episódio 3: Picos da europa
Entrava no quarto dia de viagem, com a paisagem dos Picos da Europa como pano de fundo. Viajava sem um plano definido, ia vivendo e escolhendo os pontos de paragem ao sabor do vento (sabor do vento, na linguagem da malta que viaja quer dizer: “gosto disto, fico por aqui!” ). Quer dizer, neste caso, o facto de (provavelmente) o único parque de campismo do norte de Espanha, que estava aberto nesta altura do campeonato, ficar no Picos, também pesou em muito na minha decisão em ficar mais um dia por aqui e dedicar um dia para uma absorção mais cuidada desta região e, consequentemente, menos progressão na estrada.
Nesta vida de caravanista, o dia começa com o nascer do Sol. Até podemos dar mais umas voltas na cama, mas existe um sentimento de “viver” muito grande (a luz entrar de imediato na caravana também ajuda). Saí do “Meu Escritório” Indie Campers por volta das 8h00. Mais uma vez, os vizinhos caravanistas, que também pernoitaram no Camping Picos da Europa, já tinham partido sem eu dar por ela. Esta malta move-se em pantufas. Incrível. Muitos vejo-os a estacionar e nem chego a ver a cara das pessoas. Sinceramente esperava mais algum (ou algum!) tipo de interacção entre caravanistas. Sentia-me pertencente à mesma “religião”, ao mesmo grupo de “amigos”. Mas ninguém me ligava. Queria partilhar histórias de viagens, sobre o luar dos Picos ou ao som das ondas do mar. Mas nada. Acho que existe aqui um sentimento de proteção e auto-defesa muito grande. Talvez por más experiências do passado, por estarem muito expostos a armadilhas ou simplesmente porque estacionam à hora da novela e não querem perder um episódio. Este meio desabafo serve para dizer que ao quarto dia de viagem me sentia um pouco sozinho. Estava tudo a correr maravilhosamente bem, as paisagem eram lindas, a comida do melhor, gostava muito do meu “castelo andante”, mas não sei se consegui falar mais de 30 segundos com alguém. Sentia falta disso. As pessoas são as almas dos lugares e não conseguia chegar até elas. Era eu e a minha caravana, ponto.
Por volta das 9h00 arrumei a esplanada, desliguei a caravana da corrente (sim, tipo carregador de telemóvel) e parti em direção a Covadonga. Uma das portas de entrada nos Picos da Europa asturianos. Nota: isto pode tornar-se repetitivo. Lugar lindíssimo. Tudo! As estradas que caminham ao longo de um rio verde azulado, entre pequenos bosques ou longas planícies verdes, com casinhas de onde a qualquer momento esperava a saída de uma Heidi (sim, sou um saudosista), cavalos a cavalgar livremente e, quase de quilómetro a quilómetro, lá surgia um pico imponente coberto de neve. Só me perguntava: “mas que lugar é este”. Sentia um magia qualquer ali, que me prendeu de imediato aquele lugar. O mais incrível. Estava a sentir tudo isto que descrevi, mas, objetivamente, ainda nem sequer tinha entrado (oficialmente) nos Picos da Europa. O que aconteceu minutos depois com a chegada a Covadonga.
Já tinha ouvido muitas vezes falar de Covadonga, do Santuário e dos Lagos. Muito porque sou um amante de ciclismo e porque a mítica subida aos Lagos de Covadonga é um dos pontos fortes da Volta a Espanha. Mas apesar de já ter visto aquela subida e aquele local, inúmeras vezes na TV, parecia tudo novo para mim. Estava com imensa sorte. Estava um dia lindíssimo. Céu limpo e um Sol brilhante. Penso que não é coisa normal por aqui, ainda para mais em Março.
Fiz a primeira paragem no Santuário de Covadonga. Lugar místico e imponente. O Santuário Santa Cueva, embutido ou escavado no Monte Auseva é o ponte forte, se assim se pode chamar, deste lugar. Embora a Catedral também seja muito bonita e com um belo pano de fundo (sim, aquelas montanhas com neve). Voltando à Santa Cueva, também mítica, além do seu cenário muito particular (ou diferente), por, segundo a lenda, Don Pelayo, primeiro rei do antigo reino das Astúrias, se ter refugiado na gruta, onde hoje se encontra o Santuário, e aí ter reunido forças para derrotar os Muçulmanos na Batalha de Covadonga. Outra das lendas diz que Don Pelayo perseguia um bandido, e que encontrou um ermita, devoto de Virgem Maria, que pediu a Don Pelayo para perdoar o tal bandido. Pedido que Don Pelayo aceitou e que por tal acto, Virgem Maria, concedeu uma espécie de proteção especial a Don Pelayo nos restantes acontecimentos da sua vida, incluíndo a vitoriosa Batalha de Covandoga. Acompanhando a força das lendas, foi escavado um mini Santuário no Monte, com a figura de Virgem Maria, hoje conhecida como Virgem de Covadonga. Andei por ali um bom bocado da manhã. A sentir a energia do local. A sorte estava-me a acompanhar. Quando cheguei encontrei este lugar com muito pouca gente. A Catedral então, estava vazia. Assim que fui embora, em direção aos Lagos, eram autocarros, em fila indiana, a subir lentamente em direção ao Santuário. Com muita gente a energia perde-se um pouco.
Deixei o Santuário, e iniciei a subida em direção aos Lagos de Convadonga e ponto final da estrada. Ou seja, chegava aos Lagos e tinha de voltar para trás. Foram cerca de 10 quilómetros com vistas lindíssimas (eu disse que me ia tornar repetitivo, com esta história do “é tudo muito bonito”). Muitas curvas, paisagem que variava entre pequenos bosques e grandes planos. Passei por muitos ciclistas a tentarem vencer o desafio da subida. É claro que pensei: “tenho de voltar cá de bicicleta”. Pelo meio, cruzei-me com vacas gigantes, cabras e porcos (sim, porcos dos Picos da Europa, a caminhar nas calmas pelo meio da estrada). Surge o primeiro lago, o Enol. É impossível não abrir a boca perante tal cenário. Um relvado natural gigante, o lago e as montanhas com neve como pano de fundo. Contornei o primeiro lago e segui em direção ao segundo. O Ercina. Difícil a escolha do mais bonito, mas vou por este. Aqui estacionei o Meu Escritório por ali e por ali fiquei um bom par de horas. Incrível paisagem, lugar fabuloso. Caminhei por verde gigante que contorna o lago, aproximei-me do lago, sentei-me (tirei 1500 fotos) e por ali fiquei. Mais uma vez digo, uma sorte imensa pelo dia e por estar pouca gente. Tinha o lago quase só para mim. O silêncio misturado com tão imponente paisagem preencheu-me. Senti-me muito bem por ali. A mistura da leveza das águas calmas e límpidas do lago, com a imponência e dureza das montanhas, tudo cuidadosamente alinhado, tornam, realmente, este lugar num lugar muito especial. Estava sem pressa.
Já era meio da tarde quando resolvi ir embora. Se por lado, andava meio rabugento por não falar com ninguém, aqui, agradeci estar sozinho. Sou humano, essa raça difícil de agradar e de perceber. Voltei mais uma vez pela caminho lindíssimo, aquele das montanhas com neve, das planícies verdes, das casas fofinhas ou dos riachos com uma cor bonita. Voltei a estacionar o meu castelo andante no Camping Picos da Europa. Já tinha vizinhos novos. Voltei a não ver nenhum. Jantei na minha esplanada com luar dos Picos a iluminar a minha mesa. Silêncio quase absoluto.
Entrava no quarto dia de viagem, com a paisagem dos Picos da Europa como pano de fundo. Viajava sem um plano definido, ia vivendo e escolhendo os pontos de paragem ao sabor do vento (sabor do vento, na linguagem da malta que viaja quer dizer: “gosto disto, fico por aqui!” ). Quer dizer, neste caso, o facto de (provavelmente) o único parque de campismo do norte de Espanha, que estava aberto nesta altura do campeonato, ficar no Picos, também pesou em muito na minha decisão em ficar mais um dia por aqui e dedicar um dia para uma absorção mais cuidada desta região e, consequentemente, menos progressão na estrada.
Nesta vida de caravanista, o dia começa com o nascer do Sol. Até podemos dar mais umas voltas na cama, mas existe um sentimento de “viver” muito grande (a luz entrar de imediato na caravana também ajuda). Saí do “Meu Escritório” Indie Campers por volta das 8h00. Mais uma vez, os vizinhos caravanistas, que também pernoitaram no Camping Picos da Europa, já tinham partido sem eu dar por ela. Esta malta move-se em pantufas. Incrível. Muitos vejo-os a estacionar e nem chego a ver a cara das pessoas. Sinceramente esperava mais algum (ou algum!) tipo de interacção entre caravanistas. Sentia-me pertencente à mesma “religião”, ao mesmo grupo de “amigos”. Mas ninguém me ligava. Queria partilhar histórias de viagens, sobre o luar dos Picos ou ao som das ondas do mar. Mas nada. Acho que existe aqui um sentimento de proteção e auto-defesa muito grande. Talvez por más experiências do passado, por estarem muito expostos a armadilhas ou simplesmente porque estacionam à hora da novela e não querem perder um episódio. Este meio desabafo serve para dizer que ao quarto dia de viagem me sentia um pouco sozinho. Estava tudo a correr maravilhosamente bem, as paisagem eram lindas, a comida do melhor, gostava muito do meu “castelo andante”, mas não sei se consegui falar mais de 30 segundos com alguém. Sentia falta disso. As pessoas são as almas dos lugares e não conseguia chegar até elas. Era eu e a minha caravana, ponto.
Por volta das 9h00 arrumei a esplanada, desliguei a caravana da corrente (sim, tipo carregador de telemóvel) e parti em direção a Covadonga. Uma das portas de entrada nos Picos da Europa asturianos. Nota: isto pode tornar-se repetitivo. Lugar lindíssimo. Tudo! As estradas que caminham ao longo de um rio verde azulado, entre pequenos bosques ou longas planícies verdes, com casinhas de onde a qualquer momento esperava a saída de uma Heidi (sim, sou um saudosista), cavalos a cavalgar livremente e, quase de quilómetro a quilómetro, lá surgia um pico imponente coberto de neve. Só me perguntava: “mas que lugar é este”. Sentia um magia qualquer ali, que me prendeu de imediato aquele lugar. O mais incrível. Estava a sentir tudo isto que descrevi, mas, objetivamente, ainda nem sequer tinha entrado (oficialmente) nos Picos da Europa. O que aconteceu minutos depois com a chegada a Covadonga.
Já tinha ouvido muitas vezes falar de Covadonga, do Santuário e dos Lagos. Muito porque sou um amante de ciclismo e porque a mítica subida aos Lagos de Covadonga é um dos pontos fortes da Volta a Espanha. Mas apesar de já ter visto aquela subida e aquele local, inúmeras vezes na TV, parecia tudo novo para mim. Estava com imensa sorte. Estava um dia lindíssimo. Céu limpo e um Sol brilhante. Penso que não é coisa normal por aqui, ainda para mais em Março.
Fiz a primeira paragem no Santuário de Covadonga. Lugar místico e imponente. O Santuário Santa Cueva, embutido ou escavado no Monte Auseva é o ponte forte, se assim se pode chamar, deste lugar. Embora a Catedral também seja muito bonita e com um belo pano de fundo (sim, aquelas montanhas com neve). Voltando à Santa Cueva, também mítica, além do seu cenário muito particular (ou diferente), por, segundo a lenda, Don Pelayo, primeiro rei do antigo reino das Astúrias, se ter refugiado na gruta, onde hoje se encontra o Santuário, e aí ter reunido forças para derrotar os Muçulmanos na Batalha de Covadonga. Outra das lendas diz que Don Pelayo perseguia um bandido, e que encontrou um ermita, devoto de Virgem Maria, que pediu a Don Pelayo para perdoar o tal bandido. Pedido que Don Pelayo aceitou e que por tal acto, Virgem Maria, concedeu uma espécie de proteção especial a Don Pelayo nos restantes acontecimentos da sua vida, incluíndo a vitoriosa Batalha de Covandoga. Acompanhando a força das lendas, foi escavado um mini Santuário no Monte, com a figura de Virgem Maria, hoje conhecida como Virgem de Covadonga. Andei por ali um bom bocado da manhã. A sentir a energia do local. A sorte estava-me a acompanhar. Quando cheguei encontrei este lugar com muito pouca gente. A Catedral então, estava vazia. Assim que fui embora, em direção aos Lagos, eram autocarros, em fila indiana, a subir lentamente em direção ao Santuário. Com muita gente a energia perde-se um pouco.
Deixei o Santuário, e iniciei a subida em direção aos Lagos de Convadonga e ponto final da estrada. Ou seja, chegava aos Lagos e tinha de voltar para trás. Foram cerca de 10 quilómetros com vistas lindíssimas (eu disse que me ia tornar repetitivo, com esta história do “é tudo muito bonito”). Muitas curvas, paisagem que variava entre pequenos bosques e grandes planos. Passei por muitos ciclistas a tentarem vencer o desafio da subida. É claro que pensei: “tenho de voltar cá de bicicleta”. Pelo meio, cruzei-me com vacas gigantes, cabras e porcos (sim, porcos dos Picos da Europa, a caminhar nas calmas pelo meio da estrada). Surge o primeiro lago, o Enol. É impossível não abrir a boca perante tal cenário. Um relvado natural gigante, o lago e as montanhas com neve como pano de fundo. Contornei o primeiro lago e segui em direção ao segundo. O Ercina. Difícil a escolha do mais bonito, mas vou por este. Aqui estacionei o Meu Escritório por ali e por ali fiquei um bom par de horas. Incrível paisagem, lugar fabuloso. Caminhei por verde gigante que contorna o lago, aproximei-me do lago, sentei-me (tirei 1500 fotos) e por ali fiquei. Mais uma vez digo, uma sorte imensa pelo dia e por estar pouca gente. Tinha o lago quase só para mim. O silêncio misturado com tão imponente paisagem preencheu-me. Senti-me muito bem por ali. A mistura da leveza das águas calmas e límpidas do lago, com a imponência e dureza das montanhas, tudo cuidadosamente alinhado, tornam, realmente, este lugar num lugar muito especial. Estava sem pressa.
Já era meio da tarde quando resolvi ir embora. Se por lado, andava meio rabugento por não falar com ninguém, aqui, agradeci estar sozinho. Sou humano, essa raça difícil de agradar e de perceber. Voltei mais uma vez pela caminho lindíssimo, aquele das montanhas com neve, das planícies verdes, das casas fofinhas ou dos riachos com uma cor bonita. Voltei a estacionar o meu castelo andante no Camping Picos da Europa. Já tinha vizinhos novos. Voltei a não ver nenhum. Jantei na minha esplanada com luar dos Picos a iluminar a minha mesa. Silêncio quase absoluto.