VILA COVA DE ALVA

O calor de Verão tinha chegado a Vila Cova de Alva. A minha t-shirt encharcada, mostrava isso mesmo. Isso, e o meu desejo descabido por uma sombra e uma bebida fresca. Era início de Verão e tinha acabado de chegar à bonita Vila Cova de Alva, rotulada como Aldeia (branca…isto é, sem grande xisto) do Xisto, pertence ao concelho de Arganil e foi plantada à beira do rio Alva. Talvez por ser aquele período calmo do pós almoço, talvez pelo calor que queima no interior de Portugal, talvez por outra coisa que me tenha escapado, não se via viva alma em Vila Cova de Alva. Senti que tinha este lugar por minha conta.

É um lugar bonito, o traçado do seu património mostra que foi berço de ouro para muita gente, e, claro, o rio dá-lhe aquele charme que disfarça qualquer imperfeição. Na minha busca por sombra, dei por mim, nos primeiros minutos de Vila Cova de Alva, sentado num banco de jardim, numa das praças da Vila, com um chapéu de sol de cores garridas, montado em cima de um pneu, a aliviar-me do meu desconforto de Verão. O silêncio era tal, que dava para ouvir as pedras da calçada. À minha volta tinha uma série de casas aburguesadas e uma bonita igreja (da Misericórdia) com uma inscrição a fazer referência ao séc. XVIII. Apesar do sol e da sombra pouco eficiente, estava a gostar de estar ali. Era a primeira vez e deu para sentir, logo, o carácter do espaço. Em cima da minha cabeça estava uma placa, em azulejo, com nome o da praça, isto ao lado de um bonito portão de madeira verde esbatido. O nome que estava na placa era “Praça Dr. Luiz da Costa Faria”. Pensei “para dar o nome a esta praça, deve ser pessoa importante e talvez interessante”. Inesperadamente, o Dr. Luiz foi a minha principal companhia nesta viagem. Senti que era ele que me estava a guiar pela sua terra e tentei perceber os seus passos frequentes e se o nosso olhar, em diferentes épocas se cruzou com a mesma vista e perspectiva. Numa rápida pesquisa, tentei perceber quem foi o Dr. Luiz. Era o desembargador da Casa da Suplicação (acredito que um cargo importante) e foi governante na India, antes de se fixar por ali. India, esse país exótico e tão diferente de Vila Cova de Alva, lançou-me na primeira viagem no tempo, tentando entrar na cabeça do Dr. Luiz. “Como seria chegar a Vila Cova de Alva, depois de viver na India?”. Bem, não foi uma viagem fácil. Mas com certeza que imaginei a casa burguesa do Dr. Luiz cheia de motivos exóticos acabados de chegar do Oriente. Além de alguns actos beneméritos, pouco mais soube da história desta figura da história de Vila Cova de Alva, mas nem isso diminuiu a minha ligação a esta personagem. Estranhamente sentia-o como aquele primeiro amigo que fazemos quando chegamos a um lugar novo e com quem contamos para nos apresentar a ele (ao lugar novo).

Na companhia imaginária do Dr. Luiz, levantei-me do meu banco de jardim e deixei a sombra mal concebida. Sem mapa e sem ponto final de viagem, parti na busca de Vila Cova de Alva. Percorri uma rua, duas, três. Ouvi barulhos dentro das casas, cumprimentei o carteiro, admirei fachadas e observei cada pormenor que transforma a Vila num lugar diferente. O aproximar do rio faz-se às cegas entre as ruas estreitas, apenas pelo som da água a procurar o seu caminho entre as rochas. É claro que achei o rio, bem no topo da Vila, sentindo-me num miradouro improvisado. Mesmo longe, porque a Vila foi edificada numa encosta do rio, dava para sentir a frescura. E sentir frescura num dia de Verão é uma dádiva que não se deve desperdiçar. Sentei-me no muro de casa/miradouro e deixei o tempo passar. E por falar em tempo, é um lugar comum mencionar isso, mas não deixa de ser obrigatório. O tempo não voa por aqui. Talvez seja essa a maior dádiva de visitar ou viver num lugar como este, ter tempo. Ter tempo para estar, para escutar, para sentir, para viver.

Mais fresco e com mais ligação à Vila, continuei a minha viagem. Rua após rua, fui descobrindo mais da Vila. Visitei a Igreja Matriz e passei a vista pelo Convento de Santo António, dois bons exemplos da monumentalidade deste lugar. Principalmente o Convento, classificado como Imóvel de Interesse Público e de construção com data em 1713. Com a extinção das ordens religiosas no séc. XIX, o convento foi vendido a privados logo em seguida, sofrendo múltiplas alterações à sua forma original. Talvez apenas mantendo a sua dimensão, em volume e história. Mas, mais uma vez, o património a facilitar a viagem imagética ao passado. “Como seria Vila Cova de Alva no séc. XVIII, com todo este património no seu máximo vigor?”. A viagem é fácil, a resposta concreta é complexa. Viajei, sem complexidade, apenas a imaginar coisas simples, como a vida das pessoas mais simples que viveram e que, muito provavelmente, pouco dali saíram. Vila Cova de Alva fica num enclave da Serra do Açor, com uma proximidade sentida à Serra da Estrela. Sem rio navegável, sem comboio, sem um grande meio urbano próximo. Antes os pré-destinados ou os mais sonhadores, poderiam “navegar por outros mares”. Sim, mais uma vez voltei à minha personagem, o Dr. Luiz. Talvez, mesmo sendo (talvez) uma personagem de nascença abastada, fosse um sonhador. Sim, assim como eu.

Depois de todas as ruas atravessadas, de todo o património sentido e já com o dia a caminhar para o seu final, sentei-me numa mesa do café Flôr do Alva e pedi uma cerveja. Brindei, na minha imaginação, com o Dr. Luiz e com todos aqueles que fizeram (e também aos que fazem) de Vila Cova de Alva um lugar especial.

 

O calor de Verão tinha chegado a Vila Cova de Alva. A minha t-shirt encharcada, mostrava isso mesmo. Isso, e o meu desejo descabido por uma sombra e uma bebida fresca. Era início de Verão e tinha acabado de chegar à bonita Vila Cova de Alva, rotulada como Aldeia (branca…isto é, sem grande xisto) do Xisto, pertence ao concelho de Arganil e foi plantada à beira do rio Alva. Talvez por ser aquele período calmo do pós almoço, talvez pelo calor que queima no interior de Portugal, talvez por outra coisa que me tenha escapado, não se via viva alma em Vila Cova de Alva. Senti que tinha este lugar por minha conta.

É um lugar bonito, o traçado do seu património mostra que foi berço de ouro para muita gente, e, claro, o rio dá-lhe aquele charme que disfarça qualquer imperfeição. Na minha busca por sombra, dei por mim, nos primeiros minutos de Vila Cova de Alva, sentado num banco de jardim, numa das praças da Vila, com um chapéu de sol de cores garridas, montado em cima de um pneu, a aliviar-me do meu desconforto de Verão. O silêncio era tal, que dava para ouvir as pedras da calçada. À minha volta tinha uma série de casas aburguesadas e uma bonita igreja (da Misericórdia) com uma inscrição a fazer referência ao séc. XVIII. Apesar do sol e da sombra pouco eficiente, estava a gostar de estar ali. Era a primeira vez e deu para sentir, logo, o carácter do espaço. Em cima da minha cabeça estava uma placa, em azulejo, com nome o da praça, isto ao lado de um bonito portão de madeira verde esbatido. O nome que estava na placa era “Praça Dr. Luiz da Costa Faria”. Pensei “para dar o nome a esta praça, deve ser pessoa importante e talvez interessante”. Inesperadamente, o Dr. Luiz foi a minha principal companhia nesta viagem. Senti que era ele que me estava a guiar pela sua terra e tentei perceber os seus passos frequentes e se o nosso olhar, em diferentes épocas se cruzou com a mesma vista e perspectiva. Numa rápida pesquisa, tentei perceber quem foi o Dr. Luiz. Era o desembargador da Casa da Suplicação (acredito que um cargo importante) e foi governante na India, antes de se fixar por ali. India, esse país exótico e tão diferente de Vila Cova de Alva, lançou-me na primeira viagem no tempo, tentando entrar na cabeça do Dr. Luiz. “Como seria chegar a Vila Cova de Alva, depois de viver na India?”. Bem, não foi uma viagem fácil. Mas com certeza que imaginei a casa burguesa do Dr. Luiz cheia de motivos exóticos acabados de chegar do Oriente. Além de alguns actos beneméritos, pouco mais soube da história desta figura da história de Vila Cova de Alva, mas nem isso diminuiu a minha ligação a esta personagem. Estranhamente sentia-o como aquele primeiro amigo que fazemos quando chegamos a um lugar novo e com quem contamos para nos apresentar a ele (ao lugar novo).

Na companhia imaginária do Dr. Luiz, levantei-me do meu banco de jardim e deixei a sombra mal concebida. Sem mapa e sem ponto final de viagem, parti na busca de Vila Cova de Alva. Percorri uma rua, duas, três. Ouvi barulhos dentro das casas, cumprimentei o carteiro, admirei fachadas e observei cada pormenor que transforma a Vila num lugar diferente. O aproximar do rio faz-se às cegas entre as ruas estreitas, apenas pelo som da água a procurar o seu caminho entre as rochas. É claro que achei o rio, bem no topo da Vila, sentindo-me num miradouro improvisado. Mesmo longe, porque a Vila foi edificada numa encosta do rio, dava para sentir a frescura. E sentir frescura num dia de Verão é uma dádiva que não se deve desperdiçar. Sentei-me no muro de casa/miradouro e deixei o tempo passar. E por falar em tempo, é um lugar comum mencionar isso, mas não deixa de ser obrigatório. O tempo não voa por aqui. Talvez seja essa a maior dádiva de visitar ou viver num lugar como este, ter tempo. Ter tempo para estar, para escutar, para sentir, para viver.

Mais fresco e com mais ligação à Vila, continuei a minha viagem. Rua após rua, fui descobrindo mais da Vila. Visitei a Igreja Matriz e passei a vista pelo Convento de Santo António, dois bons exemplos da monumentalidade deste lugar. Principalmente o Convento, classificado como Imóvel de Interesse Público e de construção com data em 1713. Com a extinção das ordens religiosas no séc. XIX, o convento foi vendido a privados logo em seguida, sofrendo múltiplas alterações à sua forma original. Talvez apenas mantendo a sua dimensão, em volume e história. Mas, mais uma vez, o património a facilitar a viagem imagética ao passado. “Como seria Vila Cova de Alva no séc. XVIII, com todo este património no seu máximo vigor?”. A viagem é fácil, a resposta concreta é complexa. Viajei, sem complexidade, apenas a imaginar coisas simples, como a vida das pessoas mais simples que viveram e que, muito provavelmente, pouco dali saíram. Vila Cova de Alva fica num enclave da Serra do Açor, com uma proximidade sentida à Serra da Estrela. Sem rio navegável, sem comboio, sem um grande meio urbano próximo. Antes os pré-destinados ou os mais sonhadores, poderiam “navegar por outros mares”. Sim, mais uma vez voltei à minha personagem, o Dr. Luiz. Talvez, mesmo sendo (talvez) uma personagem de nascença abastada, fosse um sonhador. Sim, assim como eu.

Depois de todas as ruas atravessadas, de todo o património sentido e já com o dia a caminhar para o seu final, sentei-me numa mesa do café Flôr do Alva e pedi uma cerveja. Brindei, na minha imaginação, com o Dr. Luiz e com todos aqueles que fizeram (e também aos que fazem) de Vila Cova de Alva um lugar especial.

 

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