados numa confortável cadeira e num país distante, sentem a dificuldade desta gente. Eu sinto. A cada próximo vinho do Douro que beber, vou-me lembra desta subida e valorizar ainda mais o que estou a beber (até vou beber mais devagar).
Casal de Loivos é um anfiteatro natural para o Douro. Acho que não existe melhor forma de o descrever. Fica numa espécie de 15º andar em relação ao Pinhão e oferece uma vista incrível para a silhueta do rio e para as suas vinhas. Com as cores do Outono, a folhagem da vinha parece quase uma palete de cores, ora mais para o amarelo, ora mais para o laranja, e ainda sobram as que persistem em continuar a oferecer ao meu olhar a cor verde. Muito bonito. Não só para recuperar o fôlego, mas também em modo de contemplação, fico largos minutos, no miradouro, quase à saída do Casal junto ao ringue da aldeia. Tive, em silêncio, aquele quadro só para mim. Não é que eu seja egoísta. Mas existem momentos, que sabem tão bem ser vividos em silêncio. Sem distrações.
Volto ao caminho. Agora é sempre a descer, num ligeiro zigue-zague. Sem nunca perder o Vintage House de vista, demoro menos de um terço do tempo que demorei a subir, embora que tenha sido por outro caminho. Chego ao Vintage House, tomo um banho rápido e parto em direção à Quinta da Roêda. A casa do Porto Croft. Aqui não há espaço para vinhos tintos ou brancos. É só Porto. Fica a pouco mais de 2km do hotel, e sinceramente, é das mais bonitas quintas que visitei. Quando o nosso imaginário se alimenta de imagens sobre um lugar e depois, assim que lá chegámos e pensamos: “é mesmo isto”. É tão bom, quando isso acontece. Eu fico reconfortado. E aconteceu aqui. Uma verdadeira quinta do Porto clássico. Tantas histórias que se devem ter passado por aqui. Tal como quase todas as grandes quintas junto ao Pinhão, tem um cais, onde no passado atracavam os rabelo, para transportarem o vinho para amadurecer na caves em Gaia. Sinceramente, e depois de caminhar pela vinha, sempre com o Douro debaixo de olho, só me apetecia partir de barco, Douro abaixo. Quase até ao mar. Os navegadores não me saíam do pensamento, eles que nunca até então fizeram parte do meu imaginário dos vinhos do Douro, ganhavam, no momento, um palco que nunca esperei lhes atribuir. Quase como o papel de guardiões do tesouro. Um tarefa hercúlea, apenas destinada aos mais audazes. Se essa tarefa tivesse sido vivida numa época medieval, teriam sido feitas canções sobre estes homens.
Numa pequena casa, com uma mesa de madeira e uma abertura com vista para o rio, quase como uma torre de vigia de um castelo medieval, provo os vinhos da casa. Mais uma vez, sozinho e em silêncio. Mais uma vez, este momento pedia isso.
Volto já quase noite ao Pinhão. Caminho para cais para assistir ao pôr do sol, que prometia uma cor muito bonita, que iria cair numa abertura de rio vinda do lado de Peso da Régua. Acabo por ficar um bom par de horas. Num dos bares de beira rio, a ver os barcos a chegar e a partir. Já noite cerrada, volto para o Vintage House. Caminhado pelo seu bonito jardim, com traços de palacete antigo. Não sei quando este espaço tomou forma de hotel, mas consigo imaginar os inúmeros encontros e negócios vínicos que se terão feito por ali. Talvez até naquele jardim, com vista para o rio, entre charutos e vinhos. É fácil sonhar e imaginar por aqui.
Na manhã do dia seguinte, talvez impulsionado pelo palco que dei aos navegadores dos rabelo do passado, decido lançar-me à água (salvo seja) e embarcar numa réplica de um rabelo e navegar, não em direção a Gaia, mas numa pequena volta (2 horas) até Tua e voltar. Embarco com a Companhia Turística do Douro. Em relação a este passeio tenho uma coisa a dizer. Monumental. Na verdade não me senti como um navegador de rabelo do passado, senti-me como o Frodo e os seus amigos. Estranho, não é? Senti-me quase como se estivesse no filme Senhor dos Anéis, naquela cena, onde eles seguem de barco e contemplam gigantes figuras, que representam os Deuses antigos. Foi essa imponência e carga que eu senti, ao vislumbrar as grandes quintas de vinho, que iam apresentando ao longo das margens. Com um pequeno livro na mão ia identificando o nome das quintas e as suas famílias. Admirando-os, quase como Deuses. Marcou-me. Senti-me pequeno, perante a tamanha carga histórica, que estes pequenos santuários do vinho me lançaram. Ou enfeitiçaram. Estou uma espécie de wine addicted. Não pela bebida, mas pela história desta gente. Impressionante.
Volto ao cais do Pinhão, ainda meio aturdido, pelo que tinha vivido. Sinceramente, nem dei pelo tempo passar. Volto ao Vintage House, para um pequeno, mas sentido adeus. Estava na hora da partida. Iria seguir caminho, de comboio, para o Porto. Percorrendo as mesmas paisagens que os homens dos rabelo tantas vezes viram nas suas viagens até Gaia/Porto. Cada vez tenho mais presente em mim, que o Douro, não são um conjunto de produtores, garrafas e copos de vinho, ou até mesmo, simplesmente um rio bonito. É muito mais do isso. É algo grande e intenso, que podia dizer sem mentir, que todo esse conjunto forma uma grande história. Mas sinto que ainda é mais do que isso. Ainda não tenho a definição certa, mas também não a vou procurar. Acho que não é importante. O importante são as memórias que levo deste lugar, que vou reavivar a cada copo de vinho, desta terra, que irei beber. Seja em parte do Mundo for. Memórias tão boas, que vão sempre alimentar o meu desejo de voltar.